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Resistimos à perfeição
ancorados de olhos abertos
num beijo completo
inextinguíveis
desbravámos
a primitiva chama
dissolvemos a saliva das palavras
Eufrázio Filipe
Maravilhados
lançamos afectos
para dar sentido aos olhos dos peixes
sem querer
já tínhamos salvo o mundo
várias vezes
e assim vamos
meu amor
nas memórias à vista
mar que se alonga
a apascentar sonhos
paisagens de finisterra
neste povoado
onde só os pássaros
em bando
se julgam livres
por um instante
Eufrázio Filipe
Decepei troncos
de árvores frondosas
para ver a serra
sem empecilhos
vi uma pedra
com vida por dentro
e um poeta improvável
a libertar-lhe o ventre
desenhei um barco
nos teus olhos
e tudo aconteceu ininteligível
contra todos os destinos
Inesperadamente inventei um deus
ao som de Leonard Cohen
acordei uma vez mais
a fazer versos ou quase nada
e tu lá estavas com voz grave
nua de tudo
despida nos meus espelhos preferidos
Foi assim
nesta viagem de latidos ventos e uivos
que te revi apócrifa
no meu espaço
folha ante-folha
senhora das meias pretas
A deshoras no velho cais
dos barcos sonolentos
subi aos mastros mais altos
segredei-te uma breve mensagem
regressei
ao que julgava ser
o meu último desejo
Foi assim
hoje não atearam fogo
às margens do nosso rio
o mar já nos tinha invadido
com bandeiras de cores lúcidas
e no rescaldo de um fósforo
ainda ardiam palavras
por sobre as águas
Sabíamos senhora
que a poesia pode ser
a arte de inventar um pássaro
desenhar numa folha de papel
a dor que sentimos
ousar a salvação do mundo
e voar
decepar troncos de árvores frondosas
para ver a serra
sem empecilhos
os contornos do teu corpo
Na verdade
há silêncios incontidos que se repetem
vozes que se ateiam
na boca das sementes
e foi assim
cheguei
aonde nunca parti
às pátrias repartidas
aos belos mares desgrenhados
Eufrázio Filipe