domingo, 30 de maio de 2010
À FALA COM OS CÃES
No bulício dos silêncios
um coro a restolhar
contra o tempo que faz
despertou-me para a fala
com os cães
Acordavam em flor os jacarandás
quando fixámos os olhos
no teu ninho devoluto
e sublinhei com um dedo
molhado nos lábios
uma frase inscrita
no portão da casa
infinitésimo é o pensamento
Indiferente chegaste e partiste
fora do tempo
nas mesmas asas
deixaste um rasto trinado
que guardo no meu búzio
de mãos nos ouvidos
À fala com os cães
os pássaros públicos renovam-se
na minha escarpa
mas é preciso intervir
para evitar o suicídio
dos jacarandás
quarta-feira, 26 de maio de 2010
OS DIAS CONTADOS PELOS DEDOS
Parecia que a chuva estava cansada
de cair neste chão
muito antes de rebentar a sombra
das videiras
mas de tanto azul
no outro lado da serra
ainda há mar bastante
mais que céu
para as aves circularem livres
nas nossas mãos
Cúmplices sabíamos que a água
não caía dos teus olhos
nem dos meus
nem do rumor das fontes
nem dos céus vertiginosos
tão só
caía
Sabíamos que um dia ía chover
na escarpa onde nos despimos
sem esquinas nem becos
só não sabíamos os acordes
das maresias
para merecermos os nossos lábios
os dias contados pelos dedos
quinta-feira, 20 de maio de 2010
COMO SE FOSSEM PEDRAS
Mal amados
com um nó na garganta
os barcos desaguam no cais
despidos de velas
adormecem
carregados de sonhos
Talvez à míngua dos seus olhos doces
um fio de água se ateie
e lhes devolva a voz
no intervalo das areias
ou na aprendizagem do voo
soltem aves
como se fossem pedras
quinta-feira, 13 de maio de 2010
ADEUS À VIRGEM
Sócrates - óbvia mente - sem motivações evangélicas, não pode eximir-se à condição de carregador de recados.
Na verdade o 1º ministro - responsável por dar o rosto à prática das políticas anteriores, agora pressionado pelo sistema das grandes famílias , pia mente assumiu em nome do velho bloco central, ser campeão europeu na defesa do euro.
Estratega por conta de outrem, obediente e servidor, dá o dito por não dito, em quinze dias.
Precisa mente hoje - após o adeus à virgem - reuniu os ministros da república para ratificar as notícias da comunicação social com um acordo de cavalheiros.
Receio que Sócrates prossiga a sua cruzada, no intervalo do Portugal/ Brasil em futebol.
Sócrates e Passos Coelho sabem que o país dorme - mais profunda mente nas festas.
sexta-feira, 7 de maio de 2010
ANTES DE PÉ
Há uns dias disse na apresentação do meu " Para lá do azul " que a vida pode ser vivida sem poetas, mas nunca sem poesia.
Hoje apetece-me dizer - europa pois claro - mas não esta - vulnerável e cordeira, sem dimensão social evolutiva, a fingir de coesa, culta e solidária, a reboque do dólar e das agências americanas de rating.
Europa pois claro - mas não com o euro de joelhos perante um sistema selvagem
de arbítrios, a mando dos promovidos a donos do mundo, a saque nas mãos de um punhado de famílias nas duas margens do Atlântico.
Esta europa está à espera de quê - nesta liturgia penosa que expropria direitos
adquiridos aos pobres para os emprestar a juros altos aos pobrezinhos.
Esta europa está à espera de quê?
Com excesso de chefes e na ausência de lideranças credíveis, esta europa pífia,
revela incapacidades estratégicas para a construção de um espaço comum,
no respeito pela diferença - provoca inevitáveis revoltas, justas, globalizadas -
mobiliza o incomensurável exército dos pobres, cada vez mais arredados
nos subúrbios da vida.
Esta europa está à espera de quê?
Que os povos espoleados peregrinem silenciosos rumo à indiferença?
Que a esperança bendita nos céus calem os vulcões?
Antes nas ruas, em protesto.
Neste chão - antes de pé.
segunda-feira, 3 de maio de 2010
PARA LÁ DO AZUL
Foi um agradável momento - um encontro de amigos - a apresentação pública do meu " para lá do azul "
na galeria Augusto Cabrita no Seixal
... ... quando um dia escrevi - " hoje acordei a fazer versos ou quase nada " sabem a que horas acordei? A deshoras.
Estavam ainda os barcos de remelas no cais e uma senhora que inventei de cabelos brancos a tricotar nos mastros mais altos
os meus melhores sonhos e outros destinos
a apontar infinitos desconhecidos
que sempre me atraíram
Essa senhora é a pátria dos meus "vagarosos instantes"
a içar velas, a partir e a chegar
um chão de espumas a marulhar silêncios partilhados
Talvez por isso, um outro dia escrevi " sopro-te e voo "
Foi quando a senhora de mim me ofereceu uma flor vermelha
para nidificarem as marés
e eu respondi
Estas são " palavras vertebradas " escritas à mão
no branco dos seus cabelos
porque a vida pode ser vivida sem poetas
mas nunca sem poesia
Após um breve silêncio pareceu-me ouvir
" Para lá do azul "
talvez ainda seja mar
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