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Na sombra das varandas
engalanadas
pelas ruas estreitas
desfilam ânforas
à vista dos barcos
relâmpagos contidos
na voragem do tempo
sempre que te ouvem
resgatam um cravo
inscrevem o teu nome
no mais íntimo da pele
mas não há pássaro
que atire uma pedra
contra o vento
Eufrázio Filipe
republicado
Estávamos num conflito de areias
desterrados no deserto
quando choveu
nas nossas bocas
uma certa água
e os cravos povoaram
as ruas
mas foi por uma fresta
escancarada
que te descobri
silvestre e breve
a resistir
no chão onde se despem as pétalas
que voam
sem limites
ainda hoje chove nas nossas bocas
uma certa efusão de cores
perfumes tresmalhados
e areias
mas és tu ABRIL
no mais íntimo dos silêncios
a minha festa de belos vendavais
publicado em 2008
As árvores viajam
na sombra do verde
um sussurro de folhas
e tu foges dos ramos
amanheces tão distante
que nem os meus olhos
descobrem os teus gestos
as árvores viajam
onde acontece a flor do fruto
no chão
e os pássaros sem amos
deixam que a sombra se rebente
meu povo
que fizeste das nossas flores?
A Babilónia, os babilónicos, Hammurabi, recriados com o olhar atento do Manuel Veiga, conduzem os seus textos de intervenção política e social, oferecem-nos uma prosa deliciosa, poética satírica, onde revemos da sua escarpa, um país que é o nosso, à beira-mar betonado.
Democrata impoluto, sem verdades absolutas mas fortes convicções, o meu amigo tem motivos e chão para desbravar novos textos, nesta Babilónia que promete à saciedade, alternâncias conhecidas de poderes, até ser outro dia.
Com talento, palavras em carne viva e outras metáforas - Manuel Veiga construiu e revelou um painel onde a ficção subscreve a realidade.
Como não podemos mudar de babilónicos, só ajudar, fico na minha escarpa a aguardar o teu inesgotável e acutilante fio de meada.
Nós merecemos.
Abraço fraterno.
publicado no PRESOS A UM SOPRO DE VENTO
Eu sei que tudo se move
até a sombra
em pleno voo
mas quando me sentei
na escarpa
para ouvir
um concerto de pássaros
e os vi
tão debruçados
só de os ver
a voz me doeu
Eufrázio Filipe
publicado no PRESOS A UM SOPRO DE VENTO
A minha escarpa
tem uma janela
escancarada para o mar
mesmo por sobre
barcos de passagem
latidos de cães
e metáforas
Neste sítio fustigado
onde nidificam
ventos e relâmpagos
ouvi um grito
em carne viva
mais real que os verdadeiros
soltei-o
e as palavras voaram
a fingir de pássaros
Eufrázio Filipe
Abri janelas fechei portões
soltei os cães
mas lá no fundo
onde medra a oliveira
vi claramente despontar
não sei o quê
como se as palavras ocultas
fossem perfumes
de cores
em desordem
no chão que pisamos
Abri janelas
para ouvir a chuva
num sopro de vento
não sabia
que te chamavam Primavera
eufrázio filipe