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Nas fissuras menos conhecidas das pedras
navegam sargaços de cristal
move-se um coração de ave
água possuída de viagens
que o sol lambe em alvoradas
Na mais dura pedra um barco
com gestos a dardejar
desperta animal no próprio corpo
margens
voz
arestas
como se houvesse princípio para a fala
Na mais dura pedra a explosão
secreta dos corais
um pequeno sinal de vida
incontido
à beira do desejo e amanhãs
nesta pátria de náufragos
adentro
Nas fissuras menos conhecidas das pedras
uma asa suspensa
voa na luz
despe-se de tudo
participa
na desordem dos espelhos
Eufrázio Filipe (2007)
Na ausência de palavras
desenhei uma flor encarnada
neste chão de marés
soltei-lhe as pétalas
cadenciadas
silvestres
musicais
agarrei o vento pelas crinas
esculpi um grão de areia
para a vida despontar
num sopro
e a luz se libertar
pelas fissuras da pedra
convoquei pássaros
resgatei memórias
e outros silêncios
escrevi de novo
verdades improváveis
Inesperadamente
hoje não quis salvar o mundo
Eufrázio Filipe
Com olhos cheios
de pátrias desnavegadas
no fulgor das águas
reparti a escarpa
com mãos inteiras
regressei ao poema
plantei uma flor
mais vermelha
que os teus lábios
nas paredes do cais
Dulcíssimos e medrosos
os cães ladraram
ao portão da casa
soltaram os barcos
à hora dos pássaros
para desespero dos náufragos
e das Primaveras
Eufrázio Filipe
Feríamos a água
de tanto remar
e nem sabíamos bem porquê
estávamos no tempo dos jacintos
e queríamos inexplicavelmente
ouvir a sabedoria das marés
a respiração dos sapais
semear gestos nos sulcos da água
Clandestinos lá fomos devagar
à descoberta do princípio do mundo
prateados como os olhos dos peixes
e os arados
humedecidas pela brisa
lá estavam as sereias no seu refúgio
em lençóis de linho e púrpura
sitiadas à nossa espera
a cantar os novos impérios
e nem sabíamos bem porquê
Eufrázio Filipe
(A profanação das metáforas)
Inventei uma pedra
com vida por dentro
rasguei uma janela
para ver este chão de mar
e nem me perguntei
se os peixes em cardume
se alimentavam
de poemas ou destinos
os sinos dobravam no cais
onde rangem os mastros
Inventei uma pedra
profanei metáforas
neste itinerário sem grilhetas
vagaroso nesta pátria de náufragos
pousei nos teus cabelos
para salvar os meus olhos
Eufrázio Filipe
Lá no alto
enleado na paisagem
respira
transparências fugidias
palavras inquietas
estranho amante
no baloiço das marés
desobrigado de céus
e outros destinos
por entre braços de araucárias
sem ameias
lá no alto
à tona dos ventos
a soletrar pelos dedos
caminhos insondáveis
que bom este cansaço
movimento
de asas remos e passos
Eufrázio Filipe