sábado, 28 de março de 2009

NO LABOR DOS REMOINHOS


Ainda hoje para te amanhecer

acendo um pavio

nas noites de bruma

empurro o moliceiro

incendeio

as águas paradas

Ainda hoje é assim

este rio manso
por entre os dedos

a desaguar no barco

que me transporta

e prende aos limos

das tuas tranças

Ainda hoje flui

a luz incerta das noites

à tona

em espiral

no labor infatigável

dos remoinhos


terça-feira, 24 de março de 2009

A CHEGAR E A PARTIR

Ana Luisa Kaminski

Estávamos rente

ao despertar dos cravos

fora da época

da poda das roseiros

e eu não sabia

que ias chegar

vestida de rosas


Entrámos no ar

que se respira

pela frincha das janelas


Povoámos a casa

de memórias e aromas


Reconhecemos à flor das pétalas

as nossas impressões digitais

e começámos de novo

a organizar a partida

quarta-feira, 18 de março de 2009

CORPO DE AREIAS



Arredondo tudo
o que desejo no teu corpo
de areias
subo a minha duna
para ver o deserto
o céu e o mar

Espreguiço-me para voar
no instante da paisagem
e regresso para organizar
o pó

Antes que a sombra
se levante
caminho na permissividade
das aves
guardo no punho
um grão de areia
para nunca mais ouvir
as petúnias dizerem
que foram mal amadas

segunda-feira, 16 de março de 2009

SÓCRATES FORA DE ÉPOCA NO MINDELO




Simpaticamente tenho recebido correio que me interroga àcerca de José Sócrates.

Tenho óbviamente agradecido a deferência e respondido que nada tenho contra uma pessoa que não conheço - mas por respeito a mim próprio sempre digo que quase tudo me move contra o 1º ministro.

Assim estimulado não resisto a mais um breve apontamento.

Sócrates quando chegou a semana passada ao Mindelo, capital cultural de Cabo Verde, foi convidado

pela presidente da câmara municipal, a cantar uma "morna" e a dançar uma "coladeira".

No seu estilo perfumado e arrogante respondeu - não sei cantar nem dançar.

Sabendo o país como o eng Sócrates ainda canta de galo e ginga no parlamento nacional, só posso concluir

que o 1º ministro insiste até ao limite em plagear o Pinóquio - e depois faz de vítima.

Até prova em contrário.


sexta-feira, 13 de março de 2009

O PODER À MESA DO CAFÉ



O poder é uma coisa que não deve ser subestimada. O poder delegado transporta a responsabilidade de quem delega. Não é justo colocar a cabeça na areia.

Na verdade os partidos políticos são pilares do regime democrático - que não esgotam outras formas de participação cívica - muito menos devem constituir-se em caminhos estreitos - do unanimismo, das maiorias esmagadoras, muito menos devem ser a ditadura das chamadas " minorias esclarecidas " organizações em torno de mercados de influências.

Se verificarmos a composição dos órgãos dirigentes do p.s. - à semelhança de Cavaco no tempo de 1º ministro - Sócrates está a governamentalizar o partido socialista, a apostar no culto da personalidade, a coisificar os cidadãos.

Deste modo fica mais pobre a democracia, o debate das ideias e a sociedade. As pessoas são reduzidas a eleitores, instrumentos apáticos que votam em imagens virtuais e em programas incumpridos - e cada vez menos.

As sociedades estão a ser governamentalizadas por actores mediáticos - por tribos que juram cumplicidades entre si, geram falsas simpatias e estabilidades, alicerçadas na indiferença, na ignorância e no medo das pessoas.

Por vezes é assim - à mesa do café.

Até prova em contrário.

sábado, 7 de março de 2009

4 PAUSAS PARA UMA PAUTA

Picasso
Óleo de Olbiski
Inclino-me
para te oferecer
a única flor púrpura
deste chão
e só depois recolher
a tua infinita nudez


Tens mais barcos
nos olhos
que todos os mares
e eu só posso
dar-te os meus


Acordei inesperadamente
a sombra dos corvos
clareei as sílabas
no timbre pautado das marés


Caminho por entre
os ponteiros do relógio
precisamente
no espaço livre do tempo
para regressar às pausas
intermitentes

segunda-feira, 2 de março de 2009

QUASE PERFEITOS

Almada Negreiros


Estava tão leve e desnudo
o teu rosto no espelho da água
que se enlearam nos limos
os nossos olhos

Foi assim que adormeceste intacta
em novelos de espuma
e eu soletrei os contornos
dos teus cabelos soltos
que de tão brancos
se tornaram divinos

Em silêncio recolhi a sombra
nas paredes da casa
soltei as âncoras
do meu barco preferido
e partimos em cinzas
tão leves tão breves

sem rasto

quase perfeitos