Parti numa folha de papel por mares desnavegados, vales, rios e montes. Sem mapas nem estrêlas a despertar azinhagas e amoras silvestres.
Foi assim que tropecei numa aldeia - casas dispersas, outras geminadas, um café, uma taberna, uma capela, um pelourinho e um apeadeiro de caminho de ferro.
Uma aldeia linda, afagada por canaviais, chorões e o cantarolar de um riacho onde corriam em paz águas cristalinas.
O Café Moderno, no largo do pelourinho exibia um jogo de matraquilhos, seis mesas e um rádio antigo em voz alta.
- Como se chama a vossa aldeia?
- Bemposta. Diz a lenda que uma senhora real, muito bem vestida e triste, visitava aqui um aldeão. Chegava de charrete e partia, nua e sorridente.
O Alexandre é que sabe explicar estas coisas. Deve estar no apeadeiro.
No apeadeiro encontrei o Alexandre - um velho sentado num banco em frente à linha do comboio.
- Velho não, jovem com muita experiência.
Aprendi que a vida tem muitos apeadeiros mas aqui fiquei eternamente livre com uma mulher no coração. Uma santa mulher que me ensinava a contar pelos dedos todos os silêncios e a cantar baixinho para não acordar os pássaros. Uma santa mulher, mais linda que a Bemposta.
Nunca por aqui passou. Foi eu que a inventei.
Na memória essencial sou caçador de relâmpagos e o amigo que faz na vida?
- Sou artesão de metáforas.
eufrázio filipe
texto revisitado