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À míngua de relâmpagos
que se vejam
ateados na passagem de mais um ano
dezembrando
boas janeiras
O Inverno faz as pessoas recolherem às cavernas para melhor se amarem.
Sacode-se nas árvores penadas, inventa polícromos arco-íris, manifesta-se contra a perfeição, faz trejeitos ao rosto. Ri-se nos olhos de toda a gente.
Lá no alto, por cima das nuvens de chumbo, levanta a voz dos relâmpagos e às primeiras pancadas de Moliére, abre o pano. Vem ao palco e anuncia:
- Senhoras e senhores, a fábula " é uma pintura onde podemos encontrar o nosso retrato".
-Que dia é hoje?
- Silêncio.
-Senhoras e senhores, ides assistir à mais fabulosa história da minha estação.
As luzinhas furta-cores são as mesmas. O mesmo barro, o mesmo pinheiro, o mesmo musgo, as mesmas pedras. A mesma estrelinha na carapinha do mesmo presépio. O mesmo rebanho, os mesmos pastores, a mesma palha, o mesmo bafo.
Ides ser cúmplices dos animais, dos anjos que vão cair pelas chaminés nos sapatinhos dos meninos ajoelhados - até ao momento em que o galo cantará.
Lá fora as ruas estarão um sonho - até nos olhos dos outros meninos, colados nas montras do céu.
Tudo será luz nas casas iluminadas, nos corações vibrantes - menos nos olhos sem abrigo.
Vai chover. Amai-vos uns aos outros.
Eu sou o Inverno e o Natal vai começar.
Na falda da escarpa
pela estrada fora
em todos os apeadeiros
chovia um rio sem margens
água desprendida
não coada pelos céus
Sem dogmas
quase épica a chuva
em cânticos solenes
purificava a boca das sementes
só queria dar às palavras
a leveza das cinzas
mas simplesmente chovia
Num lento amanhecer
acendi um fósforo
para alumiar o tempo
nas pedras altas
Regressado à escarpa
comecei a escrever
na cal das paredes
e logo deram à costa
uivos de vento
silvos de barcos
palavras em carne viva
trabalhadas à mão
pássaros mais leves
que a neve derramada
Quando regressei à escarpa
exaustos
uivos silvos palavras
poisavam desgrenhados
nos braços floridos do medronheiro
Neste país tudo é possível.
Hoje a editora "Temas Originais" na semana de apresentação do meu
"Chão de claridades" informou-me que por dificuldades financeiras incontornáveis adiou a publicação.
Compreensivo regresso à minha escarpa para soprar os barcos que passam.
Solicito que aguardem
Apesar do caso estou grato a todos os amigos
porque" quem faz um filho
fá-lo por gosto"