domingo, 26 de dezembro de 2010

BOAS JANEIRAS

Gustav Klimt

DEZEMBRANDO
PARA TODOS
BOAS JANEIRAS

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

UM DEUS ENTRISTECIDO



Não são os teus olhos meninos
que me doem
mas a expressão
de um deus entristecido
que não canta

por falta de espaço

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

ONDE ESTÁS A PRETO E BRANCO ?




Depurei a luz
de um feixe de sombras
até entrares no porto
vestida de negro
contagiada pela liturgia
de um bando de estrêlas

Olhei sem ver o improvável
e fiquei preso por um fio
no olhar de ti
menina em botão vermelho

Lá fora medrava o sargaço
nas águas quedas da ria
e os barcos em preces recolhiam
ao cais com areia
um tempo por entre os dedos
sem palavras nos lábios

Seja a que horas for
onde estás mulher inteira
aqui tão perto das margens inventadas?

Onde estás a preto e branco
para transportarmos
mais este chão?


quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

POEMAS NO REGAÇO

imagem de Laura Tilinghast

A noite doía

de tantos passos em claro

o rio estava cansado

de tantas águas deitadas ao mar

mas foi neste leito

síntese de todas as cores

que quisemos habitar

infinitos

musicais

quase eternos

por um instante

Quando tentei explicar

o trajecto do rio

molhei o indicador nos teus lábios

tracei na parede do quarto

uma coisa linda

do ventre até à foz

e uma pétala solta

se tornou asa

contra o sossego dos pássaros

Só então compreendi

porque foste tu

a única a desaguar

com poemas no regaço

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

CAÇADOR DE RELÂMPAGOS (contos)


Joaquim Letria (jornalista e professor)Alfredo Monteiro (Presidente da Câmara M.do Seixal)Eufrázio Filipe (autor) Maria Amélia de Carvalho (mel de carvalho - socióloga e poeta) António Baptista (editora Âncora)

A apresentação pública do meu "Caçador de Relâmpagos" foi um encontro de amigos.
Grato aos presentes e a tantos que se manifestaram com beijos e abraços.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

CAÇADOR DE RELÂMPAGOS (contos)



Bem-vindos a este encontro de amigos

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

SOLTAR OS PÁSSAROS

publicado no "Para lá do azul"



Os cães choravam em silêncio
e eu não sabia porquê

Pensei no pobre limoeiro a afundar-se

lá onde nidificam toupeiras

ao entardecer

na estrela persistente

que viceja à noite no portão

nos olhos claros de um certo azul

que ilumina a casa

no desfolhar ensombrecido

das roseiras

Vasculhei tudo

invadi searas proíbidas

até ao mais íntimo da pele

pó, sombras, sonhos

Perguntei-te - quando desaguas ?

e tu desaguaste à janela

a marejar entristecida

e eu não sabia porquê

Foi quando os cães se levantaram

para soltar os pássaros


terça-feira, 23 de novembro de 2010

domingo, 21 de novembro de 2010

NATO - OS PREDADORES FUNDIDOS?


Como se fosse uma inevitabilidade a existencia da fome e da guerra
a falta de respeito pela diferença de género, culturas, tradições e pensamento - a colossal Nato reuniu em Lisboa, para anunciar ao mundo o que estava préviamente acordado nos subterrâneos da hipocrisia. - isto é - o seu reforço de intervenção militar, com recurso a uma nova geografia no terreno, partilha financeira e uma nova imagem branqueada da acção predadora dos E.U.A.

Por cá tudo bem - a avaliar como de modo próprio considero a "histórica" cimeira - com factos políticos da "máxima importância"
para a projecção internacional do nosso país - neste desconcerto de nações.
Verifiquei como alguns protagonistas se assumiram - tartufos, indecorosos e vassalos - almas penadas.
Eis alguns exemplos

Cavaco de mãos pedintes estendidas a Obama
Sócrates em corridinhas atrás de Obama
A filha do ministro na foto com Obama
A frustação da polícia por não ter de intervir
A tendência da Nato para um dia se declarar organização de caridade
O material bélico comprado sem concurso que não chegou a tempo da cimeira
O reforço da GNR no Afeganistão
A coleira de cortiça para o cão de Obama
A Europa ajoelhada
Os predadores fundidos


segunda-feira, 15 de novembro de 2010

BARCO DE REMAR


A remar águas e ventos
numa orgia de rotas
e salivas sem destino à vista
encontrei na margem
uma pedra
com vida por dentro
exilada no espelho do rio
a amanhecer
no ressoar das marés
Juntei-me ao seu corpo
convergi na paisagem
subscrevi-lhe as pautas
os improvisos
e ali mesmo desconstruímos
a recusa do impossível
aprendemos que nada
é completamente inútil
muito menos a magia do tempo
que transportamos
portas abertas
janelas escancaradas
por onde inevitável
circula o pó
e tudo se move
até os velhos pássaros refulgentes
que libertámos dos lábios
em pleno voo (e)ternos
num barco de remar


terça-feira, 9 de novembro de 2010

DESLAÇAS-TE



Nas paredes mais navegáveis da casa
os teus retratos a preto e branco
com muitas cores
soltos de margens

são meandros vertebrados

onde cantas silêncios

em campânulas de sons

ateias relâmpagos por entre vagas

desmandas sílaba a sílaba

remoçada de lábios

o esconderijo das palavras

Quase silvestre e maternal

dedilhas fios de linho

no tear onde te oiço

sussurrar claridades

passos remos e passos

Nas paredes mais navegáveis

navego-te os timbres

até à fímbria de um sopro

onde emerges em flor

nos meus olhos

Deslaças-te


sexta-feira, 5 de novembro de 2010

COMO TE VEJO

publicado no "Que fizeste das nossas flores"

Ainda não aprenderam

os meus olhos

a verem-te

como és

mas apenas como te vejo


sábado, 30 de outubro de 2010

A SEREIA



Já a idade das sombras era massacre quando o arquipélago se precipitou nas águas. Só os cavalos salgados de ventos e marés percorriam caminhos alados. Palavras infinitas na boca dos naufragos.
As ilhas já quase não se falavam. O país estava sequestrado nas mãos de um punhado de abutres que entenderam convocar uma assembleia para decidir a vida ou a morte do arquipélago.
Estávamos no Outono. Só as folhas caíam mas estupidamente fazia sol no chão das romãzeiras.
Nas águas uma frota de barcos brunidos desembarcava a nata da nação na ilha mais inacessível aos naufragos.
No mais profundo silêncio fardadas diligentes meninas esculturais gingavam-se de avental com rosas embutidas - ofereciam-se em bandejas de frutas tropicais e cálices de vinhos generosos - à canalha.
De quando em vez em parelhas sorriam venenos para um fotógrafo de família e por ali ficaram pela vida fora em conversas de palha até ao pôr-do-sol.
Ao tocar a campaínha todas as sombras entraram no auditório. Uma generosa sala de lustres com palco ajardinado ao fundo onde magestoso o chefe com os seus sub-chefes aguardavam o momento solene. Nas suas costas pendiam sonâmbulas e sofridas as bandeiras de cada ilha.
Com uma hora de atraso a magna reunião dos donos do arquipélago estava para se iniciar à porta fechada quando um cretino solicitou à mesa para se ausentar por cinco minutos.
Tolerante o chefe máximo do pessoal menor concedeu os cinco minutos.
O cretino levantou-se. Tentou acender a luz da casa de banho. Nada. Acendeu o isqueiro para localizar o urinol. Nada. Aflito urinou no lavatório mas antes já tinha mijado nas calças e foi assim que cumpriu os cinco minutos.
A reunião nacional começou com a solicitação de intervenções curtas para recuperar o tempo perdido uma vez que a ordem de trabalho tinha sido préviamente distribuída.

- Há inscrições?

De novo o cretino se levantou ergueu o braço direito para exalar o perfume preferido no seu sovaco. A esmeralda do seu botão de punho - e foi assim tartufo que solicitou à mesa ;

- Proponho que tudo seja aprovado por aclamação.

Após a anuência do chefe a evolução na continuídade estava aprovada com uma saraivada de palmas que só foi interrompida pela doce e profunda voz de uma sereia autêntica - que trespassando as paredes do auditório - proclamou:

- Estais condenados. Estas ilhas estão rodeadas de sonhos.


sábado, 23 de outubro de 2010

O PÃO CRESCEU NAS NOSSAS BOCAS

publicado no "Para lá do azul"

Ver-te assim tão indecifrável
nos contornos e nas arestas
ancorada nas marés
em chama viva
a entrar pela casa vazia
sem desistir dos silêncios
a resistir mesmo quando doem
os passos e as pontes
fez-me pedir ajuda
a um cântaro de água fresca
às pedras que cantam e tropeçam
nos pés das videiras
Foi assim que nos despimos
e vindimámos
para os barcos cumprirem
o seu efémero destino
As uvas morreram nas tuas mãos
mas o pão cresceu nas nossas bocas


domingo, 17 de outubro de 2010

FLORES DE ESPUMA

publicado no "Que fizeste das nossas flores"

Um círculo de garças
nem brancas nem esguias
adormecem nos barcos ancorados
com olhos excessivos

Nesta ilha sem vista para o mar

navegam águas improváveis

faúlhas num incêndio

de partículas sitiadas

Aqui paira o aroma da cânfora

em ressonâncias quase divinas

pousam lábios em cálices de cicuta

O mar não é sempre azul

e talvez por isso se agite

nos mapas imaginários

rasgue caminhos

para não se perderem os náufragos

Nesta ilha de bálsamos

onde os destinos se desmentem

afagamos ruínas soltamos hinos

por sobre a memória das pedras

damos voz aos silêncios

até que as garças

se tornem brancas e esguias

como flores de espuma


segunda-feira, 11 de outubro de 2010

NA PASSAGEM

publicado no "Para lá do Azul"


Abro o pano
cai o pano
não existe pano
o tempo passa
trespassa
a passo
voa

para lá do azul
nem uma pedra
na passagem


quarta-feira, 6 de outubro de 2010

OUTONO

publicado no "Para Lá do Azul"

Uma folha
caíu
simplesmente
aos teus pés


segunda-feira, 4 de outubro de 2010

100 ANOS DE REPÚBLICAS



No seu "reinado" o ditador Salazar chegou a tentar o regresso à monarquia, pelo que os festejos dos 100 anos de repúblicas acontecem no país de modos distintos - conforme o povo e os "barões assinalados".
Do grandioso baile da república na Fonte Luminosa a uma tourada não sei onde, tudo é possível nesta terra dos Lusíadas - até cerimónias e eventos dignos do 5 de outubro.
Por mim me confesso - alérgico a santos, reis, heróis, chefes e patrões.
Como não podemos mudar de povo - continuo a sonhar no dia em que se " levante do chão" .


segunda-feira, 27 de setembro de 2010

ROSA FOLHEADA

publicado no " Para lá do azul "

Amanheci
a desenhar
o teu corpo
para desfolhar
uma rosa
Porque não uma rosa?
Todas as flores
se desfolham
Também tu Rosa

terça-feira, 21 de setembro de 2010

VENTO DESGRENHADO





Tinhas um quase deus escondido
no oráculo das mãos
todos os azuis descompassados
à hora incerta das marés

e foi assim que acordaste
sentada no cais
a celebrar o único barco
que se fez ao mar
para te prender ao voo dos pássaros

e foi assim que soletraste
os miríficos relâmpagos
floriste em concha
soltaste areias por entre os dedos

até o vento desgrenhado
te afagar as tempestades

terça-feira, 14 de setembro de 2010

CLARIDADES

publicado no "Que fizeste das nossas flores"



Os objectos movem-se
nas paredes da casa
enquanto a luz vertebrada da vela
se consome em babas de cera

porque somos frágeis como o cristal
e por vezes mais fortes que o seu brilho

Nas cabeleiras deste lume
ardem palavras de sonho

mas não as suas claridades

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

AS PRIMEIRAS CHUVAS



Desponta Setembro
neste jardim de desassossegos

outros céus
pássaros
e cores

mas só nos teus braços
em flor adormecem
as primeiras chuvas

vicejam ainda tímidos
os relâmpagos
à sombra das romãs

e já é tanto


quinta-feira, 2 de setembro de 2010

BREVE SEARA





Quando na limpidez dos silêncios
esculpida no espaço
dançaste em pontas
num palco de areias
por sobre as videiras
mais leve que o vento
eterna por um instante
despida de tudo
neste mar de terra arada
eu já tinha a tua sombra
projectada num lençol de linho
só me faltava a luz em arco
construir pontes
para não ferir as águas
Eu já tinha a tua sombra
quando em silêncio
as escarpas vindimadas
te colheram em pleno voo
livre
musical
num sonho de mãos inteiras
flores azuis e uvas maduras
nas paredes da casa
onde se deitam os meus olhos
Só faltas tu imensa
breve seara

terça-feira, 31 de agosto de 2010

OBAMA UM POLIÉDRICO COM MANSAS PALAVRAS



Muita e boa gente acreditou por bem num Obama messiânico, como se fosse possível o polvo da economia predadora consentir no poder um reformador universal em favor dos explorados que vivem desgraçados nos subúrbios da vida.

Obama vai anunciar ao mundo o fim da guerra do Iraque onde os seus soldados permanecerão pelo menos até 2011 e os muitos milhares de inocentes mortos eternamente.

Obama só não é mártir porque serve o sistema que o mantem vivo.

Na minha modesta opinião os indivíduos mais perigosos no poder são os que parecem anjos com palavras mansas - poliédricos.


terça-feira, 24 de agosto de 2010

SIM SENHORA MINISTRA

Nota prévia -
esclareço que a imagem mostra uma senhora desconhecida que admito tenha sido ministra. Talvez por ela tenha escrito o texto que torno a publicar.


Inconformado mas tranquílo navegava descontraído ao sabor da música de Nat King Cole, pelas ruas da net. A sorver um inestimável cigarro naveguei, naveguei, até entrar por acaso numa sala de conversa, em mesa redonda. Cumprimentei com um olá abrangente. O fórum pareceu-me uma récita de finalistas e alguém entretanto respondeu com voz terna e macia com outro olá.
Trocámos moradas e um outro dia cliquei - zebra@mail. pt.

Acordámos um encontro na pastelaria Versalhes.

Era sexta feira, dia das cidades sem carros e na avenida da república foi comovedor apreciar um punhado de gente a correr como espermatozóides a respirarem finalmente pelos pulmões - de bicicleta, de patins, a cavalo, ao pé coxinho - vitoriosos, saltitantes, castos e inocentes.
Ouvi alguém recordar que o vento é o ar em movimento.

Na verdade o governo nas varandas de São Bento, em estado crítico de parto orçamental, aplaudia-se a si mesmo enquanto o ar quimicamente puro entrava e saía nos amplos salões.

Estávamos nos útimos lampejos do Verão quando me dirigi ao micro clima da Versalhes que distinta luzia nos florais dourados, nos tiques barrocos da fauna residente, no brilho cristalino dos espelhos, na nata das conversas, nas minhas lentes de contacto.

Às dezassete horas em ponto, uma galáxia de estrêlas cadentes entrava na pastelaria, Dirigiu-se à mesa. Parecia uma papoila. Não andava - deslizava, voláctil, aparentemente frágil mas insinuante. Vestia seda natural - exibia discretos viveiros de rosas polícromas . Cravos nem um.

Alta, amendoada, olhos felinos, nuca rapada - calou a Versalhes e eu confesso que fiquei com a ideia de ver uma personagem conhecida.

Cumprimentámo-nos com alguma solenidade. A sua mão ou a minha tremia humedecida.

Tomámos o chá em porcelana bago de arroz e falámos, falámos - ternos , criativos, inocentes.

Concluí que talvez pertencesse à comunidade de Santo Egídio, empenhada na cultura para a paz, na mediação internacional - uma frente organizada e independente mas da total confiança política do Vaticano.

Inesperadamente fui convidado para visitar a piscina interior de um hotel. Com a naturalidade de quem procura substância para uma crónica, aceitei o convite.

Desviámo-nos um pouco da avenida da república, apanhámos um táxi, chegámos ao hotel - óbviamente um cinco estrêlas.

No lancil - uma jovem andrajosa raspava as cordas de um violino lacrimoso, rezava por uma moeda, num debotado copo plástico da coca-cola. Parámos enquanto ela olhou a rapariga.Com os dedos esguios retirou um brinco da orelha que deixou maternal no copo das esmolas - e eu com o mesmo sentido cooperante deitei a mão ao bolso do casaco mas só encontrei um auto-colante contra a co-incineração na serra da Arrábida.

Entrámos. No átrio da piscina a música de fundo oferecia Nat King Cole.
Pedi um Cuty Sark e a minha companheira, como se estivesse na intimidade do doce lar - começou a despir o vestido de seda, a espargir um ténue perfume a rosas e a revelar um lindíssimo fato de banho.

As riscas de zebra, perfeitamente selvagens, listavam-lhe todo o corpo amendoado - coladas à pele penetravam-lhe os ângulos, as reentrâncias, os espaços bojudos, os precipícios - das unhas dos pés até à nuca rapada.

Por dentro não vi nada de muito significativo, mas quando lenta e solenemente se aproximou da água, reparei que não tinha uma única peça de roupa vestida. Numa nádega era evidente a assinatura do pintor.

Rodando o pescoço - óptimo para o sinistro tempo da guilhotina, olhou-me fixamente com outros olhos. Estava triste. Revelava uma profunda solidão interior e eu inquietei-me.

Sempre a fixar-me deu uns passos e permitiu que uma lágrima solta, desamparada, tingisse a água da piscina. Mais me inquietei quando não conteve um breve sorriso nervoso e me interrogou, terna e com voz macia.
Fui remodelada, sabia?
Compreensivo e terno respondi
Sim senhora ministra.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

FLORES DO DESERTO



Tudo acontece num grito
de barcos
que se ateia
em pleno voo
solto de asas e velas
espantado de tanto espaço
para voar
rema passo a passo
na direcção de um só vento
caminhos sem poiso

indomável
ergue-se
em mastros de luz
resiste ama desobedece
nas mais belas flores do deserto

num levantamento de pássaros

terça-feira, 10 de agosto de 2010

OS TERNOS OLHOS DOS CÃES



Neste país que amamos e está a arder muito antes da chegada do Verão, os ciclistas partiram para mais uma etapa.
No topo da montanha uma senhora, sem graça, premiu o gatilho à hora do calor e os atletas lá foram, a pedalar contra o tempo, para o fogo do seu ganha pão.
Neste país que amamos, betonado à beira-mar ainda desgraçada mente são permitidas touradas e algum povo destila nas praias onde mesmo ao lado - bastante ao lado - se banham os poderosos da nação.
Neste país - também aqui - no paraíso dos silêncios acordados - assobiei aos cães e lá fomos abrigar-nos dos sois - na sombra linda do nosso pinheiro preferido - com os pés mergulhados num alguidar de água salgada e pedras de gelo.
Sós mas nunca isolados neste mar arável.
Tranquilo li em voz alta páginas dos nossos Fernando Pessoa.
Foi uma tarde bem passada,
a avaliar pelos ternos olhos dos cães.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

LUZ DE SOMBRAS



Estávamos num deserto
povoado de espelhos
a compor tempestades
na pauta
à espera que o Verão passasse
em fuga
quando os teus olhos vieram à tona
soltar pétalas
aflorar o sopro do vento
resgatar outras claridades

Estávamos num deserto
quando as pétalas
exaustas se fizeram ao mar
alumiaram silêncios
espargiram perfumes
cardumes de estrêlas
em tons de azul

mas nós queríamos mais

e de tanto querer partimos
por sobre o uivo das areias
decididos a perder-nos

para ver a luz

colher no chão

a própria sombra

em sussurros vagarosos
despir
os nossos passos


segunda-feira, 2 de agosto de 2010

SEARA NOVA


Está em distribuição a revista SEARA NOVA

Imperdível

segunda-feira, 26 de julho de 2010

SEARAS

Gogh

É o sol que desponta
quando acendo um fósforo
e vejo como se movem as sombras
quando luz
e desfolha a noite
num sopro de lume

É o sol a raiar
que se deita no chão
despido de pétalas
a ouvir pássaros de ninguém
improvisárem hinos na folhagem

É o sol que se ateia silvestre
muito antes de ser dia

mas nem assim troco as tuas flores
por outras bandeiras
nem os teus lábios
por outros jardins

mesmo que o outro sol
adormeça de cansaço

as searas

domingo, 18 de julho de 2010

A SENHORA DA LIMPEZA



Antes de chegar às galerias identificaram-me com um sorriso.
Subi no magnífico elevador, conduzido por um delicado polícia.
Sentei-me nas galerias e olhei para baixo. Lá estavam os representantes da nação. Os eleitos da república. As palavras cruzadas, as ideias esgrimidas, as bandeiras nas lapelas, os passos perdidos, os aparelhos políticos. Os credos e os farsantes. Desiguais.

Inocente segredei a um jovem cabisbaixo, companheiro de galeria
- Coisa linda esta democracia.

Lá em baixo também estavam os meus, pouco numerosos ainda mas a combater pela maioria que vive nos subúrbios de tudo.
Lá em baixo quase todos esquecidos de subir os olhos para as galerias, tricotavam a verve, gesticulavam poses de verniz.
De quando em vez disparavam blasfémias, partilhavam impropérios para mais tarde se abraçarem à hora do repasto.

Inocente o jovem cabisbaixo, segredou-me
- Comigo um dia isto será diferente.

Terminada a sessão plenária os deputados saíram como estava previsto. O amplo salão ficou vazio, soberbo e solene. De tantas memórias.
O salão ficou vazio mas eu deixei-me ficar até ser convidado a sair pelo mesmo delicado polícia.
Foi um dia que resolvi festejar em silêncio.

Procurei um restaurante no belo bairro de São Bento e sentei-me à mesa.
Serviram-me o intragável discurso do primeiro ministro, em diferido.
Os àcidos bem convergiram, mas não foram eficazes para digerir o falacioso paraíso.
Fechei os olhos, abri os olhos e pedi o livro de reclamações, onde escrevi - " O que me serviram está fora do prazo. Quando chega a nossa vez ? "

Levantei-me da mesa sem pagar. Os empregados ficaram a ler o meu protesto.

Lá fora ouvi alguns aplausos mas fiquei na dúvida quanto ao seu voto.

Dei uma volta ao quarteirão e na passagem ainda olhei para a fachada do restaurante, Larguei um viva à República, à liberdade e ao 25 de Abril.

Para meu espanto a porta rangeu. Começou a abrir-se lentamente.

Era a senhora da limpeza.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

MURAIS



Pobres metáforas
nas mãos dos poetas
que as cinzelam e desconstroem
para tentarem iludir palavras
de carne e osso
condenadas a chamar às coisas
nomes indizíveis
mesmo quando afloram raios de luz
sombras iluminadas
ou vergam o corpo nas searas
à pergunta de infinitos

Pobres de nós
que insistimos viver
para lá da morte
no massacre das metáforas
quando é tão simples e belo
colher o trigo bafejado
no voejo das ancas
que medram gradas
frutos maduros
espigados nas nossas mãos

Pobres metáforas
inevitáveis sem repouso
mesmo quando sangram
felizes deusas inventadas
na minúcia de uma pausa
sílaba pauta traço
inscritas no vento
para alimento mural
de um bando de pardais

quinta-feira, 8 de julho de 2010

DESFOLHADA

Soltei um pássaro
que me pousou no texto
mas não lhe evitei
o menear das pétalas
Só mais tarde
tão tarde
que já adormeciam as palavras
ouvi espargir irrepreensíveis
metáforas
na folha de papel
Soltei uma rosa
que se exala
quando a sopro para voar
mas sempre regressa
desfolhada
como um pássaro

quarta-feira, 30 de junho de 2010

NO OUTRO LADO DO SILÊNCIO



Se o Verão fosse um rasto de luz
com vida por dentro
um livro aberto sem repouso
alguém teria de lhe rasgar o ventre

mas o Verão é apenas sol

a queimar o que resta do pasto

tresmalhado pastor

rebanho sem memórias

um cão que dorme

à sombra do cajado


Que importa o Verão

se o teu corpo é de tempestades

e até parece que há sempre algo

que me pertence em ti

só de pensar

a pedra sobre a pedra

o verso e o anverso


Que importa o Verão

se o sol queima

e os cães ainda não acordaram

as sombras que ladram

estateladas

no outro lado do silêncio


quarta-feira, 23 de junho de 2010

PÁTRIAS REPARTIDAS



Andamos há tanto tempo
de um lado para o outro
na remoção do pó
no compasso dos relógios

a construir barcos vertebrados
traços de luz
para os peixes não se afogarem
em lágrimas

Projectados nas paredes da casa
dentro e fora do corpo
peregrinos em espaços rasgados
por sobre as águas
afundámos uma ilha
mas ainda não renascemos
a pintar com a boca na boca
uma maré cheia de salivas
e novas tempestades

Andamos há tanto tempo
nas vagas
que não sabemos se é pó
o desacerto dos relógios

lágrimas nos olhos dos peixes
barcos pintados
ou pássaros livres quase perfeitos
neste mar de pátrias repartidas

sexta-feira, 18 de junho de 2010

JOSÉ SARAMAGO

1922-2010
Até sempre camarada

quarta-feira, 16 de junho de 2010

NO COAXAR DAS MARGENS



Acordei a pintar o voo
de um pássaro nos teus olhos
a incitar os cães a lamberem água
na concha das nossas mãos


como se toda a água
fosse de beber às mãos cheias
e os cães
um bando de pássaros
nos teus olhos

De tão breves
acrescentámos à nudez do rio
a sombra de uma ponte
um pedaço de espelho que se olha
nesta desordem de cores

até o pão crescer nas nossas bocas
os silêncios se alimentarem de faúlhas
e nós de outras claridades

Foi quando acordámos completa mente
no coaxar das margens
sem cães nem pássaros

só com os teus olhos

domingo, 13 de junho de 2010

ÁLVARO CUNHAL


... ..." solicito a v.excia que me seja autorizada a entrada de papel de desenho, lápis e borracha apropriados, 2 folhas de cartão que sirvam de pasta-prancheta e uma lâmina ou apara-lápis "... ...

Passagem de uma carta na prisão política (1950)

Álvaro Cunhal

Não deixemos morrer os nossos mortos



sábado, 5 de junho de 2010

NO TEU CORPO



Na esquina de um verso
que se alumia
solto as palavras
para me prender a um risco
e tu entras inominável
texto adentro
e eu passo as mãos
pela tua cintura
lambo-te as mágoas
arredondo-te as arestas
até despertarmos no chão
de uma folha de papel
Tudo se move
até a sombra
quando se ateia
no teu corpo

domingo, 30 de maio de 2010

À FALA COM OS CÃES



No bulício dos silêncios
um coro a restolhar
contra o tempo que faz
despertou-me para a fala
com os cães

Acordavam em flor os jacarandás
quando fixámos os olhos
no teu ninho devoluto
e sublinhei com um dedo
molhado nos lábios
uma frase inscrita
no portão da casa

infinitésimo é o pensamento

Indiferente chegaste e partiste
fora do tempo
nas mesmas asas

deixaste um rasto trinado
que guardo no meu búzio
de mãos nos ouvidos

À fala com os cães
os pássaros públicos renovam-se
na minha escarpa

mas é preciso intervir
para evitar o suicídio
dos jacarandás

quarta-feira, 26 de maio de 2010

OS DIAS CONTADOS PELOS DEDOS



Parecia que a chuva estava cansada
de cair neste chão
muito antes de rebentar a sombra
das videiras

mas de tanto azul
no outro lado da serra
ainda há mar bastante
mais que céu
para as aves circularem livres
nas nossas mãos 

Cúmplices sabíamos que a água
não caía dos teus olhos 
nem dos meus 
nem do rumor das fontes 
nem dos céus vertiginosos 

tão só 
caía 

Sabíamos que um dia ía chover
na escarpa onde nos despimos
sem esquinas nem becos

só não sabíamos os acordes 
das maresias 
para merecermos os nossos lábios 
os dias contados pelos dedos 

quinta-feira, 20 de maio de 2010

COMO SE FOSSEM PEDRAS


Mal amados
com um nó na garganta
os barcos desaguam no cais
despidos de velas

adormecem
carregados de sonhos

Talvez à míngua dos seus olhos doces
um fio de água se ateie
e lhes devolva a voz
no intervalo das areias

ou na aprendizagem do voo
soltem aves
como se fossem pedras



quinta-feira, 13 de maio de 2010

ADEUS À VIRGEM





Sócrates - óbvia mente - sem motivações evangélicas, não pode eximir-se à condição de carregador de recados.
Na verdade o 1º ministro - responsável por dar o rosto à prática das políticas anteriores, agora pressionado pelo sistema das grandes famílias , pia mente assumiu em nome do velho bloco central, ser campeão europeu na defesa do euro.
Estratega por conta de outrem, obediente e servidor, dá o dito por não dito, em quinze dias.
Precisa mente hoje - após o adeus à virgem - reuniu os ministros da república para ratificar as notícias da comunicação social com um acordo de cavalheiros. 

Receio que Sócrates prossiga a sua cruzada, no intervalo do Portugal/ Brasil em futebol. 

Sócrates e Passos Coelho sabem que o país dorme - mais profunda mente nas festas.