quarta-feira, 31 de agosto de 2016
quinta-feira, 25 de agosto de 2016
A SEDE DO ENTARDECER
Nem o mar sabia
entardecer
numa folha de papel
esculpir em síntese
a tua nudez
Nem o mar sabia responder
a tanto azul
nem eu sabia que tardavas
mas chegavas
chegavas chegavas
nunca mais acabavas de chegar
a tempo de plantar
uma árvore
que se desnudasse
folha a folha
Nem tu sabias senhora
neste deserto
a sede do entardecer
Eufrázio Filipe (2010)
sexta-feira, 19 de agosto de 2016
A DARDEJAR POR SOBRE AS PEDRAS
Passo a passo
no desassossego das marés
inconformado
desde o primeiro grito
atravesso por um fio
a distancia que nos aproxima
trespasso
volvidos tantos mares
na presença límpida
de uma flor
este chão de náufragos
passo a passo
pétala a pétala
em pleno voo
desvendo-te
a dardejar por sobre as pedras
Eufrázio Filipe
(reconstruído)
domingo, 14 de agosto de 2016
DESVENTOS
No espelho das águas
sacudi amarras
a preguiça das marés
Não chovia
em redor dos teus olhos
mas quando te recolhi
numa folha de papel
incomensurável e linda
uma brisa
sentou-se na cadeira vazia
e nós começámos
a lavrar areias
a desbravar um poema
Estava tão aceso o mar
que nem pareciam azuis
os teus olhos
Eufrázio Filipe
(poema reconstruído)
terça-feira, 9 de agosto de 2016
A SENHORA DA LIMPEZA
Antes de chegar às galerias, identificaram-me com um sorriso.
Subi no magnífico elevador, conduzido por um delicado polícia.
Sentei-me nas galerias e olhei para baixo.
Lá estavam os representantes da nação. Os eleitos da república. A palavras cruzadas, as ideias esgrimidas, as bandeiras nas lapelas, os passos perdidos. As palavras os gestos os silêncios. Os crentes e os farsantes. Desiguais.
Inocente,segredei a um jovem cabisbaixo, companheiro de galeria:
- " coisa linda esta democracia"
Lá em baixo também estavam os meus, pouco numerosos ainda mas a combaterem pelas minorias que vivem nos subúrbios de tudo.
Lá em baixo quase todos esquecidos de subir os olhos para as galerias, tricotavam a verve, gesticulavam poses de verniz.
De quando em vez disparavam blasfémias, partilhavam impropérios para mais tarde se abraçarem à hora do repasto.
Inocente o jovem cabisbaixo segredou-me:
- "comigo um dia isto será diferente"
Terminada a sessão plenária os deputados saíram como estava previsto. O amplo salão ficou vazio, soberbo e solene.
O salão ficou a registar memórias e eu deixei-me ficar até ser convidado a sair pelo mesmo delicado polícia.
Como foi o último plenário antes das férias de Verão, resolvi festejar em silêncio.
Procurei um restaurante no belo bairro de São Bento e sentei-me à mesa.
Pedi o prato do dia.
Serviram-me um discurso de Passos Coelho. Rastejante. Intragável.
Fechei os olhos, abri os olhos e pedi o livro de reclamações.
Levantei-me da mesa sem pagar. Os empregados ficaram a ler o meu protesto.
Lá fora ainda ouvi alguns aplausos mas fiquei na dúvida quanto aos seus votos.
Dei uma volta ao quarteirão e na passagem ainda olhei para o magnífico edifício.
Para meu espanto a porta rangeu.
Começou a abrir-se lentamente.
Era a senhora da limpeza.
Eufrázio Filipe
Publicado (reconstruído) no "CAÇADOR DE RELÂMPAGOS " 2010 "ÂNCORA EDITORA
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