À míngua de pássaros e outros relâmpagos subimos a pulso a nossa escarpa preferida para ouvir íntegro o vento inteiro para ver sublimado o nosso barco de remar num abraço eternamente a respirar ateados à passagem demais um ano eufrázio filipe (reconstruido)
Por exclusão social ou sinal de lucidez, nem todas as famílias são um presépio Foi assim que pensei quando vi na esquina do prédio uma senhora com uma criança ao colo a pedir esmola e a desejar boas festas a quem passava. eufrázio filipe
Na minha escarpa florescem ventos relâmpagos e gestos não como são mas como os vejo aqui quase tudo acontece no pestanejar de uma vírgula mãos cheias de mar mais azul que os céus voejam metáforas para dar comer aos pássaros e assim me deito nos teus retratos a fazer versos ou quase nada eufrázio filipe
No tempo em que crescíamos a noite bramava tão parda que nem parecia noite de súbito um frémito de luz pestanejou nos mastros dos barcos o mar restolhou e eu vi claramente os teus olhos remoçados alumiarem as águas após tantos relâmpagos vividos julgavas estar preparada para voar mas os pássaros ainda aprendiam a ter asas eufrázio filipe
Nesta aldeia de mares imperecíveis e sábios tristes íntegro um pássaro do alto entendeu por bem atiçar o fulgor dos timbres regressar ao cais soltar os barcos e partir nas cordas vocais de uma guitarra Nesta aldeia refúgio à flor das águas ainda há espaço para cantar eufrázio filipe
A noite não dorme porque se ama e deseja inesgotável desponta vertebrada move tempestades às mãos cheias dá de beber às fontes a essência da luz Tantas são as noites que não dormem contadas pelos dedos a desbravar caminhos conhecidos eufrázio filipe
Quando te despiste em flor e revelaste a nudez já despontavam as camélias não por dádiva dos céus na vertigem das sombras muito menos porque o mar se ergueu num sussurro de azuis tão só depurada trazias gestos musicais a noção de um rio que se demora nas margens Quando te despiste quase inocente numa povoação de sílabas não desnudaste o mais íntimo da pele ficaste em vigília ao improvável tão perto dos mastros onde dardejam pássaros e profanam metáforas eufrázio filipe
Benditas as palavras vertebradas silaba a silaba o canto das folhas desamparadas no alpendre o uivo dos cães a clarear sombras este perfume de mostos chuva lábios e pedras este marulhar desabrido à nossa porta na livre circulação do vento eufrázio filipe
As árvores viajam na sombra dos verdes um sussurro de folhas e tu foges dos ramos amanheces tão distante que nem os meus olhos descobrem os teus gestos as árvores viajam onde acontece a cor do fruto no chão e os pássaros sem amos deixam que a sombra se rebente meu povo que fizeste das nossas flores? eufrázio filipe
Folha ante folha eras um rio de mágoas inclinada para o mar um presságio de pátrias tresmalhadas vertiginosa e bela a içar neblinas nos mastros mais altos só não sabia que ainda estavas em desassossego por outros inocentes horizontes exausta da cidade e dos pássaros às migalhas no chão das esplanadas Para espanto dos cães começaram a levantar-se as memórias da araucária e eu lambi-te as lágrimas os cabelos brancos os vendavais Folha ante folha foi assim que te vi no espelho das águas desalinhada com poemas no regaço eufrázio filipe
Celebro no mais íntimo da pele a exuberância aprumada da árvore ao fundo quando acorda a cantar e adormece com os pássaros no outro lado do cais quando desperta no deserto esculpe grãos de areia com rosto e se levanta nas dunas contra o vento celebro os contornos da luz as esquinas e os becos no rasgo lúcido de um traço quando se desnudam na tela espaços em branco mãos vertebradas por todo o corpo frutos silvestres folhas persistentes a vasta sede eufrázio filipe
Nas arestas da escarpa aprendemos quase inocentes a arredondar pedras para não ferir o voo dos pássaros caminhamos num abraço de limos ao som das marés e descobrimos debaixo da pele que nos abriga tanta luz por desbravar resistimos nas areias movediças desvendamos rotas conhecidas atiçamos relâmpagos círios mastros que se levantam eufrázio filipe
Lá onde todos os azuis se reúnem para cantar e os olhos cegam num espelho de águas dulcíssimas nem sempre acontecem pautas de timbres mas tu trazias no corpo um rasto de asas na voz um sinal que despertam contidos silêncios e foi assim quando soltaste os pássaros neste jardim de corais em pleno voo beijámos as pedras eufrázio filippe 2015
Na exuberância dos sapais nidificam garças indiferentes ao ciclo das marés tão breves num verso sedimentam o rio Quando entardece resgatam memórias banham-se no chão das águas quase humanas espargem cores fáceis de explicar eufrázio filipe
Por falta de um sopro no marasmo do cais adormeciam barcos banhavam-se em salivas à vista dos mastros quando amanheciam sílaba a sílaba junto ao pomar dos medronheiros numa cadência de asas e passos e tu adocicavas nas margens imaculadas claridades Com o tempo verifiquei que eras tu regressada ao que sempre foste vertebrada metáfora a folhear um compêndio de azuis eras tu dulcíssima tão líquida por entre os dedos que adormecias os barcos
Crescemos na nudez das pedras crescemos e desmaiamos conforme as marés vertemo-nos líquidos em caudais de sons ardidos no sal no delírio da espuma por todo o corpo crescemos na substância das pedras com asas muito leves não somos barcos de carregar velas somos mareantes do vento eufrázio filipe
Esta noite ouvi um certo rumor de palavras antigas apelavam na vegetação ao instinto dos pássaros mas nas paredes da casa onde nunca se calam os teus retratos estavam reunidas todas as condições para salvar o mundo foi o que fiz passámos de novo a respirar por guelras e tudo aconteceu Eufrázio Filipe
Todos os dias conforme as estações acordava à hora dos pássaros escancarava a janela abria os braços dava um grito para chamar os cães descia pedra a pedra todos os degraus da escarpa até ao chão das marés para hastear uma bandeira enchia um jarro de água sentava-me na mesa do alpendre e começava a desenhar palavras improváveis Ao fundo muito para lá da romãzeira fremiam as águas não sei porquê mas fremiam os cães latiam e as palavras por uma nesga espreitavam entre os dedos como se fosse o fim da história um paraíso inventado Todos os dias despertamos mesmo de olhos fechados Eufrázio Filipe
"Para ser grande sê inteiro. Nada teu exagera ou exclui.Sê todo em cada coisa,põe quanto és no mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua brilha, porque alta vive." -Fernando Pessoa -Não, Ricardo Reis -Estávamos como estamos,num país onde os cães que não mordem se desesperam a ladrar. -O Dique não ladra -Mesmo assim, o país com olhos tristes, ri de cócoras -Fernando Pessoa foi um místico -Vamos dormir? A esta hora todos dormem Foi assim neste diálogo inventado,quase institucional que exaustos numa amálgama de sons imperfeitos nos recolhemos ao paraíso dos silêncios tresmalhados. Aqui beneficiamos dos improvisos sábios do Dique, do generoso galinheiro com vistas para a rega automática, da serenata das folhas quando o vento lhes assobia. Um dia parámos as bicicletas numa azinhaga junto de uma tosca placa, de madeira, que anunciava - Vendo patos. Adolescentes como Ricardo Reis, comprámos uma pata com as crias. Todos mudos para não interferirem no belo canto do galo - um tenor ancião que subia ao poleiro para exibir a voz quando a lua acontecia. Na lua cheia chegava mesmo a enrouquecer, mas ao país que o aplaudia não votava. Nesta harmonia bucólica os patos cresceram e inesperadamente começaram a depenar as galinhas. O galo deixou de cantar e o Dique esteve na eminência de ladrar, mas conteve-se para não se confundir com o poder. A noite estava cerrada quando decidimos intervir. Transportámos os bancos da cozinha para o galinheiro, um violino e o meu mais recente livro de metáforas. Patos de um lado, galinhas do outro. Nem um piu, um pestanejar de olhos. Só um ressoar de penas para aconchego das asas. À porta do galinheiro, o Dique, imponente, observava sem dizer uma palavra. -Começas tu com as metáforas? -Prefiro o violino Comecei a soletrar um poema, e outro e outro. ao som do violino, até os animais adormecerem. O Dique levantou a cabeça e fez-se luz. Começou a lamber a lua cheia e o galo despertou para cantar. Retirámo-nos pé ante pé para não perturbar o concerto. No dia seguinte a pata tinha sido galada pelo tenor. A s crias visivelmente reconhecidas afagavam as penas das galinhas, que punham ovos nos sítios mais incríveis. -Acorda - acabei de sonhar -Outra vez o Ricardo Reis? -Já ouvi essa historia e continuo a não entender como é possível um cão numa noite cerrada lamber a lua cheia. Onde está a verdade dos sonhos? Eufrázio Filipe
Quando o vento em torvelinho se escancarou nas águas abriram-se janelas de luz neste chão de marés para tu passares pelos sinais desobrigada sereníssima sem quebrantos despertaste os barcos numa carícia de tremulinas Eras tu senhora guiada pelo meu cão Eufrázio Filipe (reeditado)
Nesta noite de alaúdese jacarandás a contar pelos dedos os sons da vida colhemos a vasta sede caminhámos por sobre as águas cúmplices nos olhares e nas partituras plantámos uma árvore na velha escarpa festejámos o barco das nossas raízes Nesta noite de mares silvestres regressámos à síntese da nudez fizémos um gesto e tudo ficou mais claro à luz de um fósforo Eufrázio Filipe
Conduzia na estrada do Barranco do Bebedouro - serpenteada,estreita,iluminada pela lua cheia. De repente um vulto na minha rota. Não pude evitar. Só o vi pelo retrovisor. Ao contrário do que se diz, as fotografias não substituem as palavras, mas esta sangrou-me. Saí do carro e ajoelhei-me junto do animal- um rafeiro alentejano, lindo, que ainda me olhou nos olhos e disse baixinho - É pá - mataste um cão livre. A lua cheia derramava-se, inundava o silêncio de cores pálidas e eu levei-o ao colo. Quando chegámos a casa só pude fazer o que fiz. Chamei o Dique e pedi-lhe para convocar todos os cães da aldeia. O funeral foi marcado para a meia noite. Todos compareceram. Solidários quatro amigos mais corajosos ofereceram-se para escavar a terra, num canto da horta, onde espontâneas medram as hortelãs. Todos reunidos no mais profundo silêncio, quando um uivo comovido despoletou um choro colectivo. Só o Dique não chorou. Trazia na boca uma papoila que largou na sepultura. Eufrázio Filipe "Caçador de relâmpagos"
Esculpidas numa campânula de sons as palavras tilintavam eternas por um instante interrogavam-se ao espelho na memória das pedras Neste jardim emergente nem todos os jacarandás rebentaram em Maio mas as estátuas e os melros no seu refúgio preferido como se fossemos nós entoaram a preto e branco sinais de ternura gestos vertiginosos Eufrázio Filipe
Júlio Pomar iniciado no neo-realismo é referência maior da cultura e da inovação das artes plásticas cultivou o desenho e a poesia desde a resistência à ditadura. Não deixemos morrer os nossos mortos.
Virtuosa " a vida determina a consciência" luta ama despe-se testemunho de flores pintadas com os lábios em digressão premonitora de outras paragens escrita por dentro das palavras desbrava caminhos transgride alimenta barcos e gestos planta árvores no cais explode à flor das águas
os pássaros (e)ternos regressam ao que sempre foram Eufrázio Filipe
Quando os muros são de vidro parecem transparentes cresce a fala no teu corpo são grandes os teus olhos finíssimas as águas de todas as fontes vivem encarnados os peixes na tua boca e correm por ti gestos simples cresce a fala sabe a terra húmida o corpo arado e sussurram papoilas mais leves que o vento assim se viaja em pleno voo bebem orgasmos para espanto de todas as inocências Eufrázio Filipe
Enquanto aquele anjo permanecer nas areias, bem pode o vento soprar. - O cão ou o velho? Lentos, trôpegos, com os pés a tracejarem os caminhos de sempre, todos os dias aquelas almas percorriam memórias. O cão, mais velho que o dono, era o guia, a sua bengala de cego. Pela orla da praia, desde a gruta onde viviam até à colossal duna abrupta sobre as águas. As aves marinhas mergulhavam a pique, esbracejavam só para os salpicar. Lá iam serenos livres sem palavras - imensos. No ar o sussurro dos silêncios embalava-lhes os passos num concerto de marés. Chegados ao topo da montanha era sempre assim - o velho afagava as orelhas do cão e o cão lambia-lhe as mãos. Sentados respiravam infinitos - o perfume das algas. Adormeciam de olhos abertos. Um dia, ao longe, alguém de um barco bramou - Fuja a duna vai desmoronar-se. A duna vai cair. Imperturbável, com as areias por entre os dedos, respondeu baixinho para não acordar o cão - A duna sou eu. Eufrázio Filipe "Caçador de relâmpagos"
Nunca foi importante salvar o mundo construir poemas com palavras ininteligíveis saber se és vento barco relâmpago mulher incerta metáfora escarpa ou flor de estação importante é quando passas corpo de seara sem magoar os cravos e dulcíssima te desfolhas Sempre me apaixonei por esta desordem de cores nos jardins quando passas não pelos teus passos mas pela sua leveza como no princípio dos pássaros "CHÃO DE MARÉS" Eufrázio Filipe
Nem sempre é claro o fio que une as margens muito menos de passagem num abraço de limos declino o arco das frágeis pontes navego à flor da pele para não ferir as águas onde passo Eufrázio Filipe
Na alquimia do tempo que faz, há sempre um albatroz que atravessa as arcadas da memória, desfaz-se em gestos de ternura, dissolve-se no pôr-do -sol, invade-nos o sonho, passo a passo. - Desejo que germines em vagas nas arribas, que rebentes a marulhar no labirinto das areias. - Desejo que nunca encontres marinheiros cegos, muito menos na esquina das palavras a apascentarem barcos prateados com mãos incompletas. Desejo ficar aqui no perfume dos limos, mesmo que as vagas só despertem por sobre os restos do último naufrágio. - Sejamos navegantes desgrenhados contra todos os destinos. - As melhores viagens acontecem sempre antes da partida e no regresso. No ciclo das marés. Só assim consigo partilhar o ardor das velas do nosso mar. - Pareces a ministra que conheci no dia da remodelação do governo. - Meu amor rema. - Não consigo dormir. - Vamos fazer amor? - Só nos espelhos. - Hoje não estou a gostar do modo como os espelhos nos olham. Este rio está uma sopa. Ressoa brando nas fissuras das pedras. Repara como a praia deserta se amontoa de areias sem abrigo. Inesperadamente um albatroz poisou majestoso aos nossos pés. Fixou-nos com olhos vivos e perguntou-nos baixinho num afago de asas - de que cor são os meus olhos - e tu não soubeste responder. - Apetece-me viajar ainda mais . Porque não vamos ao Bugio? Construímos um barquinho de papel e partimos ao sabor da brisa. Lá estava sentado nas águas do rio, imponente, coluna na vertical e sereno. Sábia fortaleza, sempre alerta, - hoje um farol a piscar os olhos no estuário do Tejo, como nós, ilhas adjacentes. - Vamos fazer amor? - Ainda não disseste a cor dos meus olhos. Eufrázio Filipe
Parti em viagem.com todo o tempo,por vales,rios e montes - mapas rasgados a despertar azinhagas e amoras silvestres. Tropecei numa aldeia - casas dispersas, outras geminadas, um café, uma taberna,uma mercearia, uma capela, um pelourinho e um apeadeiro de caminho-de-ferro. Uma aldeia linda, afagada por canaviais, chorões e o cantarolar de um riacho onde corriam águas cristalinas. O Café Moderno exibia um jogo de matraquilhos, seis mesas, e um rádio antigo em voz alta. - Como se chama a vossa aldeia? - Bemposta. Diz a lenda que uma senhora real, muito bem vestida e triste, visitava aqui um aldeão. Vinha de charrete e depois partia, nua e sorridente. O Alexandre é que sabe explicar estas coisas. Deve estar no apeadeiro. No apeadeiro encontrei o Alexandre - um velho que se recusava a ser velho, sentado num banco em frente à linha dos comboios. - Velho não, um jovem com experiência. Um dia quis ser músico, precisava de dinheiro e parti. A minha vida foi sempre partir e chegar. Emigrei para uma grande quinta, sem contrato, perto de Marselha. Uma vez por ano trabalhei ali na apanha da maçã. Três armazéns albergavam o pessoal - portugueses, espanhóis e polacos. Os que chegavam primeiro, apanhavam camaratas - os outros dormiam no chão. Quase sempre chovia nos armazéns. No primeiro ano rasgou-se o meu impermeável . Não fácil resistir, mas resisti. Cada um tinha um "rego" com cinco quilómetros de macieiras. Colocávamos o cesto de verga, com alças, amarrado à cintura, subíamos e descíamos o escadote, até apanharmos 350 kg por dia. Quem mais apanhava mais ganhava. - Mas quem mandava em si? - Eram as maçãs. Enquanto houvesse uma maçã na árvore, quem mandava era a maçã. Ouvi dizer que a liberdade não cai do céu, conquista-se no chão que pisamos, mas no meu caso só de escadote, em cima das macieiras. À noite cada um fazia o seu repasto. Estoirados dormíamos à pressa. Só tínhamos o domingo para ir aos molhos no atrelado do patrão, abastecer-nos para toda a semana e divertir-nos à chegada no armazém dos polacos. Os tipos estacionavam um Volkswagen a cair de podre junto do armazém e ligavam o rádio. Uns dançavam com as mulheres que por ali apareciam, outros embebedavam-se e jogavam às cartas. - E no dia seguinte? - No dia seguinte, as maçãs geladas entravam-nos pelas mãos até aos ossos. Um polaco que se dizia iluminado por Deus gritava todas as manhãs - "Estou no topo do mundo" . Um dia caiu do escadote, partiu os dentes e deixou a religião. Nunca consegui dinheiro suficiente para ser músico, mas fiquei para sempre com uma mulher no coração. Uma santa mulher que me ensinou a contar pelos dedos todos os silêncios. E a cantar. Mais linda que a Bemposta. Parecia um pássaro azul. Sou caçador de relâmpagos e o amigo que faz na vida? - Sou artesão de metáforas. Eufrázio Filipe
A noite estava tão escura que nem parecia noite lambidas as sombras ficou um rio inteiro a memória de uma luz vertebrada em transito à flor das águas Eufrázio Filipe
Libertas-te por gestos nas margens dos salgueiros recolhes céus que desabam no refúgio deste chão Quando chove na folha de papel e se desmoronam as palavras és o rio que mata a sede timbre de outros mares ergo-te pela cintura és o meu rio vicejas num bailado de cores lúcidas Eufrázio Filipe "Chão de marés"
Bátegas de lume branco na crista das ondas tilintavam no bico dos teus seios lubrificavam a terra gretada quase divinas fui ver o mar simplesmente chovia na boca das sementes Eufrázio Filipe
Com tantos caminhos por mares desnavegados numa ode que teima regressar ao alpendre construímos um barco em pleno voo é assim quando as palavras se deslaçam acontecem pássaros nos lábios mesmo que sejam brancas as memórias e os cabelos quando as palavras sobem aos mastros mais altos nem barcos nem pássaros só bandeiras a falar por gestos num beijo Eufrázio Filipe
Sempre que improvisas acordes gosto de ouvir-te em silêncio indecifrável quase inocente a libertar os mais contidos desejos eterna por um fio à luz de um fósforo se soubesse explicar o movimento das sombras a dissonância do relógio de pêndulo o chão dos barcos a óleo nas paredes da casa pegava-te ao colo poema desvendava-te Eufrázio Filipe"Cháo de claridades"