sábado, 30 de maio de 2009

GRACIOSA MEU AMOR

Um dia escrevi que tínhamos por regra familiar - dar nome às nossas galinhas. Eram as primeiras. Só queríamos olhá-las nos olhos e recolher os seus ovos.
A Graciosa - recordo-me como se fosse hoje - destacou-se no snooker em vésperas de uma campanha eleitoral.
Creio que foi a sua primeira partida.
Reunidos em família a propósito da preferencia das andorinhas para o seu primeiro ninho no nosso espaço, sentámo-nos à mesa. Iniciámos o repasto - abruptamente interrompido.
- Pai - parece que estamos a comer a família.
Levantei-me e perguntei.
- Não me digam que é a Graciosa.
Ninguem respondeu.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

NA FOLHAGEM DAS CEREJEIRAS



Numa perfeita harmonia dissonante
hoje os pássaros acordaram loucos
mas os teus olhos não

errantes como frutos amovíveis
pestanejam vertebrados

quase indecifráveis
deixam na poalha
um rasto fluorescente
para as aves se guiarem

desafiam tudo
até os infinitos tangíveis

ousam rasgar nas sombras
breves instantes interditos
desnudam-se em centelhas
e outras claridades

É nesta folhagem das cerejeiras
que os desoculto
de tanto olhar

segunda-feira, 18 de maio de 2009

SÓ PARA TE MOVER


Perco-me no sussurro branco
de uma folha de papel
onde tudo é mais azul
quando as flores e os animais
se desnudam
bailam
em tatuagens solares
nos nossos corpos

Reencontro as mãos sobreviventes
os passos assimétricos
o ritmo desgrenhado das marés

Penso risco traço
moldo rasgo esculpo
um grão de areia
só para te mover

formosa duna

terça-feira, 12 de maio de 2009

SOPRO DE VENTO



Tão longo é o caminho
que nos sustenta

a nudez da fala
que nos liga

Por vezes
basta uma brisa
na constelação dos azuis
para atear as águas

Na verdade
até onde chegam as marés
mesmo que se rasguem
as palavras
não há fronteiras

para um sopro de vento

sexta-feira, 8 de maio de 2009

SEIXAL - SOMOS TODOS NÓS



Amanhã e no cumprimento do programa dos 35 anos do 25 de Abril, a Câmara Municipal do Seixal tomou a iniciativa de convidar todos os autarcas, de todos os partidos políticos eleitos desde as primeiras eleições, para um encontro convívio.
Entendeu ainda editar e oferecer neste encontro um livro de memórias com alguns textos meus àcerca da gestão no poder local democrático.
Grato - dou nota pública da iniciativa

segunda-feira, 4 de maio de 2009

A DUNA SOU EU




Enquanto aquele anjo permanecer nas areias, bem pode o vento soprar


- O cão ou o velho?


Lentos, tropegos, com os pés a tracejarem os caminhos de sempre, todos os dias aquelas almas percorriam memórias.

O cão - mais velho que o dono - era o guia, a sua bengala de cego.


Pela orla da praia, desde a gruta onde viviam até à colossal duna, abrupta sobre as águas, as aves marinhas mergulhavam a pique e esbracejavam só para os salpicar. Lá íam - serenos - livres - sem palavras - imensos.


No ar o sussurro dos silêncios embalava-lhes os passos num concerto de maresias.


Chegados ao topo da montanha era sempre assim - o velho afagava as orelhas do cão e o cão lambia-lhe as mãos.


Sentados - respiravam infinitos - o perfume das algas - adormeciam no tempo.


Ao longe, muito ao longe - alguém de um barco bramou

- Fuja - a duna vai desmoronar-se.


Imperturbável respondeu baixinho para não acordar o cão.


- A duna sou eu.