quarta-feira, 26 de dezembro de 2018
terça-feira, 18 de dezembro de 2018
quinta-feira, 13 de dezembro de 2018
VERSOS OU QUASE NADA
Na minha escarpa
florescem ventos relâmpagos
e gestos
não como são
mas como os vejo
aqui
quase tudo acontece
no pestanejar de uma vírgula
mãos cheias de mar
mais azul
que os céus
voejam metáforas
para dar comer aos pássaros
e assim me deito
nos teus retratos
a fazer versos
ou quase nada
eufrázio filipe
quarta-feira, 5 de dezembro de 2018
OLHOS REMOÇADOS
No tempo em que crescíamos
a noite bramava tão parda
que nem parecia noite
de súbito um frémito de luz
pestanejou nos mastros dos barcos
o mar restolhou
e eu vi claramente
os teus olhos remoçados
alumiarem as águas
após tantos relâmpagos vividos
julgavas estar preparada
para voar
mas os pássaros ainda aprendiam
a ter asas
eufrázio filipe
quinta-feira, 29 de novembro de 2018
quarta-feira, 21 de novembro de 2018
quarta-feira, 14 de novembro de 2018
VIGÍLIA AO IMPROVÁVEL
Quando te despiste em flor
e revelaste a nudez
já despontavam as camélias
não por dádiva dos céus
na vertigem das sombras
muito menos porque o mar
se ergueu
num sussurro de azuis
tão só depurada
trazias gestos musicais
a noção de um rio
que se demora nas margens
Quando te despiste
quase inocente
numa povoação de sílabas
não desnudaste
o mais íntimo da pele
ficaste em vigília ao improvável
tão perto dos mastros
onde dardejam pássaros
e profanam metáforas
eufrázio filipe
segunda-feira, 5 de novembro de 2018
segunda-feira, 29 de outubro de 2018
QUE FIZESTE DAS NOSSAS FLORES?
As árvores viajam
na sombra dos verdes
um sussurro de folhas
e tu foges dos ramos
amanheces tão distante
que nem os meus olhos
descobrem os teus gestos
as árvores viajam
onde acontece a cor do fruto
no chão
e os pássaros sem amos
deixam que a sombra se rebente
meu povo
que fizeste das nossas flores?
eufrázio filipe
quinta-feira, 18 de outubro de 2018
COM POEMAS NO REGAÇO
Folha ante folha
eras um rio de mágoas
inclinada para o mar
um presságio de pátrias tresmalhadas
vertiginosa e bela
a içar neblinas
nos mastros mais altos
só não sabia
que ainda estavas em desassossego
por outros inocentes horizontes
exausta da cidade
e dos pássaros às migalhas
no chão das esplanadas
Para espanto dos cães
começaram a levantar-se
as memórias da araucária
e eu lambi-te as lágrimas
os cabelos brancos
os vendavais
Folha ante folha
foi assim que te vi
no espelho das águas
desalinhada
com poemas no regaço
eufrázio filipe
quinta-feira, 11 de outubro de 2018
FOLHAS PERSISTENTES
magritte
Celebro no mais íntimo da pele
a exuberância aprumada
da árvore ao fundo
quando acorda a cantar
e adormece com os pássaros
no outro lado do cais
quando desperta no deserto
esculpe grãos de areia com rosto
e se levanta nas dunas
contra o vento
celebro os contornos da luz
as esquinas e os becos
no rasgo lúcido de um traço
quando se desnudam na tela
espaços em branco
mãos vertebradas por todo o corpo
frutos silvestres
folhas persistentes
a vasta sede
eufrázio filipe
quinta-feira, 4 de outubro de 2018
CÍRIOS
Nas arestas da escarpa
aprendemos quase inocentes
a arredondar pedras
para não ferir o voo dos pássaros
caminhamos num abraço de limos
ao som das marés
e descobrimos debaixo da pele
que nos abriga
tanta luz
por desbravar
resistimos nas areias movediças
desvendamos rotas conhecidas
atiçamos relâmpagos
círios
mastros
que se levantam
eufrázio filipe
quarta-feira, 26 de setembro de 2018
BEIJÁMOS AS PEDRAS
Lá onde todos os azuis
se reúnem para cantar
e os olhos cegam
num espelho de águas
dulcíssimas
nem sempre acontecem
pautas de timbres
mas tu trazias no corpo
um rasto de asas
na voz um sinal
que despertam contidos silêncios
e foi assim
quando soltaste os pássaros
neste jardim de corais
em pleno voo
beijámos as pedras
eufrázio filippe
2015
quarta-feira, 19 de setembro de 2018
quarta-feira, 12 de setembro de 2018
DULCÍSSIMA
Por falta de um sopro
no marasmo do cais
adormeciam barcos
banhavam-se em salivas
à vista dos mastros
quando amanheciam
sílaba a sílaba
junto ao pomar dos medronheiros
numa cadência de asas e passos
e tu adocicavas nas margens
imaculadas claridades
Com o tempo verifiquei
que eras tu
regressada ao que sempre foste
vertebrada metáfora
a folhear um compêndio de azuis
eras tu dulcíssima
tão líquida por entre os dedos
que adormecias os barcos
Eufrázio Filipe
terça-feira, 4 de setembro de 2018
segunda-feira, 27 de agosto de 2018
quinta-feira, 23 de agosto de 2018
sábado, 4 de agosto de 2018
quinta-feira, 26 de julho de 2018
TUDO ACONTECEU
Esta noite ouvi
um certo rumor
de palavras antigas
apelavam
na vegetação
ao instinto dos pássaros
mas nas paredes da casa
onde nunca se calam
os teus retratos
estavam reunidas
todas as condições
para salvar o mundo
foi o que fiz
passámos de novo a respirar por guelras
e tudo aconteceu
Eufrázio Filipe
quinta-feira, 19 de julho de 2018
TODOS OS DIAS DESPERTAMOS
Todos os dias conforme as estações
acordava à hora dos pássaros
escancarava a janela
abria os braços
dava um grito para chamar os cães
descia pedra a pedra
todos os degraus da escarpa
até ao chão das marés
para hastear uma bandeira
enchia um jarro de água
sentava-me na mesa do alpendre
e começava a desenhar
palavras improváveis
Ao fundo
muito para lá da romãzeira
fremiam as águas
não sei porquê
mas fremiam
os cães latiam
e as palavras por uma nesga
espreitavam entre os dedos
como se fosse o fim da história
um paraíso inventado
Todos os dias despertamos
mesmo de olhos fechados
Eufrázio Filipe
terça-feira, 17 de julho de 2018
segunda-feira, 9 de julho de 2018
A VERDADE DOS SONHOS
René Magritte
quinta-feira, 28 de junho de 2018
segunda-feira, 18 de junho de 2018
sábado, 9 de junho de 2018
À LUZ DE UM FÓSFORO
Nesta noite de alaúdes e jacarandás
a contar pelos dedos
os sons da vida
colhemos a vasta sede
caminhámos por sobre as águas
cúmplices nos olhares
e nas partituras
plantámos uma árvore
na velha escarpa
festejámos o barco
das nossas raízes
Nesta noite de mares silvestres
regressámos
à síntese da nudez
fizémos um gesto
e tudo ficou mais claro
à luz de um fósforo
Eufrázio Filipe
segunda-feira, 4 de junho de 2018
CHOREI COM OS CÃES
Conduzia na estrada do Barranco do Bebedouro - serpenteada,estreita,iluminada pela lua cheia.
De repente um vulto na minha rota. Não pude evitar. Só o vi pelo retrovisor.
Ao contrário do que se diz, as fotografias não substituem as palavras, mas esta sangrou-me.
Saí do carro e ajoelhei-me junto do animal- um rafeiro alentejano, lindo, que ainda me olhou nos olhos e disse baixinho
- É pá - mataste um cão livre.
A lua cheia derramava-se, inundava o silêncio de cores pálidas e eu levei-o ao colo.
Quando chegámos a casa só pude fazer o que fiz.
Chamei o Dique e pedi-lhe para convocar todos os cães da aldeia. O funeral foi marcado para a meia noite.
Todos compareceram.
Solidários quatro amigos mais corajosos ofereceram-se para escavar a terra, num canto da horta, onde espontâneas medram as hortelãs.
Todos reunidos no mais profundo silêncio, quando um uivo comovido despoletou um choro colectivo.
Só o Dique não chorou. Trazia na boca uma papoila que largou na sepultura.
Eufrázio Filipe
"Caçador de relâmpagos"
sábado, 26 de maio de 2018
GESTOS VERTIGINOSOS
Esculpidas numa campânula de sons
as palavras tilintavam
eternas por um instante
interrogavam-se ao espelho
na memória das pedras
Neste jardim emergente
nem todos os jacarandás
rebentaram em Maio
mas as estátuas e os melros
no seu refúgio preferido
como se fossemos nós
entoaram a preto e branco
sinais de ternura
gestos vertiginosos
Eufrázio Filipe
quarta-feira, 23 de maio de 2018
segunda-feira, 21 de maio de 2018
quinta-feira, 10 de maio de 2018
À FLOR DAS ÁGUAS
Foto de EDUARDO GAGEIRO
Virtuosa " a vida determina a consciência"
luta ama despe-se
testemunho de flores
pintadas com os lábios
em digressão
premonitora de outras paragens
escrita por dentro das palavras
desbrava caminhos transgride
alimenta barcos e gestos
planta árvores no cais
explode à flor das águas
os pássaros (e)ternos
regressam ao que sempre foram
Eufrázio Filipe
quarta-feira, 2 de maio de 2018
INOCÊNCIAS
Quando os muros são de vidro
parecem transparentes
cresce a fala no teu corpo
são grandes os teus olhos
finíssimas as águas
de todas as fontes
vivem encarnados os peixes
na tua boca
e correm por ti gestos simples
cresce a fala
sabe a terra húmida
o corpo arado
e sussurram papoilas
mais leves que o vento
assim se viaja
em pleno voo
bebem orgasmos
para espanto
de todas as inocências
Eufrázio Filipe
sexta-feira, 20 de abril de 2018
domingo, 15 de abril de 2018
A DUNA SOU EU
Enquanto aquele anjo permanecer nas areias, bem pode o vento soprar.
- O cão ou o velho?
Lentos, trôpegos, com os pés a tracejarem os caminhos de sempre, todos os dias aquelas almas percorriam memórias.
O cão, mais velho que o dono, era o guia, a sua bengala de cego.
Pela orla da praia, desde a gruta onde viviam até à colossal duna abrupta sobre as águas. As aves marinhas mergulhavam a pique, esbracejavam só para os salpicar. Lá iam serenos livres sem palavras - imensos.
No ar o sussurro dos silêncios embalava-lhes os passos num concerto de marés.
Chegados ao topo da montanha era sempre assim - o velho afagava as orelhas do cão e o cão lambia-lhe as mãos.
Sentados respiravam infinitos - o perfume das algas. Adormeciam de olhos abertos.
Um dia, ao longe, alguém de um barco bramou
- Fuja a duna vai desmoronar-se. A duna vai cair.
Imperturbável, com as areias por entre os dedos, respondeu baixinho para não acordar o cão
- A duna sou eu.
Eufrázio Filipe
"Caçador de relâmpagos"
domingo, 8 de abril de 2018
NO PRINCIPIO DOS PÁSSAROS
Nunca foi importante
salvar o mundo
construir poemas
com palavras ininteligíveis
saber se és vento
barco relâmpago
mulher incerta
metáfora
escarpa
ou flor de estação
importante é quando passas
corpo de seara
sem magoar os cravos
e dulcíssima te desfolhas
Sempre me apaixonei
por esta desordem de cores nos jardins
quando passas
não pelos teus passos
mas pela sua leveza
como no princípio dos pássaros
"CHÃO DE MARÉS"
Eufrázio Filipe
terça-feira, 3 de abril de 2018
terça-feira, 27 de março de 2018
ILHAS ADJACENTES
Na alquimia do tempo que faz, há sempre um albatroz que atravessa as arcadas da memória, desfaz-se em gestos de ternura, dissolve-se no pôr-do -sol, invade-nos o sonho, passo a passo.
- Desejo que germines em vagas nas arribas, que rebentes a marulhar no labirinto das areias.
- Desejo que nunca encontres marinheiros cegos, muito menos na esquina das palavras a apascentarem barcos prateados com mãos incompletas. Desejo ficar aqui no perfume dos limos, mesmo que as vagas só despertem por sobre os restos do último naufrágio.
- Sejamos navegantes desgrenhados contra todos os destinos.
- As melhores viagens acontecem sempre antes da partida e no regresso. No ciclo das marés. Só assim consigo partilhar o ardor das velas do nosso mar.
- Pareces a ministra que conheci no dia da remodelação do governo.
- Meu amor rema.
- Não consigo dormir.
- Vamos fazer amor?
- Só nos espelhos.
- Hoje não estou a gostar do modo como os espelhos nos olham. Este rio está uma sopa. Ressoa brando nas fissuras das pedras. Repara como a praia deserta se amontoa de areias sem abrigo.
Inesperadamente um albatroz poisou majestoso aos nossos pés. Fixou-nos com olhos vivos e perguntou-nos baixinho num afago de asas - de que cor são os meus olhos - e tu não soubeste responder.
- Apetece-me viajar ainda mais . Porque não vamos ao Bugio?
Construímos um barquinho de papel e partimos ao sabor da brisa.
Lá estava sentado nas águas do rio, imponente, coluna na vertical e sereno. Sábia fortaleza, sempre alerta, - hoje um farol a piscar os olhos no estuário do Tejo, como nós, ilhas adjacentes.
- Vamos fazer amor?
- Ainda não disseste a cor dos meus olhos.
Eufrázio Filipe
terça-feira, 20 de março de 2018
O APEADEIRO DA BEMPOSTA
Parti em viagem.com todo o tempo,por vales,rios e montes - mapas rasgados a despertar azinhagas e amoras silvestres.
Tropecei numa aldeia - casas dispersas, outras geminadas, um café, uma taberna,uma mercearia, uma capela, um pelourinho e um apeadeiro de caminho-de-ferro. Uma aldeia linda, afagada por canaviais, chorões e o cantarolar de um riacho onde corriam águas cristalinas.
O Café Moderno exibia um jogo de matraquilhos, seis mesas, e um rádio antigo em voz alta.
- Como se chama a vossa aldeia?
- Bemposta. Diz a lenda que uma senhora real, muito bem vestida e triste, visitava aqui um aldeão. Vinha de charrete e depois partia, nua e sorridente. O Alexandre é que sabe explicar estas coisas. Deve estar no apeadeiro.
No apeadeiro encontrei o Alexandre - um velho que se recusava a ser velho, sentado num banco em frente à linha dos comboios.
- Velho não, um jovem com experiência.
Um dia quis ser músico, precisava de dinheiro e parti. A minha vida foi sempre partir e chegar.
Emigrei para uma grande quinta, sem contrato, perto de Marselha. Uma vez por ano trabalhei ali na apanha da maçã.
Três armazéns albergavam o pessoal - portugueses, espanhóis e polacos.
Os que chegavam primeiro, apanhavam camaratas - os outros dormiam no chão.
Quase sempre chovia nos armazéns. No primeiro ano rasgou-se o meu impermeável . Não fácil resistir, mas resisti.
Cada um tinha um "rego" com cinco quilómetros de macieiras.
Colocávamos o cesto de verga, com alças, amarrado à cintura, subíamos e descíamos o escadote, até apanharmos 350 kg por dia. Quem mais apanhava mais ganhava.
- Mas quem mandava em si?
- Eram as maçãs. Enquanto houvesse uma maçã na árvore, quem mandava era a maçã.
Ouvi dizer que a liberdade não cai do céu, conquista-se no chão que pisamos, mas no meu caso só de escadote, em cima das macieiras.
À noite cada um fazia o seu repasto. Estoirados dormíamos à pressa.
Só tínhamos o domingo para ir aos molhos no atrelado do patrão, abastecer-nos para toda a semana e divertir-nos à chegada no armazém dos polacos.
Os tipos estacionavam um Volkswagen a cair de podre junto do armazém e ligavam o rádio. Uns dançavam com as mulheres que por ali apareciam, outros embebedavam-se e jogavam às cartas.
- E no dia seguinte?
- No dia seguinte, as maçãs geladas entravam-nos pelas mãos até aos ossos.
Um polaco que se dizia iluminado por Deus gritava todas as manhãs - "Estou no topo do mundo" . Um dia caiu do escadote, partiu os dentes e deixou a religião.
Nunca consegui dinheiro suficiente para ser músico, mas fiquei para sempre com uma mulher no coração.
Uma santa mulher que me ensinou a contar pelos dedos todos os silêncios. E a cantar. Mais linda que a Bemposta. Parecia um pássaro azul.
Sou caçador de relâmpagos e o amigo que faz na vida?
- Sou artesão de metáforas.
Eufrázio Filipe
quarta-feira, 14 de março de 2018
quinta-feira, 8 de março de 2018
BAILADO DE CORES LÚCIDAS
Libertas-te por gestos
nas margens dos salgueiros
recolhes céus que desabam
no refúgio deste chão
Quando chove
na folha de papel
e se desmoronam as palavras
és o rio que mata a sede
timbre de outros mares
ergo-te pela cintura
és o meu rio
vicejas
num bailado de cores lúcidas
Eufrázio Filipe
"Chão de marés"
quinta-feira, 1 de março de 2018
sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018
PÁSSAROS NOS LÁBIOS
Com tantos caminhos
por mares desnavegados
numa ode que teima
regressar ao alpendre
construímos um barco
em pleno voo
é assim
quando as palavras
se deslaçam
acontecem pássaros
nos lábios
mesmo que sejam brancas
as memórias e os cabelos
quando as palavras sobem
aos mastros mais altos
nem barcos nem pássaros
só bandeiras
a falar por gestos
num beijo
Eufrázio Filipe
domingo, 18 de fevereiro de 2018
DESVENDAVA-TE
Sempre que improvisas acordes
gosto de ouvir-te em silêncio
indecifrável
quase inocente
a libertar os mais contidos desejos
eterna por um fio
à luz de um fósforo
se soubesse explicar
o movimento das sombras
a dissonância do relógio de pêndulo
o chão dos barcos a óleo
nas paredes da casa
pegava-te ao colo poema
desvendava-te
Eufrázio Filipe "Cháo de claridades"
Subscrever:
Mensagens (Atom)