quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

DEZEMBRANDO.BOAS JANEIRAS





Folha ante-folha a todos desejo o melhor 
em família e outros amigos. 

Eufrázio Filipe



quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

O CEGO DAS ESQUINAS





-Digo-te a bruma coada na cidade, para êxtase do porvir. Incito-te ao levantamento do chão, onde adormecem lábios e pedras, murmúrios e salivas - só para te ver transgredir as pautas. 
-Digo-te uma luz ao fundo, numa campânula de sons em arco.
-Repara no cego.
-Repara no cão. 
Quando chega a casa- imagino um cubículo de madeira - o cego das esquinas mergulha as mãos no saco das bofetadas, retira-as para o tampo da mesa e conta o abandono a que o votaram em cada moeda coitadinha. 
- O cego das esquinas. O tempo de rastos.
-Quem anda a montar o tempo?
-São os donos dos prédios altos que fazem esquinas para cegos. 
-São os fazedores de cegos, os vendedores de concertinas.


Eufrázio Filipe

Caçador de Relâmpagos

sábado, 10 de dezembro de 2016

O NATAL VAI COMEÇAR



Não são os teus olhos meninos
que me doem
mas a expressão
de um deus entristecido
que não canta
por falta de espaço


Eufrázio Filipe


quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

UMA FLOR VERMELHA NAS PAREDES DO CAIS





Não sei quem és
mas pelos gestos vieste por bem
rasgar o vento com as mãos
a neve dos meus cabelos
e eu cansado de florestas apócrifas
das palavras em bando
comecei a plantar árvores
vi os pássaros regressarem
em acordes
a luz das noites que não dormem

na partilha de horizontes
o amor é revolucionário
voa nos mastros mais altos
garatuja búzios de sons
intervém por causas
muito para lá das utopias
e se levanta resiste
ao pôr do sol
mesmo que os barcos entristecidos
estilhacem
nos espelhos da água
algumas pedras com vida por dentro

registo por um eterno instante
o ar que nos move
pinto com a boca
uma flor vermelha
nas paredes do cais


Eufrázio Filipe

(de novo a partilhar este poema)



segunda-feira, 28 de novembro de 2016

LÁGRIMA SOLTA






Quando a estátua
deixou de ser estátua

eu vi

uma lágrima solta
nos olhos
da pedra

Eufrázio Filipe

2013

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

SUSPEITE DO QUE PARECE ÓBVIO






A propósito ou não do próximo orçamento de/do Estado recordei um insigne professor que dizia nas suas aulas 

"nada literáriamente mais excitante que uma metáfora"

Na verdade sempre relativa da vida toda a poesia é ficção
pelo que sugiro 

suspeite do que parece óbvio

Eufrázio Filipe


segunda-feira, 21 de novembro de 2016

ATEAR O CORAÇÃO DAS ÁGUAS






Lá estás à janela
na intimidade redentora
a ler verdades improváveis

lá estás pássaro azul
no longo caminho
que sustenta
a nudez da fala 

lá estás à pergunta
de uma brisa desgrenhada
um belo relâmpago

tu sabes

mesmo quando se rasgam palavras
num sopro de vento
é preciso atear o coração das águas


Eufrázio Filipe



quarta-feira, 16 de novembro de 2016

LÁBIOS




Demoras-te senhora nestas águas
porque é sempre breve
o instante
das pequenas vertigens

vieste colher os meus lábios
para incendiar uma pedra

na verdade o teu corpo
tão líquido e incerto
na voragem dos destinos inventados
vibra no ritmo das marés
ilumina-se por dentro
num feixe de faúlhas

habita as fendas rema
por onde espumam as salivas

demoras-te senhora
sentada no meu barco 

mas nunca saberás
dos meus lábios uma palavra
sempre que tocar os teus

nem das línguas
o fogo regurgitado
que nos liberta


Eufrázio Filipe
no "Chão de Claridades"


sexta-feira, 11 de novembro de 2016

LUZ DE OUTONO





num fascínio de crisálidas
a luz canta
os seus olhos na folhagem

mas no Outono
doi-lhe tudo

derrama sombras no chão
até a metáfora do seu corpo


Eufrázio  Filipe


sexta-feira, 4 de novembro de 2016

SEM MORTE NEM PRINCÍPIO





Foges dos ramos e amanheces
em flor e tão distante
que nem a viagem
dos meus olhos
descobre os teus passos

mas quando alada
com um pássaro na voz
o perfume do teu canto
flutua
fazes-te ao mar

sem morte nem princípio


Eufrázio Filipe

sábado, 29 de outubro de 2016

HALOS LUMINOSOS



                                                                                             
                         

                                                                   MAGRITE


Incomensurável
num rasgo de lucidez
o mar
já nos havia entrado pelo corpo
num abraço de limos

com bandeira e sangue 
de cores lúcidas
lá estava inteiro
nos halos luminosos
da vasta sede

até arder de novo
a madrugada
passo a passo
nos lábios
da romãzeira

Eufrázio Filipe



segunda-feira, 24 de outubro de 2016

NA TUA VOZ





Cantavas
cantavas
cantavas

e eu não sabia
se eras tu

ou um pássaro
do alto

a prender-me o olhar
na tua voz

Eufrázio Filipe
publicado em 2014 agora reconstruído

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

CHAMO-TE MAR






Sonâmbulos de olhos abertos
os rios seguem o caminho das águas

ergo pela cintura
o teu corpo alado

chamo-te mar
na ausência dos pássaros

canto em campânula
no ouvido dos búzios

Eufrázio Filipe

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

A SÍNTESE DA NUDEZ






No chão das marés
vermelha nas pétalas
despontou uma flor
que se mexe
como as pontes

nas mansas águas
a síntese improvável
da nudez

Eufrázio Filipe


segunda-feira, 17 de outubro de 2016

ONDE VIAJO







Há um sulco invisível
nas águas
onde viajo
e me transformo

Eufrázio Filipe

sábado, 15 de outubro de 2016

SOMOS ONDE ESTAMOS



                                                                                      EDUARDO GAGEIRO




Em redor
excitante
nesta ilha
move-se um corpo
de metáforas

somos onde estamos

mas se tivéssemos um barco
com brilho nos olhos

nem tudo seria inútil


Eufrázio Filipe

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

A FINGIR DE BARCO






A respirar por guelras
subi ao chão das águas

lá estavas

à minha espera
a fingir de barco


Eufrázio Filipe

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

UM FÓSFORO CONTRA O VENTO





Quando abri a janela
a deshoras
o mar uivava
cão lindo
no ciclo das marés

organizava sussurros
para dar sentido
a um sopro de vento

A noite estava escura
tão escura
que nem parecia noite

Foi preciso acender um fósforo
contra o vento
libertar
num traço a cores
o contorno das sombras


Eufrázio Filipe

terça-feira, 4 de outubro de 2016

PALAVRAS E OUTROS DESTINOS





A cantarolar metias nos púcaros
uma feira de barro

mas hoje estavas tão só
a apascentar azuis
murmúrios barcos
de mãos nos ouvidos

a cantarolar pintavas lábios
com os lábios
nas nossas bandeiras

mas hoje estavas tão só
imaculada inteira
a dar vida aos pássaros

Despiste-te
por um instante
no espelho do cais

só mas nunca isolada
nas tonalidades melódicas
dos mares desgrenhados

isenta de palavras
e outros destinos

Eufrázio Filipe

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

OS TEUS PÉS


                                                                                            MAGRITTE


Passo a passo
a desbravar caminhos
na vertigem das marés

andas desandas tropeças
constróis pontes
precárias  definições

passo a passo
até acontecer uma pedra
com vida por dentro

Sabes que não existem pedras
com vida por dentro
mas continuam a andar

os teus pés

Eufrázio Filipe

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

FOLHAS DESPRENDIDAS





A pestanejar
sentámo-nos
no cais
onde as marés se aconchegam

falámos quase tudo
partimos
sábios e mudos

na mesa deixámos
folhas desprendidas
a fingir de barcos


Eufrázio Filipe

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

NÃO SE AJOELHAM OS BARCOS

No largo da minha rua
lá onde a lonjura
desponta torvelinhos

à flor das águas
resistem maduras
"as vinhas da ira"

agigantam-se a dardejar
memórias de ventos e relâmpagos

No largo da minha rua
chove na boca das sementes

não se ajoelham os barcos

Eufrázio Filipe
2914 . presos a um sopro de vento .- poética edições

sábado, 10 de setembro de 2016

NO PRINCÍPIO DOS PÁSSAROS


 

                                                    ALBINO MOURA - poeta das formas



Nunca foi importante
salvar o mundo
construir poemas
com palavras ininteligíveis

saber se és vento
barco relâmpago
mulher incerta
metáfora
escarpa
ou flor de estação

importante é quando passas
corpo de seara
sem magoar os cravos

e dulcíssima te desfolhas

Sempre me apaixonei
por esta desordem de cores
quando passas

não pelos teus passos
mas pela sua leveza
como no princípio dos pássaros


Eufrázio Filipe

domingo, 4 de setembro de 2016

TODAS AS ÁGUAS SE FAZEM AO MAR






Sabiam quase tudo pelos dedos 

o brilho nos olhos dos peixes
o fulgor das marés vivas
milagres fáceis de explicar

passo a passo
resgatavam palavras
instrumentos de prazer

sábios falavam por gestos
mãos nos ouvidos
a ouvir
o som dos búzios

só não sabiam
que todas as águas
se fazem ao mar


Eufrázio Filipe

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

O AMOR É REVOLUCIONÁRIO




Lá estaremos rejuvenescidos a sulcar memórias e amanhãs
nos mastros mais altos da vida

num encontro de gerações
sem verdades absolutas
mas fortes convicções

Eufrázio Filipe

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

A SEDE DO ENTARDECER





Nem o mar sabia
entardecer
numa folha de papel

esculpir em síntese
a tua nudez

Nem o mar sabia responder
a tanto azul
nem eu sabia que tardavas
mas chegavas
chegavas chegavas
nunca mais acabavas de chegar
a tempo de plantar
uma árvore
que se desnudasse
folha a folha

Nem tu sabias senhora
neste deserto
a sede do entardecer


Eufrázio Filipe (2010)

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

A DARDEJAR POR SOBRE AS PEDRAS





Passo a passo
no desassossego das marés
inconformado
desde o primeiro grito

atravesso por um fio
a distancia que nos aproxima

trespasso
volvidos tantos mares
na presença límpida
de uma flor
este chão de náufragos

passo a passo
pétala a pétala
em pleno voo

desvendo-te
a dardejar por sobre as pedras

Eufrázio Filipe

(reconstruído)


domingo, 14 de agosto de 2016

DESVENTOS






No espelho das águas
sacudi amarras
a preguiça das marés 

Não chovia
em redor dos teus olhos 

mas quando te recolhi
numa folha de papel
incomensurável e linda
uma brisa
sentou-se na cadeira vazia

e nós começámos
a lavrar areias

a desbravar um poema 

Estava tão aceso o mar
que nem pareciam azuis 
os teus olhos

Eufrázio Filipe
(poema reconstruído)


terça-feira, 9 de agosto de 2016

A SENHORA DA LIMPEZA





Antes de chegar às galerias, identificaram-me com um sorriso. 
Subi no magnífico elevador, conduzido por um delicado polícia. 
Sentei-me nas galerias e olhei para baixo.
Lá estavam os representantes da nação. Os eleitos da república. A palavras cruzadas, as ideias esgrimidas, as bandeiras nas lapelas, os passos perdidos. As palavras os gestos os silêncios. Os crentes e os farsantes. Desiguais. 
Inocente,segredei a um jovem cabisbaixo, companheiro de galeria: 
- " coisa linda esta democracia" 
Lá em baixo também estavam os meus, pouco numerosos  ainda mas a combaterem pelas minorias que vivem nos subúrbios de tudo. 
Lá em baixo quase todos esquecidos de subir os olhos para as galerias, tricotavam a verve, gesticulavam poses de verniz. 
De quando em vez disparavam blasfémias, partilhavam impropérios para mais tarde se abraçarem à hora do repasto. 
Inocente o jovem cabisbaixo segredou-me: 
- "comigo um dia isto será diferente" 
Terminada a sessão plenária os deputados saíram como estava previsto. O amplo salão ficou vazio, soberbo e solene.
O salão ficou a registar memórias e eu deixei-me ficar até ser convidado a sair pelo mesmo delicado polícia.
Como foi o último plenário antes das férias de Verão, resolvi festejar em silêncio. 
Procurei um restaurante no belo bairro de São Bento e sentei-me à mesa. 
Pedi o prato do dia. 
Serviram-me um discurso de Passos Coelho. Rastejante. Intragável. 
Fechei os olhos, abri os olhos e pedi o livro de reclamações. 
Levantei-me da mesa sem pagar. Os empregados  ficaram a ler o meu protesto. 
Lá fora ainda ouvi alguns aplausos mas fiquei na dúvida quanto aos seus votos. 
Dei uma volta ao quarteirão e na passagem ainda olhei para o magnífico edifício. 
Para meu espanto a porta rangeu. 
Começou a abrir-se lentamente. 
Era a senhora da limpeza. 

Eufrázio Filipe

Publicado (reconstruído) no "CAÇADOR DE RELÂMPAGOS " 2010 "ÂNCORA EDITORA

sábado, 30 de julho de 2016

O MEU HÁBITO DE OLHAR O CHÃO






Ouvidos colados
neste chão de timbres
oiço o oculto coração das pedras
numa festa de raízes

respiro fundo a intimidade
da terra arada
as sementes
em novas apoteoses
de coisas simples

a sombra que se ateia
para as mãos
não perderem o sentido
nem os meus olhos
o hábito de olhar o chão

Eufrázio Filipe

domingo, 24 de julho de 2016

NO BALOIÇO VARINO DAS MARÉS


                                                          Cais da Mundet  Seixal
                                         


Pelo sulco das águas
regressei
ao intacto brilho do cais

beijei o chão da escarpa
como se estivesse a celebrar
o princípio das memórias

Lá estavam os barcos
no baloiço varino das marés
os cães na proa

mastros a dardejar
onde resistem
pássaros efémeros

Lá estavam
os meus pés nos teus

Eufrázio Filipe


segunda-feira, 11 de julho de 2016

VOU ALI E JÁ VOLTO






Sequestrado no paraíso
de quando em vez liberto-me

Vou ali e já volto. 


Eufrázio Filipe

segunda-feira, 4 de julho de 2016

A PROFANAÇÃO DAS METÁFORAS





Partiram como se as mãos
apenas servissem para dar
de beber às fontes

partiram para a água seguir
os seus passos
sábios e mudos

asas presas nas sombras
barcos descontentes prometidos
música funda tão limpa de areias

partiram de perfil
quase submersas
de poentes e salivas

Subiram todos os degraus do cais
despiram-se na biblioteca
para ler
a profanação das metáforas
e o mar crescer
nos mastros mais altos


Eufrázio Filipe

segunda-feira, 27 de junho de 2016

RIO






De tantos mares desnavegados 
percorridos
distraí-me de ti 
rio
a correr nas veias
aqui tão perto
que nem te posso tocar

Eufrázio Filipe

domingo, 19 de junho de 2016

SONÂMBULOS DE OLHOS ABERTOS





É tão pouco procurar nas palavras
o rosto do lume que precisamos
para dar comer às pedras

procurar no barro
a linguagem dos gestos

nas flores o vinho das abelhas

a incerteza vigilante que conduz
o olhar de todas as coisas

É tão pouco procurar na razão essencial
uma navegação de migalhas

o sangue tatuado nas veias
de memórias e paisagens

o peso do coração
no peito

caminhos da água
que os rios seguem
sonâmbulos
de olhos abertos

Eufrázio Filipe


domingo, 12 de junho de 2016

BARCO DE REMAR





A remar águas e ventos
numa orgia de rotas
e salivas sem destino à vista
encontrei na margem
uma pedra
com vida por dentro
exilada no espelho do rio
a amanhecer

no ressoar das marés
juntei-me ao seu corpo
convergi na paisagem
subscrevi-lhe as pausas
os improvisos
e ali mesmo descontruímos
a recusa dos impossíveis

aprendemos que nada
é completamente inútil
muito menos a magia do tempo
que transportamos
portas abertas
janelas escancaradas
por onde inevitável
circula o pó
e tudo se move

até os velhos pássaros refulgentes
que libertámos dos lábios
em pleno voo (e)ternos
num barco de remar


Eufrázio Filipe
"CHÃO DE CLARIDADES"



terça-feira, 7 de junho de 2016

FLORES FOLHEADAS





PREFÁCIO


O tempo luz evidências
indecifráveis nas águas mansas

liberta-se apócrifo
no "rio da minha aldeia"
quando num fôlego de guelras
peixes em cardume
vêm à tona entardecer
de olhos abertos

POSFÁCIO

Vassalos os cães
quase litúrgicos
afagam as margens
ladram vertiginosos
pelo mais precioso
que a vida lhes parece

flores de sal folheadas
nos remos e nos passos

um osso duro de roer


Eufrázio Filipe

quinta-feira, 2 de junho de 2016

LÁGRIMA AZUL






A noite estava linda e parda
nos teus olhos de faúlhas
e eu não sabia porquê

talvez por isso

a imperfeição pareça
uma fonte inesgotável
de procuras

talvez por isso

apascentados
a revoar fragâncias de limos
inocentes os barcos
pastem memórias

A noite estava linda e parda
desobrigada
quando acendi um fósforo
no Mar da Palha

só para ver em festa
uma lágrima azul
a despenhar-se dos teus olhos

Eufrázio Filipe

sexta-feira, 27 de maio de 2016

A MEMÓRIA DAS PEDRAS






É preciso ouvir as pedras
o corpo inteiro
das escarpas
beijar o chão das palavras
que falam por gestos

é preciso ouvir as pedras

grãos de areia 
moventes
por entre os dedos
que se riscam
e alumiam noites

dão sentido à luz
breve
quase perfeita
de um fósforo

é preciso ouvir
a memória das pedras


Eufrázio Filipe

segunda-feira, 23 de maio de 2016

LUZ VERTEBRADA





Nada é absoluto

nem este sítio
onde dulcíssimos cães
lambem os céus
sonâmbulos pássaros
mentem na desmemória
das árvores

nem os gestos
aparentemente inúteis
a viverem de olhos fixos
em bando
acordados à sombra dos relâmpagos

nada é exacto

a não ser uma certa luz
vertebrada
que se consome
ao entrar pelas frinchas
da escarpa


Eufrázio Filipe
"Presos a um sopro de vento"

segunda-feira, 16 de maio de 2016

POR SOBRE AS ÁGUAS





No chão que pisamos
passava um rio

plasmado nos espelhos
em desalinho
exorcizando as margens

Aqui deixámos sinais
traços de luz
a morfologia do movimento

Hoje escrevo a preto e branco
à pergunta do rio azul
caminho por sobre as águas
ocupo-me do porvir


Eufrázio Filipe

terça-feira, 10 de maio de 2016

MAR





Respiramos fundo
pelas narinas do vento
em todos os póros das palavras

esculpimos garatujas
num grão de areia
vestígios submersos
no movimento do rio

pequenos nadas
afagados pelas águas que passam

Resgatamos a pulso
por muito que doa às pedras
uma janela aberta

a síntese exposta
da nudez


Eufrázio Filipe
 

sexta-feira, 6 de maio de 2016

INTEMPORAL






Intemporal luz efémero
no espelho das águas

desafia a eternidade
exilado num concerto
de pássaros

Intemporal
a cerzir palavras
tenta libertar o vento
de sombras

Um dia vai despir-se de tudo

provavelmente morrerá
alado

mais livre que os pássaros
a cantar

Eufrázio Filipe
 

segunda-feira, 2 de maio de 2016

FLORES DE ESPUMA





Um círculo de garças
nem brancas nem esguias
adormecem nos barcos ancorados
com olhos excessivos

Nesta ilha sem vista para o mar
navegam águas improváveis
faúlhas num incêndio
de partículas sitiadas

Aqui paira o aroma da cânfora
em ressonâncias quase divinas
poisam lábios em cálices de cicuta

O mar não é sempre azul
e talvez por isso se agite
nos mapas imaginários
rasgue caminhos
para não se perderem os náufragos

Nesta ilha de bálsamos
onde os destinos se desmentem
afagamos ruínas soltamos hinos
por sobre a memória das pedras

damos voz aos silêncios

até que as garças
se tornem brancas e esguias
como flores de espuma

Eufrázio Filipe
( 2008 )

 

terça-feira, 26 de abril de 2016

MAIO





Hoje um poeta morreu
no trabalho
a construir poemas

João Corinto servente
não sabia palavras
só tijolos e cimento

Um pé fora do andaime
o chão não era de cravos
e as aves
bateram asas

Hoje um poeta morreu
no trabalho

Projectou-se do oitavo verso
do seu poema

Eufrázio Filipe
(2008)
 

terça-feira, 19 de abril de 2016

INCÊNDIO DE CRISÁLIDAS





A prumo neste clamor de socalcos
passo a passo
temos todo o tempo
em pleno voo
sem mapas nem destinos
para nos perder e encontrar

Quando te penso Abril
não estou a carpir lágrimas
festejo os olhos dos pássaros
o latido dos mares

solto barcos
sopro faúlhas

vejo-te em flor
num incêndio de crisálidas
asas abertas
a refulgir madrugadas

Eufrázio Filipe
 

sexta-feira, 15 de abril de 2016

ABRIL OLHOS POSTOS EM MAIO




No 40º aniversário da Constituição da República entendi partilhar este livro de algumas memórias, editado em 2009 pela Câmara Municipal do Seixal.

Eufrázio Filipe