domingo, 27 de dezembro de 2020

DEZEMBRANDO

 




Numa lufada de mares desgrenhados
abri a janela
para recolher o vento

Extintos os presépios
regressámos à síntese da tua nudez
e eu só podia fazer o que fiz

beijei
o espelho onde viajam
transmigradas
memórias quase perfeitas

Neste palco
abre-se o pano
cai o pano
não existe pano
o tempo passa

e assim regressámos ternos e mudos
às precárias definições
ao corpo lindo das metáforas


eufrázio filipe
(reeditado)

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

TUDO PELO MELHOR

 




Dezembrando
sem medos contra todos os vírus
tudo pelo melhor
em família e outros amigos


eufrázio filipe

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

SIMPLESMENTE CHOVIA

 




Na falda da escarpa
pela estrada fora
em todos os apeadeiros
chovia um rio sem margens 

água desprendida
não coada pelos céus

Sem dogmas
quase épica a chuva 
em cânticos solenes
purificava a boca dos amantes 

só queria dar às palavras 
a leveza das cinzas
despida de máscaras

mas simplesmente chovia


eufrázio filipe


quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

O APEADEIRO DA BEMPOSTA

 




Parti numa folha de papel por mares desnavegados, vales, rios e montes. Sem mapas nem estrêlas a despertar azinhagas e amoras silvestres. 
Foi assim que tropecei numa aldeia - casas dispersas, outras geminadas, um café, uma taberna, uma capela, um pelourinho e um apeadeiro de caminho de ferro.
Uma aldeia linda, afagada por canaviais, chorões e o cantarolar de um riacho onde corriam em paz águas cristalinas. 
O Café Moderno, no largo do pelourinho exibia um jogo de matraquilhos, seis mesas e um rádio antigo em voz alta. 
- Como se chama a vossa aldeia? 
- Bemposta. Diz a lenda que uma senhora real, muito bem vestida e triste, visitava aqui um aldeão. Chegava de charrete e partia, nua e sorridente. 
O Alexandre é que sabe explicar estas coisas. Deve estar no apeadeiro. 

No apeadeiro encontrei o Alexandre - um velho sentado num banco em frente  à linha do comboio. 

- Velho não, jovem com muita experiência.
Aprendi que a vida tem muitos apeadeiros mas aqui fiquei eternamente livre com uma mulher no coração. Uma santa mulher que me ensinava a contar pelos dedos todos os silêncios e a cantar baixinho para não acordar os pássaros. Uma santa mulher, mais linda que a Bemposta. 
Nunca por aqui passou. Foi eu que a inventei. 
Na memória essencial sou caçador de relâmpagos e o amigo que faz na vida? 

- Sou artesão de metáforas. 



eufrázio filipe
texto revisitado

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

A VOZ OCULTA DA LUZ

 





As pedras marinhas de tão azuis
regressam à tona
juntam-se para respirar
a paciência das aves

viris e soltas povoam afluentes puríssimos
respiram fundo pelas narinas do vento

(talvez por isso queiram voar
contra o rosto das palavras
ou pairar como sinais de penas)

As pedras marinhas reanimam 
a voz oculta da luz
que se quer liberta insofrida

a coragem de lutar sobre ruínas


eufrázio filipe