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A deshoras
vi barcos soltos
perdidos de azuis
e outros mares
colhiam beijos sem mácula
num afago de limos
amarados ao vento
inscritos nas paredes do cais
cumpriam uma rota
contra todos os destinos
quase (e)ternos
a desvendar palavras
em pleno voo
menos livres
que os pássaros
Livres para lá dos limites
num traço esgalhado a pulso
esculpidos no arvoredo
dormem como anjos
a fingir de pássaros
desenham barcos
no pomar das marés
para que tudo aconteça
passo a passo
por sobre as águas
sopram contra o vento
incansáveis
prisioneiros do sonho
Neste tempo antiquíssimo
de soluços e mãos dadas
as palavras sem abrigo
com asas enxutas
dedos rendilhados
procuram uma luz sem ameias
alento
para o mar crescer
nos teus olhos
Neste tempo de alaúdes
resiste ao pranto
o relógio de pêndulo
nas paredes da escarpa
desnuda-se a romãzeira
Na safra de outros mares
anoitecidas as brumas
um pássaro suicidou-se
por um grão de areia
flamejante no lado avesso da vida
nem uma lágrima deixou
no berço
onde medram os aloendros
Respeito os que têm
a necessidade de um deus
desde que não belisquem
a minha liberdade
Posso partir
mas não me vergo
nem perante mim
À flor das mãos
no espelho dos sentidos
quando te despes de tudo
para mover as águas
onde se purificam
os gestos mais íntimos
há um rio
que se transporta
desprendida centelha
que alumia as margens
para te ver passar
(reconstruído)
Após longos tempos na claustrofobia da cidade, por entre arestas, frinchas, esquinas e becos, decidiu arrumar tudo e partir.
Comprou um cão na berma da estrada e um punhado de terra. Construiu uma casa com vistas largas, um canil e um galinheiro. Desenhou no chão um espaço para a horta e começou a desbravar silêncios no silvestre rumor das árvores. Aprendeu a assobiar com o vento.
Levantava-se cedo para ver o nascer do sol. Dormia à tarde e levantava-se ao desnascer do dia. Trabalhava à noite ao som do jaze.
De quando em vez visitava o café do senhor Abílio para saber como plantar uma couve, que bolbos floriam em cada estação e acerca do míldio a propósito de umas videiras que medravam dispersas no terreno. Conhecia o nome dos pássaros pelo seu canto.
Nunca mais quis saber da cidade.
Um dia, após longos tempos, inconformado com o sequestro no paraíso, o Dique, que era de barro, disse-lhe:
- Pinta-me de azul, estou com saudades do mar.
- Também tu cão?