quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

DEZEMBRANDO






Numa lufada de mares desgrenhados
abri a janela
para recolher o vento

Extintos os presépios
regressámos à síntese da tua nudez
beijei
o espelho onde viajam
transmigradas
memórias quase perfeitas

Neste palco
abre-se o pano
cai o pano
não existe pano
o tempo passa

regressámos ternos e mudos
às precárias definições
ao corpo lindo das metáforas


Eufrázio Filipe

sábado, 16 de dezembro de 2017

O NATAL VAI COMEÇAR




O Inverno purifica. 
Sacode-se nas árvores penadas, inventa polícromos arco-iris, manifesta-se lúcido contra a perfeição, faz trejeitos ao rosto. Ri-se nos olhos de toda a gente. 
Lá no alto, por cima das nuvens de chumbo, levanta a voz dos relâmpagos e às primeiras pancadas de Moliére, abre o pano.Vem ao palco e anuncia: 
Senhoras e senhores a fábula"é uma pintura onde podemos encontrar o nosso retrato"
Que dia é hoje?
Silêncio. 
Senhoras e senhores ides assistir à mais fabulosa história da minha estação. 
As luzinhas furta-cores são as mesmas. O mesmo burro, o mesmo pinheiro,o mesmo musgo, as mesmas pedras, a mesma estrelinha no presépio. O mesmo rebanho, os mesmos pastores, a mesma palha, o mesmo bafo.
Ides ser cúmplices dos animais,dos anjos que vão cair nas chaminés, nos sapatinhos dos meninos ajoelhados- até que o galo cantará. 
Lá fora as ruas estarão um sonho - até nos olhos dos outros meninos, na montra dos céus. 
Tudo será luz nos corações vibrantes, menos nos olhos sem abrigo.
Aqui não há tempestades, só ventos fortes, água abrupta e belos relâmpagos.
Amai-vos uns aos outros
Eu sou o Inverno.
Não creio, mas o Natal vai começar. 


Eufrázio Filipe
"CAÇADOR DE RELÂMPAGOS"

domingo, 10 de dezembro de 2017

ARTESÃO DE METÁFORAS





Nas margens do rio
onde habito
respiram pautas desertos
retratos íntimos de flores
a preto e branco

repousam mãos famintas

Nas margens deste rio
quando a noite amanhecida
não dorme
ouvem-se pêndulos vagares
cadenciados
agitam-se os dedos

o tempo ousado dos poetas
que não eu
artesão de metáforas

No fulgor das águas
desprendo-me
a profanar metáforas
para ver mais claro
o teu corpo antigo baloiçar
nas paredes da casa


Eufrázio Filipe
"Chão de claridades"


terça-feira, 5 de dezembro de 2017

AMIGO DE QUATRO PATAS


 A pedido do meu neto reedito uma das dez" garatujas "que lhe desenhei por escrito 




Na rua chovia. As folhas das árvores caíam. 
Estávamos no Outono, mas hoje acordei com um sonho lindo. 
Apeteceu-me correr no jardim da escola, mesmo pelo meio das flores. Eu sei que não devia, mas apeteceu-me. 
Estou a falar de um sonho, porque a minha escola não tem jardim com flores. 
De repente tropecei numa flor com espinhos, caí, feri-me numa perna. 
Ali fiquei no chão com muitas dores a chorar. 
De repente apareceu um cão e assustei-me.
Não sabia o que fazer. 
Ele olhou para mim e lambeu-me a ferida. 
Cocei-lhe as orelhas e abanou o rabo de contente. 

Já acordado pensei no meu sonho lindo e disse 

Nunca mais corro pelo meio das flores, mas quero ter um amigo de quatro patas 


Eufrázio Filipe