segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

QUE FIZESTE DAS NOSSAS FLORES?


 
 
                                                                             Imagem de Mário Nagamura
                                                   Texto publicado em 2008



As árvores viajam
na sombra do verde
um sussurro de folhas
e tu foges dos ramos

amanheces tão distante
que nem os meus olhos
descobrem os teus gestos

As árvores viajam
onde acontece a cor do fruto
no chão
e os pássaros sem amos
deixam que a sombra
se rebente

Meu povo
que fizeste das nossas flores?


 

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

ATÉ ÀS CINZAS







Na fluidez dos gestos mais simples
pode renascer um certo fulgor
no brilho silvestre dos relâmpagos

Na memória tatuada
onde pastamos com os animais
um rumor de plantas

as línguas mergulham na saliva
consomem-se em cânticos
até às cinzas



 

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

O ADMIRÁVEL GRÃO DE AREIA







Correm em bando os teus olhos
por cima das searas e dos ventos
porque é preciso transgredir
rasgar o véu que se demora em fascínios
encontrar no corpo interior
um sinal primitivo de nudez
uma pequena distração de flor
que agite o ambíguo coração das aves
e abra novos caminhos
por esse mundo onde todos os rios
deviam ser apenas água em movimento

provavelmente só os teus olhos sabem
que na obscuridade mais imperceptível
há um brilho indígena em gestação

Eis a nova ordem emergente
a gota de orvalho que fende a luz

o admirável grão de areia
que não repousa


 

domingo, 9 de fevereiro de 2014

A VOZ OCULTA DA LUZ



                                           "VIOLINISTA"  Diego Dayer



As pedras marinhas de tão azuis regressam à tona
juntam-se para respirar a paciência das aves
pousadas no ar
a cumprirem destinos de migalhas

(respiram fundo pelas narinas do vento)

Viris e soltas povoam afluentes puríssimos
novos celeiros

(talvez por isso queiram voar contra o rosto das palavras
ou pairar como sinais de penas)

As pedras marinhas reanimam a voz oculta da luz
que se quer liberta insofrida

(a coragem de lutar sobre ruínas)


 

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

NA MEMÓRIA DAS PALAVRAS




                                Com a poeta LICÍNIA QUITÉRIO na Ericeira



Quando reivindico um sopro de música
para o teu andar de ancas vagaroso
sobre a nudez branca das dunas
é para despertar o sabor do vento
desfolhar os teus cabelos em partículas

Quando reivindico um futuro quase divino
para as aves marinhas que perfumam
as clareiras solares mais íntimas deste espaço
desejo apenas um porto seguro para o teu corpo
uma jangada efémera de cristal

Quando reivindico para ti um sonho verdadeiro
brotas do chão como um pomar de faúlhas
como se fôssemos uma lenda
em viagem sinuosa pelo tempo

És a pátria em alvorada que navego
e me desprende
o acesso intangível às brevíssimas papoilas
grão de areia esculpido com amor
na memória das palavras


 

sábado, 1 de fevereiro de 2014

SE TIVÉSSEMOS UM BARCO



                                            Esta bela imagem é propriedade do fotógrafo
                                                                             Luis Rodrigues   




O mar
já nos tinha entrado pelo corpo
num abraço de limos
 
com bandeira e sangue
de cores lúcidas
 
Nesta ilha
se tivéssemos um barco
 
ai se tivéssemos um barco
 
seria inútil
 
Seremos como somos
onde estamos