skip to main |
skip to sidebar
"A profanação das metáforas"
(publicado em 1994)
Desprendemos os céus de todas as preces
regressámos às dunas sibilinas
alados azuis milenares
e começámos a escrever em liberdade
verdades improváveis
"Mar Arável" 1988
Minha jangada disponível para os lábios
porque reúnes tantas claridades?
e te entregas quase ilegível ao poema?
porque te espantas florida de pequenos nadas?
porque rebentas coração e te transportas?
porque finges ser jangada?
Morreu hoje um grande Homem
o poeta da luz interior
Não deixemos morrer
os nossos mortos
Livres
na placidez exuberante
livres
nas margens de tudo
sequestrados no paraíso
por relâmpagos
que nunca mais chegam
agitam inocentes
águas doces
em busca de uma luz
na sombra das pontes
quedam-se nos apeadeiros do rio
sussurram aladas
lágrimas correntes
num choro compulsivo
Nas margens de tudo
há um barco
que rema
os seus olhos
Neste porto desobrigado de fronteiras
e outros céus
vem à tona a energia imperecível
dos desertos
o perfil escarpado da luz
fragmentos de círculo
Nesta apoteose de neblinas
defino a brancura do teu corpo
de pátria movediça
como um prado onde refulgem
transfigurações de barcos
rumores de outros mares
Amo esta janela com vista para o vento
onde é possível ser eterno
por um instante
povoar o silêncio errante das metáforas
e viver apaixonado
no pulmão das marés
Sei que lanças pedras
com vida por dentro
para acordar os pássaros
escreves palavras
mais leves que as cinzas
sei-te encantatória
vertebrada
passo a passo
à vista das margens
a sulcar o rio
só não sei
porque te desnudas
nos olhos da folhagem
a remar as águas
desenho de ÁLVARO CUNHAL
Ao entardecer
um bando de pássaros
desenhou
na palma das nossas mãos
uma vida inteira
e tudo parecia
mais azul que os céus
No seu linguajar
mais alto que o voo
duas linhas paralelas aconteceram
prolongadas paralelas
que se encontram
aonde os olhos não mentem
Ao fim da tarde
tudo é mais claro
até a noite cheia
nos lábios da areia