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A remoinhar
no mais íntimo da pele
tínhamos quase tudo
tão perto das mãos
que nem lhe podíamos tocar
amanhãs
e outros destinos
Só nos faltava
subir às pedras deste chão
impedir nas mansas águas
que o sonho rebentasse
onde as estrelas vicejam
sem quebrantos
Tínhamos quase tudo
até um pomar de faúlhas
para alumiar o fulgor do canto
Só nos faltava
seduzir os pássaros
Em "liberdade" a colossal abstenção
de novo veio à tona nesta europa à margem dos cidadãos.
Agora a magra fatia do bolo será dividida
democrática mente.
"Esta união europeia" caminha no sentido da "destruição da europa"
Venceu a esmagadora minoria
Trazias desgrenhado
um aroma silvestre
quase divina
a fingir de pássaro
dardejaste na escarpa
uma pátria em cada mão
Belíssimo
matutino o sol
nasceu mais cedo
muito antes de morrer
nos nossos lábios
e assim salvámos
por um instante
a eternidade
presos a um sopro de vento
"Caçador de relâmpagos" 2010
No chão dos marnotos caminhamos azinhagas, comemos amoras, tropeçamos memórias, pedras, pérolas e pó - para compreendermos melhor as palavras de carne e osso até as metáforas se ajoelharem como pequenos deuses inúteis, à nossa mesa.
Só depois provamos o sal das marinhas. A safra.
O tempo dos homens que chafurdam no moliço.
A distância que nos separa e atrai, a pele esfarrapada para resistir aos Invernos, mastros de flores salgadas nos olhos distantes a gatinharem no tempo, até ao aborrecimento final.
Após a "bobadela" a marinha começa a parir uma massa branca, que envaidece os homens quando se olham nas sombras curvas projectadas nas águas.
O sal aparece ao ar livre. Reunido em montículos junto aos tabuleiros das marinhas e aí fica a escorrer lágrimas .
Depois é o marnoto que enche canastras transportadas à cabeça dos moços Depois é sempre assim. O mesmo peso até estar construído o grande cone branco.
Antes de regressarmos às azinhagas e comermos o resto das amoras, os homens reúnem-se ao cair da noite, para festejar.
Enquanto se embebedam , cantam com a ajuda de uma gaita de beiços. Há sempre um que vomita e volta a cantar.
São os rudes corações de oiro, meninos triturados, construtores de marinhas valentes. São os que transformam água em pão, enquanto à nossa mesa se ajoelham as metáforas.
" Caçador de relâmpagos " (2010)
Enquanto aquele anjo permanecer nas areias, bem pode o vento soprar.
- o cão ou o velho?
Lentos , trôpegos, com os pés a tracejarem os caminhos de sempre, todos os dias aquelas almas percorriam memórias.
O cão - mais velho que o dono - era o guia, a sua bengala de cego.
Pela orla da praia, desde a gruta onde viviam até à colossal duna, abrupta sobre as águas, as aves marinhas mergulhavam a pique , esbracejavam só para os salpicar. Lá iam, serenos, livres, sem palavras - imensos.
No ar, o sussurro dos silêncios embalava-lhes os passos num concerto de maresias.
Chegados ao topo da montanha era sempre assim - o velho afagava as orelhas do cão e o cão lambia-lhe as mãos.
Sentados - respiravam infinitos - o perfume das algas - adormeciam no tempo.
Ao longe, muito ao longe, alguém de um barco bramou :
- fuja, a duna vai desmoronar-se.
Imperturbável, respondeu baixinho para não acordar o cão :
- A duna sou eu.