skip to main |
skip to sidebar
publicado no meu"Caçador de Relâmpagos"
No chão dos marnotos caminhamos azinhagas,comemos amoras,tropeçamos memórias, pedras, pérolas e pó - para compreendermos melhor as palavras de carne e osso - até as metáforas se ajoelharem, como pequenos deuses inúteis à nossa mesa.
Só depois provamos o sal das marinhas. A safra.
O tempo dos homens que chafurdam no moliço.
A distância que nos atrai e separa, a pele esfarrapada para resistir aos Invernos, mastros de flores salgadas nos olhos distantes, a gatinharem no tempo, até ao aborrecimento final.
Após a "bobadela" a marinha começa a parir uma massa branca, que envaidece os homens quando se olham nas sombras curvas projectadas na água.
O sol aparece ao ar livre. Reunido em montículos junto aos tabuleiros das marinhas - aí fica a escorrer as últimas lágrimas.
Depois é o marnoto que enche canastras transportadas à cabeça dos moços-Depois é sempre assim. O mesmo peso até estar construído o grande cone branco.
Antes de regressarmos às azinhagas e comermos o resto das amoras, os homens reúnem-se ao cair da noite, para festejar.
Enquanto se embebedam, cantam com a ajuda de uma gaita de beiços. Há sempre um que vomita e volta a cantar.
São os rudes corações de oiro, meninos triturados, construtores de marinhas valentes. São os que transformam água em pão, enquanto à nossa mesa se ajoelham as metáforas.
Quando te despiste
à janela
ainda não tinha começado a Primavera
Em flor
à sede de uma luz
um bando de pássaros
irrompeu os céus
pintou-os de azuis
para alumiar o chão
de pétalas
Quando te despistes
não deixaste de ver
relâmpagos
nos jardins
amplas claridades
Nos mastros mais altos
tão doces em bando
passavam a cantar
para alívio da voz
só faltavas tu
réstia de vento
Acendi um fósforo
fechei os olhos
abri os olhos
para ver quase tudo
mas quem sou eu
para alumiar caminhos?
Quando invoco relâmpagos silvestres
é para assustar os pássaros
adormecidos no baloiço das marés
levo à boca
os teus lábios
e assim ficamos
desgrenhados
a respirar
Por entre margens e pontes
transportavas um rio
à cintura
não preciso procurar
as tuas mãos
já habitavam a casa
mas quando um sopro
matinal
à hora dos pássaros
te desfolhou os cabelos
fiquei preso
no espelho dos teus gestos
Transportavas um rio
à solta
por entre os dedos
nos olhos
um sol
em movimento
Álvaro Cunhal (desenho na prisão)
A noite estava tão fria
desencantada
anoitecida
nos ramos das árvores
e os cães uivavam
para as estrêlas
Íntegros por sobre as pedras
no caminho das águas
traçávamos linhas
a carvão em folhas de papel
ousávamos transgredir
à tona dos lábios
o fulgor alumiado
dos cristais
Estava tão frio
mas nas ruas despontavam coros
centelhas de cravos
pavios
na boca das sementes
para alimento dos pássaros
As andorinhas chegaram mais cedo
ao seu ninho preferido
o de sempre
Os senhores do mundo
que não são os senhores da vida
designaram dias
para todos os santos
criaram
não o dia das andorinhas
mas o dia da mulher
Na verdade dos desertos
há flores nas areias
mulheres que valem por si
atravessam oceanos
rasgam o chão
São as mulheres que amo
com asas
sem muros nem amos
Com os barcos às costas
num sopro de vento
de porto em porto
a dobrar esquinas
a desbravar mares
a comer pedras sem destino
construtores de lonjuras
irreprimíveis
para lá das trapobanas
contra torvelinhos
silvestres
a domar escarpas
ao sabor das aves
que de tão abruptas
só poisam nos mastros
Num sopro de vento
andamos por aí a desbravar
arestas ruínas tempestades
até as águas correntes
se libertarem das crinas
invadirem o chão
para desassossego das sombras
De porto em porto
até a luz se fazer dia