sábado, 29 de dezembro de 2007
quinta-feira, 27 de dezembro de 2007
O PAÍS EM ALTA TENSÃO
alta tensão
Após tantos anos de promissoras promessas incumpridas
o chefe da maioria esmagadora,sorridente - brilha - perante
um Menezes,que ao invés de condenar princípios e métodos
de governação,reza de bandeja,por esmolas - como um triste.
Abdica de ser oposição credível para falar manso e grosso-
o que não espanta.
Entretanto a REN,empresa destinada a enterrar cabos
eléctricos,que a céu aberto têm lesado muita gente - vai propor
ao chefe um aumento de 40% aos consumidores.Uma vez mais
para o chefe não concordar com tão elevada percentagem.
O país assim bipolarizado está no limite da paciencia
mas ainda talvez distraído vá apascentar uma nova guerra
de alta tensão.
terça-feira, 25 de dezembro de 2007
QUEM NOS DESANDA?
terça-feira, 18 de dezembro de 2007
quinta-feira, 13 de dezembro de 2007
ERA UMA VEZ O NATAL
Lá em casa,há mais de cem anos foi assim que me contaram.
Era uma vez o Natal.O dia do inverno branco e da generosa lareira
em família.Uma festa de silêncios incontidos e muitas histórias de pasmar.
Lá em casa ninguém rezava,mesmo nos momentos mais difíceis -
muito menos se pedia seja o que for ao menino Jesus.
Era uma festa bonita sem presépio onde nunca faltou um pinheirinho
com luzes de velas a incendiar os nossos olhos.A casa ficava cheia de amanhãs.
Há mais de cem anos,foi assim que me contaram - e talvez por isso -
ontem decidimos que era Natal.
Convoquei o meu cão de barro para o convívio em família.Destinei-lhe
um lugar nobre,junto à lareira.
Foi minha convicção que ali poderia ajudar com o brilho dos seus olhos
a dar mais cor ás cabeleiras do lume e ser amaciado de quando em vez
pelas mãos de veludo da nossa avó.
O Dique,firme no seu posto de vigília,aguardou paciente,leal e reconhecido
pelas doze badaladas do relógio de pêndulo.Participou em silêncio na orgia
das prendas,nas graças familiares,no acender e apagar das velas,no azinho
que ciclicamente alimentava a lareira,na festa coletiva - quando foi colocada
a descoberto a fava do bolo rei - e até achou meigo o beliscão que um dos
putos lhe deu numa das orelhas.
O Dique resistiu como um cavalheiro competente a todas as euforias.
Só não resistiu ao piscar de olhos de uma gata de peluche que lhe miou
em falsete qundo eu precisamente - lhe dei corda.
O Dique - cão de barro habituado a todas as intempéries,resistente a todas as estações do ano,com provas dadas no terreno,pastor de rebanhos inventados
protagonista de sonhos acordados - respeitado por saber ouvir -
cedeu ontem pela primeira vez na vida.Cedeu à ternura da gata e deixou
cair um dos seus olhos de esmeralda chinesa.
Era Natal mas nem por isso a nossa avó deixou de reagir - e de imediato disse com voz grave mas muito terna.
O Dique apaixonou-se pela gata.
Na verdade a avó não mente e a família assim despertada para o evento
só podia fazer o que fez.Cantou um poema de Natal.
O brilhante chinês foi de novo colocado com afecto no olho esquerdo
do Dique.
Aconchegámos os dois num caixote com palhas e ficámos assim
comovidos e a festejar.
Todos menos eu - que também já estava a gostar da gata.
sábado, 8 de dezembro de 2007
NOITE DE LUZ
És bela de tão pouco
noite de luz
branca
ondulada
à saída dos corais
nas águas lavadas
que fremem espumas
Vejo-te clara
ao longe
e já te sorvo macia
nos caminhos da praia
Oiço-te pé ante pé
a marulhar
salivas desmaiadas
no sítio das areias
És bela de tão pouco
noite de luz
branca
quando tentas desvendar
no secreto coração das aves
o melhor destino dos lábios
sobretudo no fogo
os relâmpagos
onde se deitam
terça-feira, 4 de dezembro de 2007
CUIDADO - MORALISTAS À SOLTA
Todos querem viver mais tempo,mesmo que seja à porta das farmácias
com reformas de miséria,impedidos do acesso aos medicamentos.
Obviamente que não defendo quem fuma,nem o contrário
- defendo isso sim o direito privado à livre escolha,o respeito pela diferença
- porque todos - pelo menos em tese - temos direitos iguais e pagamos
impostos.
Não há nada pior para fumadores e não fumadores que a tirania e a arrogância.Os moralistas andam por aí à solta e constituem um perigo
para a vida em sociedade.
Um dia vão lembrar-se de proibir o alcool,o sal,o açucar e as saídas
à rua depois da meia noite.
Sem nos apercebermos (?) cada vez mais vivemos em sociedadesvigiadas por fanáticos,donos absolutos das nossas vidas privadas
moralistas sem espelho e mercadores.
segunda-feira, 3 de dezembro de 2007
CHAVEZ VERSUS SÓCRATES
O que a maioria esmagadora,aliada aos arrependidos de Sá Carneiro
pretendem para o poder local - limitação de mandatos - o que é aberrante
do ponto de vista da vontade das populações sufragada por voto secreto nas
urnas eleitorais - é precisamente o contrário que Chavez pretendeu introduzir
na lei,no seu país.
O eleitorado na Venezuela entendeu,pela margem de 0,7% que não -
isto é - o eleitorado entendeu que Chavez queria - não a possibilidade da
livre escolha,mas a sua perpetuação no poder.
Por cá a ideia é limitar por via administrativa os mandatos - isto é -
as tribos geminadas no poder,meia dúzia de rapazes,querem decidir pelas
populações.
Na Venezuela - por 0,7% o eleitorado teve medo de Chavez.Por cá -
nos passos perdidos,meia dúzia de rapazes instalados demonstram medo
da livre vontade das populações.
Admito que o eleitorado da Venezuela,mesmo por uma margem de 0.7%
se entenderia bem com Sócrates.
sábado, 1 de dezembro de 2007
terça-feira, 27 de novembro de 2007
NO CHÃO SENHORA
foto de ana limp
Chegámos a este ponto . , - a este rio,a este riso com duas margens,
a esta floresta de silencios impenetráveis para os olhos,a este palco de palavras,
sonos e sonhos.
O dia é aqui o que menos importa,por isso digo apenas - chove como
um rio nas bocas abertas,nos olhos molhados.
As pessoas no subúrbio,correm,passam,trespassam,desandam de si,
consigo e do tempo que faz.
Chegámos a este ponto ., - a este rio com duas margens e uma ponte.
Aponte.A ponte.
Debruçadas - as pessoas - todas a olhar,apenas a olhar,no espelho do rio,
este riso com duas margens - só para se verem projetadas no insólito,
só para verem - gravatas tristes no tronco cinzento dos eucaliptos.
- É urgente acordar.
- Acordámos?
- Que dia é hoje?
- Pára-me esse motor,já me basta o ritmo das estações,o resto das unhas
roídas,espalhadas na mesa - e o empregado à espera - à espera porquê? -
de uma nesga de sol que lhe afague a bandeja de migalhas.
- Mas esta lágrima é sua ou fui eu que a inventei?
- Cinco euros para te retirares.
- E a lágrima?
- Paguei para te calares.
-Estava no chão,senhora.
- Morre,eu paguei.
CAI O PANO
NÃO EXISTE PANO
O TEMPO PASSA
Chegámos a este ponto . , - a este rio,a este riso com duas margens,
a esta floresta de silencios impenetráveis para os olhos,a este palco de palavras,
sonos e sonhos.
O dia é aqui o que menos importa,por isso digo apenas - chove como
um rio nas bocas abertas,nos olhos molhados.
As pessoas no subúrbio,correm,passam,trespassam,desandam de si,
consigo e do tempo que faz.
Chegámos a este ponto ., - a este rio com duas margens e uma ponte.
Aponte.A ponte.
Debruçadas - as pessoas - todas a olhar,apenas a olhar,no espelho do rio,
este riso com duas margens - só para se verem projetadas no insólito,
só para verem - gravatas tristes no tronco cinzento dos eucaliptos.
- É urgente acordar.
- Acordámos?
- Que dia é hoje?
- Pára-me esse motor,já me basta o ritmo das estações,o resto das unhas
roídas,espalhadas na mesa - e o empregado à espera - à espera porquê? -
de uma nesga de sol que lhe afague a bandeja de migalhas.
- Mas esta lágrima é sua ou fui eu que a inventei?
- Cinco euros para te retirares.
- E a lágrima?
- Paguei para te calares.
-Estava no chão,senhora.
- Morre,eu paguei.
CAI O PANO
NÃO EXISTE PANO
O TEMPO PASSA
domingo, 25 de novembro de 2007
quinta-feira, 22 de novembro de 2007
ÁGUA EM VEZ DE CHUVA
renoir
São cabelos em tranças
velocíssimos rios suspensos
esta chuva magoada
que se desprende
no declive da aragem
e nos afoga
ou somos nós
de tanto olhar
em pleno voo
a respirar um sono profundo
enquanto o musgo cresce
e nos invade a fala
no preciso momento
em que inscrevemos no corpo
palavras infinitas
raios de luz
vestigios de incêndios
que apodrecem nos teus cabelos
ou somos nós
esta chuva incolor
com vergonha de ser água
São cabelos em tranças
velocíssimos rios suspensos
esta chuva magoada
que se desprende
no declive da aragem
e nos afoga
ou somos nós
de tanto olhar
em pleno voo
a respirar um sono profundo
enquanto o musgo cresce
e nos invade a fala
no preciso momento
em que inscrevemos no corpo
palavras infinitas
raios de luz
vestigios de incêndios
que apodrecem nos teus cabelos
ou somos nós
esta chuva incolor
com vergonha de ser água
terça-feira, 20 de novembro de 2007
OTA - POR UM MAÇARICO
maçarico de bico direito
Na selva dos grandes interesses e frágeis argumentos para a não localização
do novo aeroporto em Alcochete,a engenharia canora descobriu - só agora -
o maçarico de bico direito.
Não resisto a perguntar-me,a perguntar-vos - o que alguém já perguntou
ONDE VAI FICAR O AEROPORTO DA OTA?
Na selva dos grandes interesses e frágeis argumentos para a não localização
do novo aeroporto em Alcochete,a engenharia canora descobriu - só agora -
o maçarico de bico direito.
Não resisto a perguntar-me,a perguntar-vos - o que alguém já perguntou
ONDE VAI FICAR O AEROPORTO DA OTA?
domingo, 18 de novembro de 2007
AMAR UMA PEDRA
white rock
Todas as fendas da água
dão guarida ao movimento e se desnudam
enquanto a pedra partilha os seus esconderijos
Na respiração do azul
onde os peixes se eternizam
partem anémonas para os silos dos sonhos
mas só algumas pautas musicais
quebram o ritmo das marés
quando as mãos se tocam
para atear fogueiras dentro de nós
Todas as fendas da água
levedadas
entoam hinos
e se transformam na síntese de outros cânticos
Só assim se explica como é possível
amar uma pedra
Todas as fendas da água
dão guarida ao movimento e se desnudam
enquanto a pedra partilha os seus esconderijos
Na respiração do azul
onde os peixes se eternizam
partem anémonas para os silos dos sonhos
mas só algumas pautas musicais
quebram o ritmo das marés
quando as mãos se tocam
para atear fogueiras dentro de nós
Todas as fendas da água
levedadas
entoam hinos
e se transformam na síntese de outros cânticos
Só assim se explica como é possível
amar uma pedra
quinta-feira, 15 de novembro de 2007
SARKOZY - TAMBEM POR CÁ
foto-Ricardo Oliveira/gpm
Após um matrimónio feliz nas urnas eleitorais
a direita política aplaudiu o que parecia um casamento
em comunhão de bens.
Entretanto Sarkozy enfrentou um divórcio por mútuo acordo
com a senhora sua esposa.
Agora,ainda não refeito,enfrenta um divórcio litigioso com os trabalhadores
e os estudantes - que lhe dão muito mais luta.
A reforma da administração pública
tal como cá - é uma prova de fogo
para a direita política.
Após um matrimónio feliz nas urnas eleitorais
a direita política aplaudiu o que parecia um casamento
em comunhão de bens.
Entretanto Sarkozy enfrentou um divórcio por mútuo acordo
com a senhora sua esposa.
Agora,ainda não refeito,enfrenta um divórcio litigioso com os trabalhadores
e os estudantes - que lhe dão muito mais luta.
A reforma da administração pública
tal como cá - é uma prova de fogo
para a direita política.
O FIO DA MEADA ( 5 )
manneken pis
um arco gelado de água potável em vez do célebre mijo corrente
que o tornaram lendário.
Devotos e de olhos perfeitamente vidrados,os basbaques
disparavam ofegantes máquinas fotográficas e tentavam interpretar
de vários ângulos a "religiosidade" do fenómeno.
Na verdade o menino não mijava conforme a lenda.
De repente,o arco gelado - quebrou-se - fulminado
por uma gargalhada estridente de um turista.
Só podia fazer o que fiz - comovi-me perante o lancinante
e dramático coro de lágrimas da assistencia,sem conter um sorriso
quando alguém delirou
Milagre.
Finalmente a estátua mijava.
O frio era tanto em Bruxelas que até o Manneken Pis ostentava
um arco gelado de água potável em vez do célebre mijo corrente
que o tornaram lendário.
Devotos e de olhos perfeitamente vidrados,os basbaques
disparavam ofegantes máquinas fotográficas e tentavam interpretar
de vários ângulos a "religiosidade" do fenómeno.
Na verdade o menino não mijava conforme a lenda.
De repente,o arco gelado - quebrou-se - fulminado
por uma gargalhada estridente de um turista.
Só podia fazer o que fiz - comovi-me perante o lancinante
e dramático coro de lágrimas da assistencia,sem conter um sorriso
quando alguém delirou
Milagre.
Finalmente a estátua mijava.
quinta-feira, 8 de novembro de 2007
O FIO DA MEADA ( 4 )
Luiz XIV - o rei sol
deu brilho e charme a Paris.
A cidade luz cintila até nas belas pernas das mulheres.
Aqui a noite está naturalmente escura
mas vejo bem como os gatos e as estrelas.
Apesar de tudo optei em alternativa por experimentar
cuisses de grenoville ao jantar.
Obviamente - entrei no hotel a saltitar.
deu brilho e charme a Paris.
A cidade luz cintila até nas belas pernas das mulheres.
Aqui a noite está naturalmente escura
mas vejo bem como os gatos e as estrelas.
Apesar de tudo optei em alternativa por experimentar
cuisses de grenoville ao jantar.
Obviamente - entrei no hotel a saltitar.
sexta-feira, 2 de novembro de 2007
FALAR NO SILENCIO
foto de gamini kumara
O céu quase sem altura
poisa no chão
a brandir asas e refulgências
a terra abre-se sedenta
em papoilas de água
para os lábios
o mar puríssimo
ergue-se em partículas
de alaúdes e violinos
São os primeiros acordes
nas bocas rasgadas
e agora?
que vai ser de nós minha pedra preferida
se não aprendermos a falar
nos mesmos silencios
O céu quase sem altura
poisa no chão
a brandir asas e refulgências
a terra abre-se sedenta
em papoilas de água
para os lábios
o mar puríssimo
ergue-se em partículas
de alaúdes e violinos
São os primeiros acordes
nas bocas rasgadas
e agora?
que vai ser de nós minha pedra preferida
se não aprendermos a falar
nos mesmos silencios
segunda-feira, 29 de outubro de 2007
MEU CÉU MEU CHÃO
sexta-feira, 26 de outubro de 2007
domingo, 21 de outubro de 2007
OLHOS ABERTOS
imagens do mundo
O meu amor dardeja
no rosto das multidões
para que não se confundam
os olhos abertos
O meu amor a dardejar
quebra-se nas falésias
quebra as falésias
mas não se verga
O meu amor a brandir
em voos solidários
resiste
arde até ás cinzas
renasce das cinzas
O meu amor rasga sulcos brancos
no miolo da voz
por onde escorre a saliva
rasga-se em palavras de ordem
surpreende todas as cores
Tiro dos meus lábios
um beijo
para os teus
quarta-feira, 17 de outubro de 2007
LUZ
Coado o silencio
neste marulhar de azuis
e outros destinos
liquefaz-se em rumores
a perfeição irregular das falésias
rebentam neste chão de timbres
novas sementes
que submersas se transformam
em novas apoteoses
de coisas simples
É neste leito onde me dispo
que oiço claramente
indícios de palavras incendiadas
que o tempo não apaga
É neste ciclo de marés
que rasgo o oculto coração
das pedras
só para te ver
luz
domingo, 14 de outubro de 2007
sábado, 13 de outubro de 2007
quarta-feira, 10 de outubro de 2007
Á BEIRA DO DESEJO
lamento mas esta foto não foi por mim tirada
Nas fissuras menos conhecidas das pedras
navegam sargaços de cristal
move-se um coração de ave
água possuída de viagens
que o sol lambe em alvoradas
Na mais dura pedra um barco
com gestos a dardejar
desperta animal no próprio corpo
margens
voz
arestas
como se houvesse princípio para a fala
Na mais dura pedra a explosão
secreta dos corais
um pequeno sinal de vida
incontido
à beira do desejo e amanhãs
nesta pátria de naufragos
adentro
Nas fissuras menos conhecidas das pedras
uma asa suspensa
voa na luz
despe-se de tudo
participa
na desordem dos espelhos
Nas fissuras menos conhecidas das pedras
navegam sargaços de cristal
move-se um coração de ave
água possuída de viagens
que o sol lambe em alvoradas
Na mais dura pedra um barco
com gestos a dardejar
desperta animal no próprio corpo
margens
voz
arestas
como se houvesse princípio para a fala
Na mais dura pedra a explosão
secreta dos corais
um pequeno sinal de vida
incontido
à beira do desejo e amanhãs
nesta pátria de naufragos
adentro
Nas fissuras menos conhecidas das pedras
uma asa suspensa
voa na luz
despe-se de tudo
participa
na desordem dos espelhos
domingo, 7 de outubro de 2007
quinta-feira, 4 de outubro de 2007
segunda-feira, 1 de outubro de 2007
domingo, 30 de setembro de 2007
sexta-feira, 28 de setembro de 2007
PÁTRIA DE SALIVAS
sea-moon
Regressei às águas deste mar
a este movimento de sussuros
a estas redes a este canto
a esta doce sinfonia
a este porto a esta casa desgrenhada
a esta pátria de salivas
Regressei com mãos cheias de sede
para carregar melhor este espelho
flamejante de barcos e tremulina
o corpo líquido por entre os dedos
a síntese da tua nudez
Regressei às águas deste mar
a este movimento de sussuros
a estas redes a este canto
a esta doce sinfonia
a este porto a esta casa desgrenhada
a esta pátria de salivas
Regressei com mãos cheias de sede
para carregar melhor este espelho
flamejante de barcos e tremulina
o corpo líquido por entre os dedos
a síntese da tua nudez
segunda-feira, 24 de setembro de 2007
A SENHORA DAS MEIAS PRETAS
imagem da net
Ao som do Gregorian Chant,no Monostery of Montserrat,estava eu
no c.d.,a ver na minha frente - cairem aves do céu - que mais me
pareciam estrelas.
Na verdade estão sempre a cair aves neste chão que as
fe - cunda
re - colhe
se - pulta
Na verdade neste chão de asas e mares desgrenhados
flutuamos
tão leves que nem a morte sente os nossos passos.
- Cão de barro?
- Perdão - as estrelas também se conquistam - mesmo as que caem do céu.Foi precisamente por isso que decidi apaixonar-me pelo seu cão de barro.
-Decidiu?
- Sabe - até para amar é preciso ser competente e tomar decisões.
É verdade decidi apaixonar-me pelo seu cão de barro e solicitar a sua
presença no meu gabinete de trabalho.Acredite que tenho necessidade
de partilhar o poder no meu último despacho.
Especulei com a memória e recordei uma história inventada
"Sim senhora ministra".
Uma vez mais a lua estava cheia e um vulto elegantíssimo percorria
a azinhaga desde o portão até à casa.
Obviamente o portão estava no trinco e o cão preso.
O Dique - observador de silêncios gregorianos - permitiu que o vulto
se aproximasse - mas não deixou de roer a corda.
No chão da azinhaga - um som cadenciado - uma espécie de toc-toc
toc-toc na direção da casa.
Agora sim mais nitidamente,o vulto parecia um espaço habitável,
uma mistura de sombras eróticas.
Exibia quase provocadora um caminhar de ancas sofisticado
e o clássico aroma do chanel nº.5.
- Senhor - não é um assalto.Tomei a liberdade de invadir pacificamente o seu espaço para lhe fazer um convite personalizado.
- Foi um risco senhora.Aqui quem morde é o dono.
No dia e religiosamente na hora - lá estava eu com o meu cão de barro,no seu faustoso gabinete de trabalho.
Decidida - varreu para o chão toda a papelada,arquivada à vista
na larga mesa de reuniões.
Colocou na aparelhagem um c.d. e o reóstato no lusco-fusco.
Pegou docemente no dique.Subiram para o tampo da mesa e aí
dançaram soltos,como estrelas,cabeças a tilintarem nos cristais
do lustre.
Exausta - largou o cão e convidou-me para um moscatel roxo.
Sentada no sofá,saias arregaçadas,colocou uma bela caneta
de tinta permanente,cravejada de brilhantes e aparo de ouro legal -
entre os dedos do pé direito e assinou devagar mas com determinação
o seu último despacho oficial.
-" A partir de hoje - sou a senhora das meias pretas."
Ao som do Gregorian Chant,no Monostery of Montserrat,estava eu
no c.d.,a ver na minha frente - cairem aves do céu - que mais me
pareciam estrelas.
Na verdade estão sempre a cair aves neste chão que as
fe - cunda
re - colhe
se - pulta
Na verdade neste chão de asas e mares desgrenhados
flutuamos
tão leves que nem a morte sente os nossos passos.
- Cão de barro?
- Perdão - as estrelas também se conquistam - mesmo as que caem do céu.Foi precisamente por isso que decidi apaixonar-me pelo seu cão de barro.
-Decidiu?
- Sabe - até para amar é preciso ser competente e tomar decisões.
É verdade decidi apaixonar-me pelo seu cão de barro e solicitar a sua
presença no meu gabinete de trabalho.Acredite que tenho necessidade
de partilhar o poder no meu último despacho.
Especulei com a memória e recordei uma história inventada
"Sim senhora ministra".
Uma vez mais a lua estava cheia e um vulto elegantíssimo percorria
a azinhaga desde o portão até à casa.
Obviamente o portão estava no trinco e o cão preso.
O Dique - observador de silêncios gregorianos - permitiu que o vulto
se aproximasse - mas não deixou de roer a corda.
No chão da azinhaga - um som cadenciado - uma espécie de toc-toc
toc-toc na direção da casa.
Agora sim mais nitidamente,o vulto parecia um espaço habitável,
uma mistura de sombras eróticas.
Exibia quase provocadora um caminhar de ancas sofisticado
e o clássico aroma do chanel nº.5.
- Senhor - não é um assalto.Tomei a liberdade de invadir pacificamente o seu espaço para lhe fazer um convite personalizado.
- Foi um risco senhora.Aqui quem morde é o dono.
No dia e religiosamente na hora - lá estava eu com o meu cão de barro,no seu faustoso gabinete de trabalho.
Decidida - varreu para o chão toda a papelada,arquivada à vista
na larga mesa de reuniões.
Colocou na aparelhagem um c.d. e o reóstato no lusco-fusco.
Pegou docemente no dique.Subiram para o tampo da mesa e aí
dançaram soltos,como estrelas,cabeças a tilintarem nos cristais
do lustre.
Exausta - largou o cão e convidou-me para um moscatel roxo.
Sentada no sofá,saias arregaçadas,colocou uma bela caneta
de tinta permanente,cravejada de brilhantes e aparo de ouro legal -
entre os dedos do pé direito e assinou devagar mas com determinação
o seu último despacho oficial.
-" A partir de hoje - sou a senhora das meias pretas."
quarta-feira, 19 de setembro de 2007
O CÃO É CEGO
Nesta vida que ladra,há um chão de latidos que por vezes nos roi
os ossos e morde o silêncio - se nos calarmos.
Nesta vida onde todos os muros parecem ter uma fenda e os amantes
bem podiam ser pais eternos e namorados.
Nesta vida onde se reproduzem "os filhos dos homens que nunca foram meninos" e mulheres que nunca foram estrelas - apetece-me
continuar a dizer bem alto - plantai árvores crianças.
De facto estávamos no tempo em que todas as histórias eram
mentiras,excepto as inventadas.
Olhos postos na minha araucária preferida - precisamente esta
aqui na minha frente e que ajudei a criar - fixei-me no Dique,
omeu cão de barro.
Na verdade o Dique,após ter sido considerado família,perdeu
a noção do barro,passou a ser cúmplice de memórias e amanhãs.
Nesta atmosfera e talvez a propósito das trovoadas secas que proliferam no tempo que faz,o Dique - completamente solto,confidenciou-me esta história que não resisto a contar,
na presença insuspeita da minha araucária.
O Dique - que nunca gostou de fardas nem de paradas,foi desde
sempre anti-militarista.
Contraditório - já o ouvi defender - guerra à guerra,num conflito
muito grave,quase passional,com a gata da vizinha.
Diferenciava a guerra das palavras,do cheiro a pólvora.
Cão é cão - pensei sem pestanejar.
De qualquer modo afirmava que o poder das armas,nunca foi porporcional à razão dos que as não têm.
Cão é cão - pensei de novo.
A araucária - formosa mas fustigada pelo tempo que faz
e pela história do Dique - não dizia nada,mas atenta aos relâmpagos
de quando em vez lá deixava cair um sinal de pétalas.
Foi num destes instantes que o meu cão revelou a possibilidade
de desalinhar das campanhas bélicas,por via pacífica.
Convocado - apresentou-se de atestado médico em riste,sempre
com a inabalável convicção que uma miopia avançada nunca poderia
resultar num bom artilheiro.
Enganou-se.Os cães ,mesmo os de barro,também se enganam.
Apurado para todo o serviço militar,lá foi a ganir para a instrução,
mas ainda com um brilho nos olhos.
Nos primeiros exercícios físicos,sentou-se a meio do trampolim,
ameaçou deitar todos abaixo no pórtico e no tiro ao alvo apenas acertou
nas tabuletas indicativas.
Exibiu-se como lhe convinha - um verdadeiro soldado de merda,
mas um cão com objetivos - pensei eu de novo.
Um dia e após tanta inaptidão demonstrada,foi convocado
para uma junta médica.
Alguém de bastão apontou uma letra no quadro,tamanho da parede
e perguntou-lhe com voz rouca.
-Que letra é esta?
-Desculpe meu sargento mas não vejo o quadro.
Após uma eternidade de análises políticas e discussões clínicas
o obviamente impoluto colégio militar concluiu por unanimidade
O cão é cego.
sábado, 15 de setembro de 2007
A NUDEZ DOS LÁBIOS
"Bocage e as ninfas"oleo de Fernando Santos
Também aqui o irrepetível espelho
se revela em florações liquefeitas
caminhando como nós por sobre as pedras
enquanto nos olhos da velha araucária
sabe-se lá porquê
uma ave de outras bandas
descarnou aquela que julgava ser
a última pétala da marginal
Também aqui as árvores teimam
projectar sombra
no tracejado solar das marés
enquanto um frémito cintilante
nos dá alento para surpreender
a nudez do primeiro orgasmo
precisamente onde a água se abandona
para os lábios
Também aqui o irrepetível espelho
se revela em florações liquefeitas
caminhando como nós por sobre as pedras
enquanto nos olhos da velha araucária
sabe-se lá porquê
uma ave de outras bandas
descarnou aquela que julgava ser
a última pétala da marginal
Também aqui as árvores teimam
projectar sombra
no tracejado solar das marés
enquanto um frémito cintilante
nos dá alento para surpreender
a nudez do primeiro orgasmo
precisamente onde a água se abandona
para os lábios
terça-feira, 11 de setembro de 2007
AVANTE BUBISTA
foto da net
Tenho a vaga ideia de ter sido há mais de cem anos,mas admito
que seja um exagero.
Éramos todos muito mais novos e o sol raiava.
Estávamos reunidos por nobres causas de cooperação no seu gabinete e sonhávamos alto de olhos abertos,renovávamos marés,remávamos ventos de areia,contra a corrente.
Sonhávamos o lento caminhar das dunas e as dunas moviam-se.
Recordo que o encontro foi longo e fraterno,tendo o anfitrião
a dado momento interrompido o diálogo para gentilmente pegar
no cinzeiro,atafulhado de beatas,abrir a janela do gabinete e libertar-nos
das cinzas.
Ficámos mais aliviados - até hoje.
Encontrei de novo o senhor chefe de gabinete do ministro -
hoje ministro.Estávamos como há mais de cem anos no mesmo
restaurante.Mesas quase geminadas,mas de costas um para o outro.
A ilha permanece um ponto no colossal mapa do Atlântico.
Pobre mas bela e selvagem - uma deusa para amar a tempo inteiro.
A ilha bordejava de brancas areias delicadas onde ainda corajosas
nidificam tartarugas,supostamente protegidas.
Idílico espaço árido que alguns habitam,na sonolência cálida
e transparente das águas com vista para pequenos rebanhos
de cabras à solta.
O turismo vai adocicando a vida dura,mas não disfarça
as dificuldades impostas.
A ilha permanece ainda uma dádiva da natureza,mas cada vez mais
para invasores por via pacífica,enquanto o povo,na sua terra,
continua a ser uma maternidade para a emigração.
Mais de cem anos volvidos - não fui reconhecido pelo ex-chefe
de gabinete do senhor ministro,talvez por estar previsto para mais tarde
um encontro.
De qualquer modo ele estava ali - mas de costas e distraído e eu só tinha uma possibilidade - olhar de soslaio e fixar-me numa bela duna
aloirada que espreitava,não muito longe,o nosso silêncio.
Foi o que fiz.Fixei-me na duna.
Entretanto e para dilatar o tempo,pedi ao empregado uma sobremesa.
Disse-me que só tinha bolo.
Perguntei - bolo de quê?
Só bolo.
Concordei no preciso momento que o senhor ministro revelava
em surdina um despacho relativo à minha presença na ilha.
"Considero não ver inconvenientes na cooperação,mas as minhas
expectativas estão muito por baixo"
Recordei-me da sua gentileza quando era chefe de gabinete e do
mesmo modo como compreendi o empregado de mesa,não compreendi o ministro.
Passado que foi o período do repasto - faltei ao encontro.
Dirigi-me à duna - e lá do alto dei um grito em crioulo.
AVANTE BUBISTA
Atirei um grão de areia ao poder.Condecorei a senhora da limpeza
com a medalha destinada ao ministro e deste modo
obviamente que o demiti.
segunda-feira, 10 de setembro de 2007
quinta-feira, 6 de setembro de 2007
terça-feira, 4 de setembro de 2007
O FIO DA MEADA ( 3 )
e cheguei numa avioneta com ventoinhas.
O dia estava pardo na Terceira
No taxi perguntei ao motorista,perante uma senhora
de Fátima que balouçava ,pálida e por um fio
no retrovisor:
Foi na "Casa das Tias" - aqui nesta ilha - que nasceu
Vitorino Nemésio?
Sou de cá mas estive vinte anos na américa.Não lhe sei responder
- isso é mais para políticos e doutores.
Assim esclarecido fui ver a velha casa,que serviu em tempos
para armazem de refrigerantes e hoje é museu municipal.
Na terra de Vitorino Nemésio
e do porta aviões americano das Lages
alguem entendeu por bem que a vida
não é apenas o minuto que se segue.
Acabei por reconhecer
que ainda por algum tempo
fará "mau tempo no canal"
domingo, 2 de setembro de 2007
quinta-feira, 30 de agosto de 2007
NESTE CHÃO
ceifeira/tribosdegaia
Cheias de terra e sol
as tuas mãos
sobre o ventre em festa
de searas
têm o perfume das papoilas
Quando faz vento
um mar de cabelos desgrenhados
voa campo fora
fulvo na transparência dos teus gestos
cresce o pão
nas nossas bocas
e os teus olhos dulcíssimos
mostram
como se move a sombra das azinheiras
todo o corpo
todo o corpo
Cada fruto semeado
pare uma multidão
e nós cantamos
aqui
em todos os póros da palavra
neste chão
Cheias de terra e sol
as tuas mãos
sobre o ventre em festa
de searas
têm o perfume das papoilas
Quando faz vento
um mar de cabelos desgrenhados
voa campo fora
fulvo na transparência dos teus gestos
cresce o pão
nas nossas bocas
e os teus olhos dulcíssimos
mostram
como se move a sombra das azinheiras
todo o corpo
todo o corpo
Cada fruto semeado
pare uma multidão
e nós cantamos
aqui
em todos os póros da palavra
neste chão
segunda-feira, 27 de agosto de 2007
UMA PEDRA NO CHARCO
desenho de Mário Filipe
A Graciosa não era açoreana.Começou por ser um pinto ternamente oferecido por uma amiga.Talvez por isso desde os primeiros pius tivesse
sido criada como família.
Solenemente batizada com um mergulho na água do poço,cresceu e fez-se gente.Era uma galinha imponente.
Gostávamos tanto da Graciosa,da sua plumagem - sobretudo do seu
comportamento irreverente mas doce,do modo como pestanejava
os olhos amendoados e sacudia as asas.Era de facto a princesa do galinheiro.Ligeiramente anafada,solteirona,farto peito,pernas
consistentes,rabo de mulata cubana,simpática,trunfa esbelta e andar
sedutor.
Apesar de modelo ímpar - a Graciosa não punha ovos e todos
atribuiamos o facto não à Graciosa mas ao galo.
Na verdade o galo não cumpria um pormenor fundamental -
faltava-lhe quando cantava - as duas últimas notas musicais para
o concerto estar conforme a pauta.
Resultado - um dia decidimos substituir o galo por um tenor
e a vida pareceu dar-nos razão.
A Graciosa - princesa indigitada,começou a pôr ovos,como todas as outras - mas com duas gemas - isto é,mantinha a diferença.
Não cacarejava,falava com os olhos amendoados,fazia garatujas
com o bico nas paredes do galinheiro.Com a simplicidade e a sabedoria
dos iluminados começou a isolar-se - de tal modo que um dia foi galada
pelo tenor.Perturbada mudou de personalidade.Inesperadamente.
Admitimos que tão profunda mudança tenha a ver com o facto de ser virgem fora do tempo.
Certo é que se considerou violada e passou a ser arrogante,dissidente
e politicamente liberal.
Sentimo-nos traídos.
A princesa estava pedante e tresmalhada.Se fosse gente fumaria
"cohibas" não humedecidos,frequentaria nos casinos as salas de jogo,
tornar-se-ia meretriz e regaria a clientela com espumante barato.
Já não era uma metáfora era uma hipérbole.
Refletindo - concluimos que a Graciosa,de tão protegidadesde pinto
se tornou num Acácio com penas,num conde de Abranhos,num tartufo,
uma marioneta da cirurgia plástica.
Perante os factos decidimos - vamos comer a Graciosa.
Após alguns dias de preparos,convites e paramentos - o momento
politicamente organizado e religiosamente celebrado - estava na mesa
e na púcara.
Preparados para atacar o evento gastronómico eis que um pássaro
que nos pareceu ser exótico mas era tão só um residente pardal -
cagou no centro da mesa,precisamente na terrina da canja.
O Mário começou a desenhar a cena e a Maria João,antes das primeiras garfadas disse
Pai - parece que vamos comer a família.
Olhámo-nos nos olhos uns dos outros
e largámos os talheres.
sábado, 25 de agosto de 2007
terça-feira, 21 de agosto de 2007
O COMENDADOR ISIDORO
desenho de Mário Filipe
Mão amiga inscreveu na lista dos novos comendadores,para despacho
do senhor presidente - um "pato bravo" de seu nome Isidoro.
Admite-se em Cajados que a comenda lhe tenha sido atribuída apenas
pelo facto de ser um homem podre de rico e mecenas não se sabe de quê
Consta que chegava a um restaurante e quando lhe perguntavam
Vossa excelência deseja uma casta da Região Demarcada do Douro?
Sugiro um Touriga Nacional - casta nobre,rica em polifenois
e compostos aromáticos.Vossa excelência dirá.
O Isidoro,que agora se chama comendador,levantava as fartas
sobrancelhas,fingia pensar e respondia - sempre do mesmo modo
Traga do mais caro.
Tudo isto a propósito do "monte dos tesos" que o comendador
recuperou na aldeia de Cajados.Uma mansão para festejos hilariantes
aos fins de semana.
Um dia com os convivas já a destilarem,as senhoras a chapinharem
na piscina a tricotarem intrigas - o comendador chefiou um grupo,
azinhaga fora para substituir a placa indicativa da aldeia que deixaria
de se chamar Cajados para se chamar Monte dos Tesos.
Alertado e vigilante o povo arrancou a placa repôs a verdade.
Houve mesmo um destemido que se atreveu a gritar
Abaixo o comendador
Durante a semana a paz instalava-se em Cajados,onde habitava
o senhor Jacinto,homem estimado,trabalhador rural assalariado,
viuvo e com três filhos a cargo.
O pai saía ao nascer do sol,regressava ao pôr do sol e os putos
ficavam à solta.
Então não comem nada?
perguntava o senhor Jacinto
Não nos apetece.
respondiam em coro -o Tó,a Bia e o Perdigão.
A verdade dos factos
Os putos descobriram um postigo na casa dos jogos do comendador
e durante a semana invadiam ciclicamente a mansão para tirarem
a barriga de misérias.Abancavam à farta - do bom e do melhor.Só não
tocavam nas lagostas porque tinham medo dos bichos.
Os mais novos sentados à mesa,com toalha de bilros e castiçais,
eram servidos pelo Perdigão que ía dizimando o frigorífico por turnos.
Após o repasto dormiam a sesta refastelados na larga e fofa cama
rocócó do senhor comendador.Após a sesta,todos nus,tomavam banho
na generosa piscina e no regresso a casa ainda se atafulhavam
com "palitos la reine".
Um dia o comendador apareceu de surpresa,com um bando
de seguranças.Apanharam os putos.Lindos como anjos no olimpo,
a dormirem profundamente.Ressonavam como príncipes.O Perdigão
até assobiava uma espécie de tirolês.
Resultado
Queixa na GNR,os putos entregues ao pai que entretanto regressava
estoirado do trabalho.Tribunal - decisão do juiz
Tem dez dias para indemnizar o senhor comendador pelos prejuizos
- 500 euros.
Volvido o prazo,o senhor Jacinto não pode pagar e está em parte incerta.Os putos foram internados numa casa pia qualquer.
O povo está triste e a quotizar-se para pagar a dívida.
O senhor comendador continua em festa.
Mão amiga inscreveu na lista dos novos comendadores,para despacho
do senhor presidente - um "pato bravo" de seu nome Isidoro.
Admite-se em Cajados que a comenda lhe tenha sido atribuída apenas
pelo facto de ser um homem podre de rico e mecenas não se sabe de quê
Consta que chegava a um restaurante e quando lhe perguntavam
Vossa excelência deseja uma casta da Região Demarcada do Douro?
Sugiro um Touriga Nacional - casta nobre,rica em polifenois
e compostos aromáticos.Vossa excelência dirá.
O Isidoro,que agora se chama comendador,levantava as fartas
sobrancelhas,fingia pensar e respondia - sempre do mesmo modo
Traga do mais caro.
Tudo isto a propósito do "monte dos tesos" que o comendador
recuperou na aldeia de Cajados.Uma mansão para festejos hilariantes
aos fins de semana.
Um dia com os convivas já a destilarem,as senhoras a chapinharem
na piscina a tricotarem intrigas - o comendador chefiou um grupo,
azinhaga fora para substituir a placa indicativa da aldeia que deixaria
de se chamar Cajados para se chamar Monte dos Tesos.
Alertado e vigilante o povo arrancou a placa repôs a verdade.
Houve mesmo um destemido que se atreveu a gritar
Abaixo o comendador
Durante a semana a paz instalava-se em Cajados,onde habitava
o senhor Jacinto,homem estimado,trabalhador rural assalariado,
viuvo e com três filhos a cargo.
O pai saía ao nascer do sol,regressava ao pôr do sol e os putos
ficavam à solta.
Então não comem nada?
perguntava o senhor Jacinto
Não nos apetece.
respondiam em coro -o Tó,a Bia e o Perdigão.
A verdade dos factos
Os putos descobriram um postigo na casa dos jogos do comendador
e durante a semana invadiam ciclicamente a mansão para tirarem
a barriga de misérias.Abancavam à farta - do bom e do melhor.Só não
tocavam nas lagostas porque tinham medo dos bichos.
Os mais novos sentados à mesa,com toalha de bilros e castiçais,
eram servidos pelo Perdigão que ía dizimando o frigorífico por turnos.
Após o repasto dormiam a sesta refastelados na larga e fofa cama
rocócó do senhor comendador.Após a sesta,todos nus,tomavam banho
na generosa piscina e no regresso a casa ainda se atafulhavam
com "palitos la reine".
Um dia o comendador apareceu de surpresa,com um bando
de seguranças.Apanharam os putos.Lindos como anjos no olimpo,
a dormirem profundamente.Ressonavam como príncipes.O Perdigão
até assobiava uma espécie de tirolês.
Resultado
Queixa na GNR,os putos entregues ao pai que entretanto regressava
estoirado do trabalho.Tribunal - decisão do juiz
Tem dez dias para indemnizar o senhor comendador pelos prejuizos
- 500 euros.
Volvido o prazo,o senhor Jacinto não pode pagar e está em parte incerta.Os putos foram internados numa casa pia qualquer.
O povo está triste e a quotizar-se para pagar a dívida.
O senhor comendador continua em festa.
domingo, 19 de agosto de 2007
O FIO DA MEADA (2)
Calcorreei a lava petrificada,a geometria dos verdes bordejados
por firmes muretes de cascalho sobreposto
Observei o preto e branco tresmalhados na pele dos animais.
Ouvi o doce,lânguido e apelativo mugido das vacas em liberdade.
Desmaiei os pobres olhos no sucalco das espumas bravias,
insuflei os pulmões nos ares frescos e espectaculares dos moinhos
de vento e subi ao poema.
Quando vi tanta exuberancia,tantos silêncios silvestres e me fixei
num solitário burro cabisbaixo
admito ter ficado mais triste do que ele
segunda-feira, 13 de agosto de 2007
O FIO DA MEADA ( 1 )
Nove horas de voo.Cinco horas de diferença horária,mais duas horas
de táxi de Havana para Varadero.
A estrada latina,o táxi latia e eu bufava.Foi assim até Matanzas.
Zita - a motorista do táxi,perita em ultrapassagens pela direita,
ia atropelando um site-car superlotado.
Interrompida a viagem,seguiram-se impropérios gesticulados
que deslisaram para um diálogo fraterno,quando a motorista se identificou.
Apesar de tudo cheguei bem ao Arenas Blancas.
Reconhecido ofereci à senhora uma tee-shirt do Seixal Jaze.
A motorista,comovida não susteve uma finíssima lágrima de rum
e despediu-se com um solene "hasta siempre comandante".
de táxi de Havana para Varadero.
A estrada latina,o táxi latia e eu bufava.Foi assim até Matanzas.
Zita - a motorista do táxi,perita em ultrapassagens pela direita,
ia atropelando um site-car superlotado.
Interrompida a viagem,seguiram-se impropérios gesticulados
que deslisaram para um diálogo fraterno,quando a motorista se identificou.
Apesar de tudo cheguei bem ao Arenas Blancas.
Reconhecido ofereci à senhora uma tee-shirt do Seixal Jaze.
A motorista,comovida não susteve uma finíssima lágrima de rum
e despediu-se com um solene "hasta siempre comandante".
sexta-feira, 10 de agosto de 2007
ÁGUA DE MIM
La muralla/laluzdelasflores
Cantas e feres água de mim
nos meus claustros de vinhedos
As tuas asas de papoila silvestre
procuram alimento nesta graça
longe das multidões
procuram o ofício da luz
a candeia para lá de todos os silêncios
o meu regato preferido
para continuar a respirar-te por guelras
Por aqui água de mim passas devagar
corres tranquila
só para distribuires pela boca das sementes
um rasto de vida
sorvida no chão que pisamos
Ajudas-me a cantar e a ferir este silêncio
que me faz falta
para ti
Cantas e feres água de mim
nos meus claustros de vinhedos
As tuas asas de papoila silvestre
procuram alimento nesta graça
longe das multidões
procuram o ofício da luz
a candeia para lá de todos os silêncios
o meu regato preferido
para continuar a respirar-te por guelras
Por aqui água de mim passas devagar
corres tranquila
só para distribuires pela boca das sementes
um rasto de vida
sorvida no chão que pisamos
Ajudas-me a cantar e a ferir este silêncio
que me faz falta
para ti
segunda-feira, 6 de agosto de 2007
O MAGNIFICO GALINHEIRO
desenho de Mário Filipe
Estava o magnifico galinheiro reunido nos poleiros tradicionais -
dramaticamente com poderes absolutos - flamejante e tartufo na discussão de mais um esquelético e estrábico orçamento restritivo
para a comunidade carenciada,quando aflorámos uma ideia antiga
e muito familiar do nosso quotidiano comum.
Como colocar um pauzinho nesta engrenagem?
Na verdade - apesar de tanto cacarejar aveludado,tinhamos quase afónico - um galo espartano - a chefiar uma tribo de 12 poedeiras
sequestradas.
Não foi por ser afónico,mas pelos seus tiques espartanos que sentimos
a necessidade de um tenor menos austero,para dar outra cor à vida
em comunidade.
Na verdade - uma coisa é ser chefe,outra é ser lider.Uma coisa é ser
empresário,outra é ser patrão,trabalhador ou empregado.
Entretanto o tempo passava inexorável e ninguém sugeria um Pavaroti
credível,democrático,sensível aos que mais penam - um tenor que desse a volta ao orçamento restritivo.
Viajámos um dia para o monte Barranco do Bebedouro e foi ali,
na delícia de uns pèzinhos de coentrada,que aconteceu uma conversa
interessante àcerca da arte de colocar pauzinhos nas engrenagens.
O amigo Anastácio que há muitos anos faz milagres de artesão com
o seu canivete de lâmina finíssima,levantou-se e disse com voz embargada
- Para o caso vertente,vou oferecer-vos um casal de pombos alentejanos da minha confiança.
Numa caixa de papelão,com respiradouros ternamente executados,
o amigo Anastácio ofereceu-nos a solução e todos ftcámos mudos e agradecidos.Assim - sem mais palavras.
Um casal de pombos.O Campaniço e a Soalheira.
A fêmea,plumagem cor da hulha.O macho,branco como a cal.
Lindos.Ela - olhos verdes alface,muito vivos,pernas esguias mas torneadas,rabo espetado,pescoço esbelto,ex-modelo em concursos
columbófilos.Ele - porte atlético,campeão de maratonas,de poucas
falas,tipo engenheiro nos excedentários da função pública.
Os novos residentes,oriundos de uma família numerosa,humilde e trabalhadora,foram instalados no magnífico galinheiro,pela calada
da noite,por uma questão de bom senso.
Tinham que adaptar-se e reagir à crise nacional do tempo que faz-
considerar o período da caça com os homens à solta - ao galo espartano
e até às poedeiras iludidas de quando em vez a chocarem ovos supostamente galados.
Ao raiar da aurora,verificámos que à mínima distração o galo malhava nos pombos que se levantavam do chão e cantavam,cantavam,
- cantavam hinos populares,criatividades amorosas.
O galo afónico e arrogante no preciso momento em que os pombos estavam a arrulhar - inesperadamente - libertou pela primeira vez na sua vida - um dó sustenido quase perfeito,e eu gritei
- Finalmente o galo cantou.
Retificámos imediatamente o orçamento restritivo.
Soltámos os pombos e as poedeiras.
O galo ficou a cantar sózinho.
sexta-feira, 27 de julho de 2007
A BOLA DE BERLIM
desenho de Mário Filipe Tu sabes Dique - na vida, por vezes, um homem tem que ladrar
aos cães.
Compeensivo - o Dique olhou-me, e lá fomos.
Estava um senhor representante de um país rico a discursar no púlpito de uma cimeira com pobrezinhos na plateia - de modo a chegarem a um acordo original - "quem manda aqui sou eu" - e tudo continuar como antes - isto é, os pobres cada vez mais dependentes e estupidamente felizes na bandeja dos "subsidios".
Fui com o Dique assistir ao discurso, no segundo balcão do auditorio e concluimos - ainda o senhor estava na leitura do primeiro rolo de papel - A VIDA NÃO É SÓ CONTEMPLAÇÃO E VALE A PENA INTERVIR NA PAISAGEM.
Foi o que fizemos.
O Dique ladrou em falsete, eu cantei a Grandola Vila Morena e ouvimos ao lado alguem bater palmas ao nosso protesto - até sermos expulsos da galeria, após identificação.
Saímos incomodados. A rua vigiada sugeriu-nos uma pausa no café da esquina.
Olhei o Dique ainda não refeito da expulsão. Estava triste.
Disse-lhe determinado - será melhor falarmos de nós. Acalmado concordou e eu comecei a vaguear pela memoria.
Um cão pode ter caracteristicas sublimes de personalidade.Depende do cão e do dono, das condições que ambos conquistaram na vida e da parceria que acordaram nos olhos um do outro.
Não estou de acordo com o Snoopy quando diz - "ontem era um cão.Hoje sou um cão. Amanha provavelmente serei um cão. Há tão pouca esperança de progredir". Curiosamente o Dique também não está de acordo com o Snoopy.
Quem és tu Dique?
Não é simples de explicar,mas em síntese, és um cão.
Aos meus olhos és ainda mais que um cão.Porquê? Porque tens sentidos. Porquê? Porque és vertebrado e quase humano nos caminhos que percorremos, nas histórias que inventamos, na cumplicidade que partilhamos.
Na verdade tudo tem um principio mesmo que a explicação seja simples. Na verdade criei um objecto animado para protagonizar comigo - silêncios, memórias e afetos.
Tornei-me ventríloquo?
Uma coisa é certa - tu existes e chamas-te Dique.
Um dia, no lugar da Volta da Pedra, na berma da estrada nacional, parei numa venda de barros. Tinha a ideia de comprar um vaso e acabei por comprar um cão. Exactamente - um cão de barro .
Sempre pensei que nesse preciso instante estava apenas a comprar um objecto decorativo. Nunca pensei que um dia aquela coisa poderias ser tu Dique. Parece que foi ontem.
Sentado sobre as patas traseiras, porte altivo, orelhas espetadas, olhar terno, bem esticado de coluna, cheio de pó e corpo de barro. Olhamo-nos e parece que te ouvi dizer baixinho - "tira-me daqui".
Resultado - não comprei um vaso, comprei um cão.
Comprei-te barato e coloquei-te onde me pareceu mais certo - à porta da casa.
Ali ficaste todo o inverno.Ao sol, à chuva, ao frio.
Um sentinela.Hirto, sem pestanejar.Uma estátua vigilante e leal a cumprir uma tarefa, um desígnio histórico.
Recordas-te? Passava por ti e não me apercebia que eras um cão. Só tu sabias.
A vida tem razões que a razão não entende e talvez por isso valha a pena ser sonhada, recriada, partilhada.
O inverno passou, nu e cru como são os invernos.Não arredaste pé até que no despontar deste verão - desapercebido ou enamorado da lua cheia, ao fechar a porta da casa, assustei-me com o teu vulto. Nem parecia noite e tu projetavas sombra com a dignidade do primeito dia.
Nervoso - sorri-me com um esgar repentino. Assustei-me.
A partir daquele momento inesperado comecei a olhar-te como um animal de carne e osso.Deixaste de ser um objecto coisificado. Passaste a ser considerado um parceiro com quem podia contar para os bons e maus instantes.
Reconhecido foste batizado solenemente e hoje chamas-te Dique.
Pintei-te todo de preto. Coloquei-te dois brilhantes nos olhos e um dia
a nossa avó num rasgo de criatividade, chegou a dizer - "o Dique é a melhor pessoa que habita esta casa".Porquê? Porque um cão depende de si e do seu dono, e por vezes o contrário não é menos verdadeiro.
Por tudo isto entendemos hoje ir ao auditório.
Sonolento o Dique ouviu uma vez mais a nossa história.Terminámos a bola de Berlim.Saimos do café da esquina.
Admitimos que a cimeira tivesse encerrado, pois o tal senhor do discurso que reconhecemos na via pública, gritava - " DER SIEG,DER SIEG".
A rua ainda estava vigiada.Ainda rosnámos.
Peguei no Dique e regressámos a casa.
aos cães.
Compeensivo - o Dique olhou-me, e lá fomos.
Estava um senhor representante de um país rico a discursar no púlpito de uma cimeira com pobrezinhos na plateia - de modo a chegarem a um acordo original - "quem manda aqui sou eu" - e tudo continuar como antes - isto é, os pobres cada vez mais dependentes e estupidamente felizes na bandeja dos "subsidios".
Fui com o Dique assistir ao discurso, no segundo balcão do auditorio e concluimos - ainda o senhor estava na leitura do primeiro rolo de papel - A VIDA NÃO É SÓ CONTEMPLAÇÃO E VALE A PENA INTERVIR NA PAISAGEM.
Foi o que fizemos.
O Dique ladrou em falsete, eu cantei a Grandola Vila Morena e ouvimos ao lado alguem bater palmas ao nosso protesto - até sermos expulsos da galeria, após identificação.
Saímos incomodados. A rua vigiada sugeriu-nos uma pausa no café da esquina.
Olhei o Dique ainda não refeito da expulsão. Estava triste.
Disse-lhe determinado - será melhor falarmos de nós. Acalmado concordou e eu comecei a vaguear pela memoria.
Um cão pode ter caracteristicas sublimes de personalidade.Depende do cão e do dono, das condições que ambos conquistaram na vida e da parceria que acordaram nos olhos um do outro.
Não estou de acordo com o Snoopy quando diz - "ontem era um cão.Hoje sou um cão. Amanha provavelmente serei um cão. Há tão pouca esperança de progredir". Curiosamente o Dique também não está de acordo com o Snoopy.
Quem és tu Dique?
Não é simples de explicar,mas em síntese, és um cão.
Aos meus olhos és ainda mais que um cão.Porquê? Porque tens sentidos. Porquê? Porque és vertebrado e quase humano nos caminhos que percorremos, nas histórias que inventamos, na cumplicidade que partilhamos.
Na verdade tudo tem um principio mesmo que a explicação seja simples. Na verdade criei um objecto animado para protagonizar comigo - silêncios, memórias e afetos.
Tornei-me ventríloquo?
Uma coisa é certa - tu existes e chamas-te Dique.
Um dia, no lugar da Volta da Pedra, na berma da estrada nacional, parei numa venda de barros. Tinha a ideia de comprar um vaso e acabei por comprar um cão. Exactamente - um cão de barro .
Sempre pensei que nesse preciso instante estava apenas a comprar um objecto decorativo. Nunca pensei que um dia aquela coisa poderias ser tu Dique. Parece que foi ontem.
Sentado sobre as patas traseiras, porte altivo, orelhas espetadas, olhar terno, bem esticado de coluna, cheio de pó e corpo de barro. Olhamo-nos e parece que te ouvi dizer baixinho - "tira-me daqui".
Resultado - não comprei um vaso, comprei um cão.
Comprei-te barato e coloquei-te onde me pareceu mais certo - à porta da casa.
Ali ficaste todo o inverno.Ao sol, à chuva, ao frio.
Um sentinela.Hirto, sem pestanejar.Uma estátua vigilante e leal a cumprir uma tarefa, um desígnio histórico.
Recordas-te? Passava por ti e não me apercebia que eras um cão. Só tu sabias.
A vida tem razões que a razão não entende e talvez por isso valha a pena ser sonhada, recriada, partilhada.
O inverno passou, nu e cru como são os invernos.Não arredaste pé até que no despontar deste verão - desapercebido ou enamorado da lua cheia, ao fechar a porta da casa, assustei-me com o teu vulto. Nem parecia noite e tu projetavas sombra com a dignidade do primeito dia.
Nervoso - sorri-me com um esgar repentino. Assustei-me.
A partir daquele momento inesperado comecei a olhar-te como um animal de carne e osso.Deixaste de ser um objecto coisificado. Passaste a ser considerado um parceiro com quem podia contar para os bons e maus instantes.
Reconhecido foste batizado solenemente e hoje chamas-te Dique.
Pintei-te todo de preto. Coloquei-te dois brilhantes nos olhos e um dia
a nossa avó num rasgo de criatividade, chegou a dizer - "o Dique é a melhor pessoa que habita esta casa".Porquê? Porque um cão depende de si e do seu dono, e por vezes o contrário não é menos verdadeiro.
Por tudo isto entendemos hoje ir ao auditório.
Sonolento o Dique ouviu uma vez mais a nossa história.Terminámos a bola de Berlim.Saimos do café da esquina.
Admitimos que a cimeira tivesse encerrado, pois o tal senhor do discurso que reconhecemos na via pública, gritava - " DER SIEG,DER SIEG".
A rua ainda estava vigiada.Ainda rosnámos.
Peguei no Dique e regressámos a casa.
sexta-feira, 20 de julho de 2007
MADRE INÊS
desenho de Mário Filipe
Hoje acordei ainda os barcos estavam de ramelas e lavagem de porões -numa ilha quase imaginária.
Com os restos sonâmbulos de um sonho acordado,surpreendi-me
com um pensamento -
Hoje não quero salvar o mundo,só ajudar.
Na verdade é necessário coragem para renovar,sem perder o traço
fundamental do legado histórico e afetivo.As memórias de hoje foram
inovações no passado e a vida em sociedade é também este ritmo natural
e incontornável de estarmos no nosso tempo - por vezes contra o nosso
tempo - sem fossilizar nem castrar os sonhos.
Hoje acordei assim - a sorver o ar fresco da manhã.Acordei lentamente por entre neblinas atlânticas,a partilhar o voo assimétrico
mas equilibrado de um açor,quando inesperadamente fui invadido por
um silvo estridente,quase um choro de criança - uma farpa nos tímpanos.Era o meu telemóvel de primeira geração.
Atendi - não fosse uma ordem para evacuação do hotel - um eminente despertar vulcânico,uma revolta da direita autonómica,o reinício
da caça às baleias.
Atendi e reconheci de imediato - a minha gata.
Tenho algures uma amiga que nunca vi e me telefona ciclicamente.
Sensual,com dicção perfeita,lê-me sempre o mesmo poema -
Se tivéssemos um barco/ai se tivéssemos um barco/tinhamos o mundo/e seria inútil.
Esta minha amiga não dizia mais nada mas terminava sempre
com um inigmático - miau.
A vida não é fácil,mas com paciência,generosidade e algum prazer pessoal,tenho contribuido para esta ladaínha.
Uma vez mais o silvo do telemóvel.O cumprimento do mesmo ritual.
De facto - a voz terna e meiga da gata,clarinha como a água,
aparentava um animal de fino porte,pêlo fofo,olhos de esmeralda,
pernas cheias,busto virtuoso,anti-fascista e sensível às noites de jaze.
Deste modo vivi este monólogo erótico que me transportou - não sei
porquê - para uma cena metafísica.
Num vagaroso instante,abandonei a ideia do telefonema ser da minha amiga e fui assolado por uma outra possibilidade ,talvez mais hilariante.
Teria a galega - madre Inês - perscrutado a espuma dos tempos,
quando desviou a imagem do "senhor santo cristo" de um lugar ermo
da ilha para Ponta Delgada,assim menos exposta aos apetites liberais dos piratas da época?
Uma coisa é certa - a escultura do "santo" é uma rica peça de arte,
um prodígio encrostado de preciosidades e sacrifícios humanos.
Transfigurada por vontades pagãs,prespassou para um destino sublimado de fé e turismo religioso - e eu,vulgo mortal,de telemóvel
no ouvido,coçando a barba,fixei-me uma vez mais no voo assimétrico
mas equilibrado do açor - que me confidenciou -
Agnóstico,também eu me sinto profanado.
Entretanto os barcos permaneciam ancorados.
O s pássaros,as aves marinhas,eu mesmo -"levantados do chão"
já ousávamos viajar mar adentro.
Mais tarde - um pouco mais tarde - um novo silvo - a terminar
como sempre
MIAU
Entendi responder pela primeira vez.
ÃO - ÃO
E assim ficámos - esclarecidos - para toda a vida.
Hoje acordei ainda os barcos estavam de ramelas e lavagem de porões -numa ilha quase imaginária.
Com os restos sonâmbulos de um sonho acordado,surpreendi-me
com um pensamento -
Hoje não quero salvar o mundo,só ajudar.
Na verdade é necessário coragem para renovar,sem perder o traço
fundamental do legado histórico e afetivo.As memórias de hoje foram
inovações no passado e a vida em sociedade é também este ritmo natural
e incontornável de estarmos no nosso tempo - por vezes contra o nosso
tempo - sem fossilizar nem castrar os sonhos.
Hoje acordei assim - a sorver o ar fresco da manhã.Acordei lentamente por entre neblinas atlânticas,a partilhar o voo assimétrico
mas equilibrado de um açor,quando inesperadamente fui invadido por
um silvo estridente,quase um choro de criança - uma farpa nos tímpanos.Era o meu telemóvel de primeira geração.
Atendi - não fosse uma ordem para evacuação do hotel - um eminente despertar vulcânico,uma revolta da direita autonómica,o reinício
da caça às baleias.
Atendi e reconheci de imediato - a minha gata.
Tenho algures uma amiga que nunca vi e me telefona ciclicamente.
Sensual,com dicção perfeita,lê-me sempre o mesmo poema -
Se tivéssemos um barco/ai se tivéssemos um barco/tinhamos o mundo/e seria inútil.
Esta minha amiga não dizia mais nada mas terminava sempre
com um inigmático - miau.
A vida não é fácil,mas com paciência,generosidade e algum prazer pessoal,tenho contribuido para esta ladaínha.
Uma vez mais o silvo do telemóvel.O cumprimento do mesmo ritual.
De facto - a voz terna e meiga da gata,clarinha como a água,
aparentava um animal de fino porte,pêlo fofo,olhos de esmeralda,
pernas cheias,busto virtuoso,anti-fascista e sensível às noites de jaze.
Deste modo vivi este monólogo erótico que me transportou - não sei
porquê - para uma cena metafísica.
Num vagaroso instante,abandonei a ideia do telefonema ser da minha amiga e fui assolado por uma outra possibilidade ,talvez mais hilariante.
Teria a galega - madre Inês - perscrutado a espuma dos tempos,
quando desviou a imagem do "senhor santo cristo" de um lugar ermo
da ilha para Ponta Delgada,assim menos exposta aos apetites liberais dos piratas da época?
Uma coisa é certa - a escultura do "santo" é uma rica peça de arte,
um prodígio encrostado de preciosidades e sacrifícios humanos.
Transfigurada por vontades pagãs,prespassou para um destino sublimado de fé e turismo religioso - e eu,vulgo mortal,de telemóvel
no ouvido,coçando a barba,fixei-me uma vez mais no voo assimétrico
mas equilibrado do açor - que me confidenciou -
Agnóstico,também eu me sinto profanado.
Entretanto os barcos permaneciam ancorados.
O s pássaros,as aves marinhas,eu mesmo -"levantados do chão"
já ousávamos viajar mar adentro.
Mais tarde - um pouco mais tarde - um novo silvo - a terminar
como sempre
MIAU
Entendi responder pela primeira vez.
ÃO - ÃO
E assim ficámos - esclarecidos - para toda a vida.
sexta-feira, 13 de julho de 2007
O VOO DO MOSCARDO
desenho de Mário Filipe
Após o repasto,dispersaram os convidados e alguém se lembrou de
Rimskikorsakov.
A noite - quente -esplendorosa e sempre poética caía em nuances
polícromas - as cigarras ensaiavam cânticos sedosos que afloravam
a folhagem.O silêncio melódico estava reposto e a lua cheia tão linda,
desenhava no chão os recortes da casa,iluminava os nossos corpos.
Cantava.
Estávamos no campo,no mar arável das videiras.
Apesar do êxtase a família residente ainda se propôs ouvir o espargir
da água na rega automática.
Entretanto a paz onírica foi interrompida abruptamente e a família
unida - declarou caça a uma mosca varejeira que distraída das regras
democráticas entendeu devassar a cozinha.
A mosca,de facto,era um espectáculo - uma verdadeira besta de insecto.Enorme de asas,gorda,cor do petróleo,patas felpudas,celulite irreversível.Uma suculenta matrona.
Alguém afirmou ter-lhe visto uma cremalheira panorâmica de alvos
dentes aguçados.Na verdade não tinha lábios - exibia com mau gosto erótico uma beiça,tipo ventosa e cheirava a orçamento do estado.
Resultado - mobilização geral.
Em zig-zagues acrobáticos sobre as nossas cabeças,bufava,zunia,
zumbia zumzuns,riscava o espaço com uma baba fluorescente.Quase
política de direita,esfregava tímida as patas dianteiras e discursava arrogante sem aplausos nem substância,ao seu jeito - fluente palha
e em falsete.
Onde poisava deixava marcas,ameaças,impropérios,prepotências
e algumas rezas.Mostrava de quando em vez os olhos fulvos em desafio à lua cheia.A espaços tremulava as asas que pareciam bracinhos,como se fosse uma libelinha.Queria não parecer uma mosca varejeira.
Conclusão - na ausência de uma política coordenada e eficaz para a segurança dos cidadãos - voluntários - movemos-lhe caça cerrada,
meticulosa,com estratégia e tácticas cientificamente aceites na comunidade europeia.Utilizámos códigos em surdina,transmissões
gestuais - armas em riste.
Para a família a questão era tribal e honorária.Fervia-nos o sangue
nas coronárias e houve mesmo alguém que gritou - abaixo a mosca,
viva a liberdade.
Enfim - até o doce de tomate ,caseiro,que demorou à nossa avó seis
horas a cozinhar em lume brando,colher de pau em tacho de barro -
tomates sem pele nem graínhas,ao som da música - até o doce de tomate,cozinhado como quem vai a Fátima a pé lhe oferecemos de bandeja.
Demos-lhe poesia de Florbela Espanca,fizemos-lhe a mesa,demos-lhe
cama e roupa lavada.Estudámos em concílio improvisado o comportamento social dos insectos - chegámos mesmo a ler algumas
crónicas do Eduardo Prado Coelho - tentámos em pausas consensuais
alguns contactos políticos.
As incontronáveis férias são assim.As lojas do cidadão ficam desertas
ficam abertas apenas as maçónicas.O país encerra para transpirar e
até os políticos são considerados filhos de deus.
Entretanto a perversa mosca voejava na cozinha,mobilizava a família.Por vezes aparentemente brincalhona - saltitava nos ponteiros do relógio - escondia-se no buraco da fechadura da porta,nos buracos do queijo flamengo,nos póros da nossa imaginação.Formigava no pingo de suor que escorria lento,curto e grosso pela orelha da avó e em raides
fulminantes,tresmalhava,espreitava e sumia-se como o ar em movimento.
Na sala ao lado - a rádio anunciava mais um ataque à função pública
e a verejeira,espartana mas exausta,finalmente poisava e sorvia no doce de tomate - o seu último desejo.Uma rendição.
A família em bloco,felicíssima - caíu-lhe em cima.Foi mesmo comovente ver toda a tribo unida em torno de uma questão concreta.
Reunidos entendemos não matar a varejeira como se mata uma qualquer mosca.Partimos todos em procissão e fomos depositá-la,
com o doce de tomate irrepetível,junto de um magnifico cipreste.
Regressámos - em silêncio.A lua ainda estava cheia.O Voo do Moscardo - oferecia-nos os últimos acordes.
Após o repasto,dispersaram os convidados e alguém se lembrou de
Rimskikorsakov.
A noite - quente -esplendorosa e sempre poética caía em nuances
polícromas - as cigarras ensaiavam cânticos sedosos que afloravam
a folhagem.O silêncio melódico estava reposto e a lua cheia tão linda,
desenhava no chão os recortes da casa,iluminava os nossos corpos.
Cantava.
Estávamos no campo,no mar arável das videiras.
Apesar do êxtase a família residente ainda se propôs ouvir o espargir
da água na rega automática.
Entretanto a paz onírica foi interrompida abruptamente e a família
unida - declarou caça a uma mosca varejeira que distraída das regras
democráticas entendeu devassar a cozinha.
A mosca,de facto,era um espectáculo - uma verdadeira besta de insecto.Enorme de asas,gorda,cor do petróleo,patas felpudas,celulite irreversível.Uma suculenta matrona.
Alguém afirmou ter-lhe visto uma cremalheira panorâmica de alvos
dentes aguçados.Na verdade não tinha lábios - exibia com mau gosto erótico uma beiça,tipo ventosa e cheirava a orçamento do estado.
Resultado - mobilização geral.
Em zig-zagues acrobáticos sobre as nossas cabeças,bufava,zunia,
zumbia zumzuns,riscava o espaço com uma baba fluorescente.Quase
política de direita,esfregava tímida as patas dianteiras e discursava arrogante sem aplausos nem substância,ao seu jeito - fluente palha
e em falsete.
Onde poisava deixava marcas,ameaças,impropérios,prepotências
e algumas rezas.Mostrava de quando em vez os olhos fulvos em desafio à lua cheia.A espaços tremulava as asas que pareciam bracinhos,como se fosse uma libelinha.Queria não parecer uma mosca varejeira.
Conclusão - na ausência de uma política coordenada e eficaz para a segurança dos cidadãos - voluntários - movemos-lhe caça cerrada,
meticulosa,com estratégia e tácticas cientificamente aceites na comunidade europeia.Utilizámos códigos em surdina,transmissões
gestuais - armas em riste.
Para a família a questão era tribal e honorária.Fervia-nos o sangue
nas coronárias e houve mesmo alguém que gritou - abaixo a mosca,
viva a liberdade.
Enfim - até o doce de tomate ,caseiro,que demorou à nossa avó seis
horas a cozinhar em lume brando,colher de pau em tacho de barro -
tomates sem pele nem graínhas,ao som da música - até o doce de tomate,cozinhado como quem vai a Fátima a pé lhe oferecemos de bandeja.
Demos-lhe poesia de Florbela Espanca,fizemos-lhe a mesa,demos-lhe
cama e roupa lavada.Estudámos em concílio improvisado o comportamento social dos insectos - chegámos mesmo a ler algumas
crónicas do Eduardo Prado Coelho - tentámos em pausas consensuais
alguns contactos políticos.
As incontronáveis férias são assim.As lojas do cidadão ficam desertas
ficam abertas apenas as maçónicas.O país encerra para transpirar e
até os políticos são considerados filhos de deus.
Entretanto a perversa mosca voejava na cozinha,mobilizava a família.Por vezes aparentemente brincalhona - saltitava nos ponteiros do relógio - escondia-se no buraco da fechadura da porta,nos buracos do queijo flamengo,nos póros da nossa imaginação.Formigava no pingo de suor que escorria lento,curto e grosso pela orelha da avó e em raides
fulminantes,tresmalhava,espreitava e sumia-se como o ar em movimento.
Na sala ao lado - a rádio anunciava mais um ataque à função pública
e a verejeira,espartana mas exausta,finalmente poisava e sorvia no doce de tomate - o seu último desejo.Uma rendição.
A família em bloco,felicíssima - caíu-lhe em cima.Foi mesmo comovente ver toda a tribo unida em torno de uma questão concreta.
Reunidos entendemos não matar a varejeira como se mata uma qualquer mosca.Partimos todos em procissão e fomos depositá-la,
com o doce de tomate irrepetível,junto de um magnifico cipreste.
Regressámos - em silêncio.A lua ainda estava cheia.O Voo do Moscardo - oferecia-nos os últimos acordes.
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