oleo de Dante Gabriel Rossetti
Choviam palavras a pique mas nós só ouvíamos e navegávamos o azul feito água, o epílogo de mais um ciclo de marés, quando pousaste no meu ombro preferido e assim ficámos. A haurir perfumes e outras luminosidades. Encantados.
Romeiros formigávamos a carregar montanhas como se tivéssemos asas e tínhamos, como se fosse possível aprender todos os movimentos em viagem.
Soprávamos cinzas para encandescer o lume, riscávamos no chão das areias um traço enclavinhado para nos perdermos, como se fossemos intemporais.
Partimos à pergunta de metáforas que nos emprestassem por um instante, outros caminhos.
Estávamos tão sós e distantes, mãos nas mãos, como dois estranhos apaixonados a flutuar em surdina na inconsistência das salivas quando apanhaste um seixo e o lançaste ao mar.
- Não foi para te atingir.
- Como se eu fosse o mar.
Depositávamos a pressa de um instante no frémito do primeiro beijo conquistado num berço de pedras sobre pedras, no teu andar erótico, por entre mágoas arredondadas, no tempo em que dividíamos o pão e as lágrimas.
- Andar erótico? Estava apenas a olhar um desejo quando me desprendi.
- Descobri-te devagar.
- Eu era do sol, corpo nu, areias soltas a massajar a pele, corridas pelas dunas até as águas nos receberem de braços abertos.
- Todos os deuses são imperfeitos mesmo quando nos apeadeiros do tempo andam como te vi nas areias.
- Os teus olhos vibravam e era tudo.
- Certo - mas não cales o uivo dos cães, não apagues os relâmpagos, muito menos o cantar do velho galo que só canta quando há tempestades, o mar aceso por entre os dedos, o cálice por onde ainde hoje bebemos vendavais, as sonatas do vento, o frio que purifica, os nossos farrapos de neve, as flores que resistem.
- Vamos ouvir " Quiets Nigts " ?
- Certo, mas não mates o nosso Inverno.
sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
domingo, 24 de janeiro de 2010
PASSOS PERDIDOS
No Monte da Volta do Cajado, na tasquinha do Velho Cangalho, o senhor Estevaínha, ancião respeitado, estava à conversa com um punhado de pastores, a exercitar um pensamento que registei de passagem.
... ou se defende o cada vez pior para melhorar ou se aceita o antes assim que pior. Não concordo. Temos de encontrar uma outra saída.
Proponho um encontro de sábios inocentes, eleitos de braço no ar,
nas eiras, para reflectir àcerca da dispneia - de modo a que o país não sopre tanto para o vento, nos passos perdidos ...
- Passos perdidos? Onde ficam os passos perdidos?
- Nos passos que não deste.
segunda-feira, 18 de janeiro de 2010
ÁGUA A CAIR NO MAR
Sempre que chegavas ao porto
construias um sonho
penetravas o olhar doce das aves
e lá ficavas exilado
numa festa de silêncios
a riscar na tela
a carvão
uma rota de afectos
a preto e branco
cumprias o mar lavrado
num farol restrito
até para os barcos
carregados de vento e velas
Quando sereníssimo
pela última vez
contigo chegaram
severas as belas tempestades
ergueste o velho lápis de carvão
levaste-o aos lábios
e sopraste em surdina
para os mastros hasteados
sou apenas água a cair no mar
segunda-feira, 11 de janeiro de 2010
EIS OS MEUS OLHOS
Foto de AUGUSTO CABRITA
A manhã estava a dar os primeiros passos
na bruma tresmalhada da maré
escondia o casario
quando te soltaste
de olhos acesos desgrenhados
para te encontrares
mareante do vento
à descoberta
de infinitos perfeitos
a riscar na paisagem
trajectos improváveis
a desvendar caminhos
para o mar te recolher
Fotografei-te no preciso instante
em que respiravas
a fragância de uma folha de plátano
em viagem
Quase imperceptível ouvi-te dizer
que os olhos dos fotógrafos
nunca são vistos
e eu mostrei-te o retrato
desse instante
percorrendo com os dedos
a linha sinuosa dos teus lábios
Eis os meus olhos
A manhã estava a dar os primeiros passos
na bruma tresmalhada da maré
escondia o casario
quando te soltaste
de olhos acesos desgrenhados
para te encontrares
mareante do vento
à descoberta
de infinitos perfeitos
a riscar na paisagem
trajectos improváveis
a desvendar caminhos
para o mar te recolher
Fotografei-te no preciso instante
em que respiravas
a fragância de uma folha de plátano
em viagem
Quase imperceptível ouvi-te dizer
que os olhos dos fotógrafos
nunca são vistos
e eu mostrei-te o retrato
desse instante
percorrendo com os dedos
a linha sinuosa dos teus lábios
Eis os meus olhos
quarta-feira, 6 de janeiro de 2010
FORMOSA DUNA
Exausta
a formosa duna
movia o corpo para o mar
quando em desassossego
se libertou do vento
num grão de areia
rasgaram-se portas e janelas
mas a duna permaneceu vertebrada
talvez porque vagarosos
desertos sibilinos
ainda habitam os quadros nas paredes
exalam perfumes insofridos
por toda a casa
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