quarta-feira, 30 de janeiro de 2013
quinta-feira, 24 de janeiro de 2013
UM BEIJO NOS MASTROS MAIS ALTOS
No côncavo da noite
à luz dos relâmpagos
estávamos tão certos
das palavras com voz própria
que bastava ouvir
o som dos búzios
numa campânula de mãos
nos ouvidos
tropeçar um barco sem eira
carregado de estrêlas
para arremessar às pedras
e zarpar
folha ante-folha
pássaros enfunados nas gáveas
contra o vento
Estávamos tão certos
das palavras com voz própria
que ainda hoje sem âncoras
enclavinhamos mãos
remos velas e rotas
para hastear um beljo
nos mastros mais altos
quinta-feira, 17 de janeiro de 2013
O PÃO CRESCEU NAS NOSSAS BOCAS
Publicado no "Para lá do azul"
Ver-te assim tão indecifrável
nos contornos e nas arestas
ancorada nas marés
em chama viva
a entrar pela casa vazia
sem desistires do silêncio
a resistir mesmo quando doem
os passos e as pontes
fez-me pedir ajuda
a um cântaro de água fresca
às pedras que cantam e tropeçam
nos pés das videiras
Foi assim que nos despimos
e vindimámos
para os barcos cumprirem
o seu efémero destino
As uvas morreram nas tuas mãos
mas o pão cresceu nas nossas bocas
segunda-feira, 14 de janeiro de 2013
ETERNO POR UM INSTANTE
Publicado no "Que fizeste das nossas flores"
Neste porto desobrigado de fronteiras
e outros céus
vem à tona a energia imperecível
dos desertos
o perfil escarpado da luz
fragmentos de círculo
Nesta apoteose de neblinas
defino a brancura do teu corpo
de pátria movediça
como um prado onde refulgem
transfigurações de barcos
rumores de outros mares
Amo esta janela com vista para o vento
onde é possível ser eterno
por um instante
povoar o silêncio errante das metáforas
e viver apaixonado
no pulmão das marés
quinta-feira, 10 de janeiro de 2013
segunda-feira, 7 de janeiro de 2013
terça-feira, 1 de janeiro de 2013
A SENHORA DA LIMPEZA
Antes de chegar às galerias, identificaram-me com um sorriso.
Subi no magnífico elevador, conduzido por um delicado polícia.
Sentei-me nas galerias e olhei para baixo. Lá estavam os representantes da nação. Os eleitos da república. As palavras cruzadas, as ideias esgrimidas, as bandeiras nas lapelas, os passos perdidos, os aparelhos políticos. Os credos e os farsantes. Desiguais.
Inocente segredei a um jovem cabisbaixo, companheiro de galeria:
Coisa linda esta democracia.
Lá em baixo também estavam os meus, pouco numerosos ainda mas a combaterem pela maioria que vive nos subúrbios de tudo.
Lá em baixo quase todos esquecidos de subir os olhos para as galerias, tricotavam a verve, gesticulavam poses de verniz.
De quando em vez disparavam blasfémias, partilhavam impropérios para mais tarde se abraçarem à hora do repasto.
Inocente o jovem cabisbaixo segredou-me:
Comigo um dia isto vai ser diferente.
Terminada a sessão plenária os deputados sairam como estava previsto. O amplo salão ficou vazio e solene. De tantas memórias.
O salão ficou vazio mas deixei-me ficar até ser convidado, pelo mesmo delicado polícia.
Foi um dia que resolvi festejar em silêncio.
Procurei um restaurante no belo bairro de São Bento e sentei-me à mesa.
Serviram-me o intragável discurso do primeiro-ministro, em diferido.
Os ácidos bem convergiram, mas não foram eficazes para digerir o falacioso paraíso.
Fechei os olhos, abri os olhos e pedi o livro de reclamações, onde escrevi:
O que me serviram está fora do prazo. Quando chega a nossa vez?
Levantei-me da mesa sem pagar. Os empregados ficaram a ler o meu protesto.
Lá fora ouvi alguns aplausos, mas fiquei na dúvida quanto ao seu voto.
Dei uma volta ao quarteirão e na passagem ainda olhei para a fachada do palácio.
Larguei um viva à república, à liberdade e ao 25 de Abril.
Para meu espanto a porta rangeu. Começou a abrir-se lentamente.
Era a senhora da limpeza.
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