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foto de Eduardo Gageiro
Observo como se move
a água do meu rio
desprendida
sem mácula nem lágrimas
nua de tudo
passo a passo
militante da vida
e verdades improváveis
com todo o tempo
para sonhar
move-se lenta
esculpe caminhos
muito antes de ser mar
Um dia sonharei
um sonho seu
acordarei uma vez mais
a fazer poemas
ou quase nada
É o sol que desponta
quando acendo um fósforo
e vejo como se movem as sombras
quando luz
e desfolha a noite
num sopro de lume
é o sol a raiar
que se deita no chão
despido de pétalas
a ouvir pássaros de ninguém
improvisarem hinos na folhagem
é o sol que se ateia silvestre
muito antes de ser dia
mas nem assim troco as tuas flores
por outras bandeiras
nem os teus lábios
por outros jardins
mesmo que o outro sol
adormeça de cansaço
as searas
Cansada de vicejar sardinheiras
na varanda do cais
afagar solidões
e outros desamores
desceu ao sopé da escarpa
desvendou-se
num coração de ave
reacendeu-se
no caminho do fogo
derivado ao vento
construiu um barco
sem pátria conhecida
e escreveu
nas paredes da casa
lindos são os desertos
cheios de gente
Se o Verão fosse um rasto de luz
com vida por dentro
um livro aberto sem repouso
alguém teria de lhe rasgar o ventre
mas o Verão é apenas sol
a queimar o que resta do pasto
tresmalhado pastor
rebanho sem memórias
um chão que dorme
à sombra do cajado
Que importa o Verão
se o teu corpo é de tempestades
e até parece que há sempre algo
que me pertence em ti
só de pensar
a pedra sobre a pedra
o verso e o anverso
Que importa o Verão
se o sol queima
e os cães ainda não acordaram
as sombras que ladram
estateladas
no outro lado do silêncio
Urbano Tavares Rodrigues, uma bandeira de cidadania e honra.
Um Homem inteiro - alentejano, escritor e comunista.
Uma voz que o fascismo não calou nem o regime democrático revelou como merecia.
O nosso Urbano, jornalista, crítico literário, e professor catedrático - legou-nos uma vastíssima obra para gerações de leitores.
Conheci o nosso Urbano pessoalmente e com ele fico - Homem generoso, sábio e firme nos valores universais que sempre defendeu.
Permito-me recomendar o seu "Bastardo do Sol " .
Não deixemos morrer os nossos mortos.
Nos subúrbios de tudo
mesmo junto aos meus olhos
desenham garatujas
no ar que se respira
em desassossego
num clamor de marés
voam de boca em boca
sem destinos
alimentam-se em pleno voo
de pequenos nadas
essenciais
para continuarem a ser pássaros
Estou a vê-los
aqui tão perto
que nem lhes posso tocar
de tão silvestres