quarta-feira, 29 de outubro de 2008
NO TOMBO DOS DIAS
domingo, 26 de outubro de 2008
terça-feira, 21 de outubro de 2008
A PÉROLA
quinta-feira, 16 de outubro de 2008
COM A SERRA ÀS COSTAS
Agapito - aldeia lendária,nos castros dos Montes Hermínios, nas fraldas do Covão d'Ametade, não era mais que um ponto minúsculo no mapa do reino. Um vale quase glaciar enclavinhado na serrania interior onde nunca foi fácil respirar.
Em Agapito ousavam viver cinquenta e tal pessoas, trezentas cabras, mais os lobos e os cães da serra.
Viviam do amanho das pobres terras, da pastorícia e do temor a deus.
Os homens apascentavam cabras e as mulheres faziam de tudo.
Desapercebidos viviam felizes e analfabetos.
O poder do reino ignorava completamente a existência de Agapito, mas um chefe dominava a aldeia - o abade Fiuza, que ali tropeçou por acaso, quando um dia após longa cavalgada, perseguia uma cabra branca. Perdido por ali ficou.
Os agapitenses - construiram-lhe um abrigo para habitar e pregar.
Volvidos os anos a aldeia continuou ignorada, perdeu habitantes e os rebanhos emagreceram.
O abade Fiuza permanecia alegremente no poder.
Neste período de declínio da civilização agapitense, um pombo correio, pousou exausto no ombro do chefe que em silêncio leu a mensagem.
"O reino vais ser percorrido por voluntários, com o propósito de alfabetizar o povo".
- Não pode ser. Não consinto que devassem esta terra.Aqui nem uma letra. A minha gente está feliz.
Reunida a aldeia de emergência, Fiuza declarou o recolher obrigatório. O povo aplaudiu comovido.
- Ficarei de vigía.
Fiuza - fardado a rigor, ungido com óleo de cabra, colocou-se no centro do carreiro principal da aldeia, disfarçado de anjo.Ali ficou dias e noites a fio, pernas abertas, mãos apoiadas na cruz, dentes a postos e um sorriso cordeiro na armadura.
Na rectaguarda os fieis - de joelhos, recolhidos - respiração suspensa. Nos estábulos o gado balia, ordenhava-se a si mesmo.
Agapito - uma aldeia ignorada, no interior do reino, não foi bafejada pela campanha de alfabetização.
O abade Fiuza - firme, sorridente e arrogante, morreu como mártir no seu posto.
O povo - com a serra às costas, vai aprender mais tarde.
domingo, 12 de outubro de 2008
OS CÃES NÃO DORMEM
- Sempre que há lua cheia algo acontece de inesperado.
- Não esqueça a influência das marés.
Na sala os cães dormiam ou fingiam dormir, mesmo em frente à generosa lareira.
Sentados no sofá respirávamos os sons de "Alexander Soundtrack" por "Vangelis" nas oito colunas, e afagávamos os cabelos um do outro.
- Hoje vou contar-lhe uma história que ouvi no intervalo de um conselho de ministros.
- Só um momento.
Levantei-me. Coloquei mais uma acha na lareira, passei as mãos no pêlo dos cães, desliguei a aparelhagem, regressei ao sofá. Aconchegámo-nos.
- Estou pronto. Avance.
- Era uma vez um Don Godofredo, ilustre senhor de pendão e caldeira, fidalgo de puro sangue, grandessíssimo cavaleiro que se iniciou na arte de bem cavalgar, mal deu os primeiros passos.
Tinha cinco aninhos piratas e já treinava em cavalos de papelão.
Quando ia ao sr. Hipólito tirar o retrato de família, assentava as patinhas com esporas agrestes, nas ancas do brinquedo e lesto num pulinho gracioso e valente - montava o animal, sem lhe tocar com os cascos. Um artista.
- Não está a ser severa com a criança?
- Só que a criança cresceu. Posso continuar?
- Avance.
- Num certo dia de cavalhadas no castelo, o papá banqueiro que negociava com os índios, quiz fazer uma experiência com o puto.
- Índios?
- Não interessa. Posso continuar?
- Avance.
- Meu filho - quero fazer de ti um homem à altura dos nossos pergaminhos. O papá investe e tu toureias. Teremos o país nas mãos.
Volvidos tempos, o banqueiro - após tantas touradas, comprou um cavalo e um toiro a sério, investiu com gana e fez do filho um homem.
Don Godofredo, menino prodígio, tornou-se profissional e nunca mais quiz outra vida - tão bem se sentia na grande farra. Tinha dinheiro, vinho verde e mulheres de raça. Passou a frequentar com assiduidade as ganadarias, as adegas, o meio social. Visitou amigos e os cavalos dos amigos.De quando em vez dava espectáculo na assembleia popular do Campo Pequeno, já muito acanhado para a sua estatura.
O banqueiro começou a sentir-se ameaçado no seu orgulho de fidalgo e comendador. Decidiu meter-se uma vez mais, em altas cavalarias, com toda a raça. Deu um coice e disse.
- Isto não pode continuar assim. O Godofredo está a ir longe demais. Estou farto. Antes a palha ao pequeno almoço.
Entretanto Godofredo que já não habitava o castelo, apercebendo-se das intenções do progenitor, convidou-o para jantar no Jardim Zoológico.
- Foi então que interromperam a história para regressarmos ao conselho de ministros.
Na sala a generosa lareira reacendeu-se com o ladrar dos cães - que fingiam dormir.
segunda-feira, 6 de outubro de 2008
O VINHO DOS NOSSOS PÉS
Irrompem fios de música
rio abaixo
folhas secas que rugem
inclinadas nos teus olhos
As palavras colidem
quando circulam mansas
no espanto da paisagem
mas os pássaros permanecem soltos
na nossa ilha
Frente a frente
aqui nos sentámos ao avesso
como estátuas longínquas
só para inalar as pautas do silêncio
Aqui nos sentámos
para que tudo aconteça
mesmo de tão pouco
se rasgue em claridades
este tempo inabitável
Aqui nos sentámos
só para respirar
sabendo que os apeadeiros
não se repetem
mesmo quando em Janeiro
provarmos de novo
o vinho dos nossos pés