domingo, 27 de dezembro de 2015

GENEROSA LAREIRA









No reverso
da generosa lareira
extintos os presépios
se reacende
o lume no sobro


No reverso
de todas as claridades
uma multidão de faúlhas
organiza pelos dedos
novos apeadeiros
de luzes intemporais


surpreende à flor da pele
num fósforo
o corpo lindo das palavras




eufrázio filipe

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

O NATAL VAI COMEÇAR






Belos relâmpagos
partilhados
no chão das águas
dezembrando
o lume das estrelas

O Natal vai começar
em família e outros amigos

Boas Janeiras


eufrázio filipe

 

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

A CADEIRA VAZIA


 



Em cardume
nos olhos dos peixes
lá estavam os pescadores

Na véspera de relâmpagos
e outros afetos
dulcíssimos corações
clareavam as noites
e nós só podíamos fazer
o que fizemos

sentámos à mesa
os ausentes
levitámos em voz alta
o sussurro das marés
recolhemos estrelas
no chão das águas

celebrámos a cadeira vazia


eufrázio filipe
 

domingo, 6 de dezembro de 2015

DESENHO NOS ESPELHOS





Efémeras pétalas
dão acesso
à escarpa
erguida dos escombros

passo a passo
pelos caminhos do vento
recolho-as quando desenho
nos espelhos

pátrias amovíveis
barcos alados
que se perfilam
para hastear a mais bela
desordem
de cores no jardim

efémeras pétalas
os teus olhos remoçados
despontam à flor das águas


eufrázio filipe
 

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

VIGÍLIA AO IMPROVÁVEL





Quando te despiste em flor
e revelaste a nudez
já despontavam as camélias

não por dádiva dos céus
na vertigem das sombras
muito menos porque o mar
se ergueu
num sussurro de azuis

tão só depurada
trazias gestos musicais
a noção de um rio
que se demora nas margens

Quando te despiste
quase inocente
numa povoação de sílabas
não desnudaste
o mais íntimo da pele

ficaste em vigília ao improvável
tão perto dos mastros
onde dardejam pássaros
e profanam metáforas


eufrázio filipe

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

BEIJÁMOS AS PEDRAS





Lá onde todos os azuis
se reúnem para cantar
e os olhos cegam
num espelho de águas
dulcíssimos
nem sempre acontecem
pautas de timbres

mas tu trazias no corpo
um rasto de asas

na voz um sinal
que despertou contidos silêncios
vírgulas pestanejadas

e foi assim

quando soltaste os pássaros
neste jardim de corais

em pleno voo
beijámos as pedras


eufrázio filipe
 

sábado, 21 de novembro de 2015

SOMBRA DE LUZ


                                                 Eduardo Gajeiro



Quando despertei
a árvore
que ajudei a plantar
nos espelhos da memória
choviam
desejos paisagens sons
e foi assim
neste equilíbrio
fugaz de assimetrias
que escrevi no tempo
um espaço
para agitar o vento
mares salivas flores de sal
a prumo nos mastros
num desassossego de barcos

e foi assim
que organizámos jardins
bandos de pássaros
relâmpagos

Quando despertei
vesti o melhor fato
só para te ver

e tu lá estavas
sombra de luz.



 

domingo, 15 de novembro de 2015

TANTA LUZ


                                                      PUBLICADO EM 2011



 
Junto ao portão
os cães ladravam
aos outros cães
 
porque havia um portão
de faúlhas
e a noite acordava
com pássaros claros
 
e agora?
 
neste restolho de latidos
e gestos inacabados
que hei-de fazer
a tanta luz?
 
que hei-de fazer
quando te deitas
nas escadas do templo
a tecer fios de música
 
e os cães não se calam?
 
 
eufrázio filipe


 

sábado, 14 de novembro de 2015

GARATUJAS ( 10 )

                                                 Aceitei o desafio do meu neto para escrever uns textos como se fossem garatujas


Avô - está ali uma senhora a chamar pela cadela da vizinha.

Só pode ser a vizinha.

A minha cadela saltou a vedação e anda por aí com o vosso cão.
Timóteo chama o Oli.
O Oli está debaixo da romãzeira a brincar com a cadela da vizinha.

A vida é uma surpresa minha senhora. Ontem dissemos ao Oli para respeitar o silêncio da sua cadela. Como vamos fazer?
Eu vou buscá-la . Importa-se que salte a vedação?

E foi assim, contra a vontade dos dois, separados, cada um ficou no seu espaço.

Avô - porque não ficaram cá todos?

Temos que respeitar o espaço de cada um.
A cadela tem dona, o Oli não.

Cabisbaixo, rabo entre as pernas e orelhas murchas chegou o Oli.
Não fiques triste.
Não fico triste? Eu estou triste.
Diz ao teu avô que não quero mais o paraíso.
Prefiro a rua da nossa cidade


eufrázio filipe


 

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

GARATUJAS ( 9 )


                                 aceitei o desafio do meu neto para escrever uns textos como se fossem garatujas



Timóteo diz ao Oli que na cadela da vizinha ninguém toca. 

Ele só queria que não estivesse isolada. 

Certo - mas ele pode correr atrás dos coelhos que por aí andam a comer tudo na horta. 

Avô - disseste que estávamos no paraíso . 

Timóteo - os paraísos têm regras. Aqui todos somos livres como se estivéssemos numa prisão com as chaves no bolso. 
O Oli deve respeitar o silêncio da cadela da vizinha. 

Vou falar-lhe. 

Amigo - continua a ladrar para as estrêlas. 
És um bom tenor, mas para cantar em conjunto, tens de aprender 
a ouvir os pássaros. 

eufrázio filipe
  

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

GARATUJAS ( 8 )


                                aceitei o desafio do meu neto para escrever uns textos como se fossem garatujas

Dormiste bem? 

Passei pelas brasas. O galo fartou-se de cantar. 
Estamos numa casa de campo para descansar. 

Mas tu também ladras às estrêlas. 

Tens razão, nós é que invadimos o seu espaço. 
Na cidade dormia bem com ruído, aqui oiço pássaros de todas as cores e protesto. 

Oli - quem sabe um dia na diferença da voz, daremos um concerto, fora do coreto, sem gente estranha a ouvir. 

Se for em família até podemos convidar a cadela da vizinha. 

A cadela da vizinha não canta - vive só. 

Por vezes sós mas nunca isolados. 

eufrázio filipe

  

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

GARATUJAS ( 7 )


                                Aceitei o desafio do meu neto para escrever uns textos como se fossem garatujas 




 Chegámos. Era Outono. 
As videiras estavam podadas e a casa ao fundo à nossa espera. 
Visitámos os galinheiros. Aplaudimos um bando de rolas, apanhámos uma romã e olhámos em frente para o castelo. 
O silêncio afagava todo o espaço como se estivéssemos no princípio do mundo. 
Avô - aqui só falta o jardim que eu não tenho na escola. 
Tens razão. Vamos plantar sonhos. 
Estás de acordo Oli? 
Eu sou um cão da cidade com vistas para o mar. 
Aqui só vejo terra, muita terra, muita terra. 
Logo à noite vou ladrar para as estrêlas me orientarem nesta aventura. 
Oli - queres dormir no galinheiro?
Um cão como eu só pode dormir a céu aberto. 
Mesmo que chova no paraíso. 

eufrázio filipe
 

terça-feira, 10 de novembro de 2015

GARATUJAS ( 6 )


                                                     Aceitei o desafio do meu neto para escrever uns textos como se fossem garatujas 


Oli - tenho uma novidade. 
O avô tem um espaço rural para nós. Não é muito grande mas dá para todos. 
Queres vir? 

A quinta tem portão? 
Tem mas não é para te prender é para os outros não entrarem. 

Quando vamos à quinta?
Quando despontar uma nesga de sol. 
Então vamos amanhã. Ontem à noite quando ladrava para o céu, vi uma estrêla a brilhar nos meus olhos. Foi o sinal, porque nem todas as estrêlas olham para mim. 

E foi assim.
No dia seguinte lá fomos a caminho do paraíso. 

eufrázio filipe 

                                 

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

GARATUJAS ( 5 )


                                                   Aceitei o desafio do meu neto para escrever uns textos como se fossem garatujas 




O Outono brilhou por uma nesga e nós decidimos passear. 
Lá fomos a cantarolar. Música minha, letra do meu avô com arranjos do Oli. 

Pelo caminho até ao jardim da aldeia alguns cães sem abrigo juntaram-se a nós. 
Não sei porquê. 
Talvez gostássem da cantoria. 
Cumprimos o objectivo, chegámos ao coreto. 
Quando nos preparávamos para o concerto, o Oli disse em voz alta. 
Não canto mais. Está aqui muita gente desconhecida. 

A música acabou. 
Começou a chuviscar e os cães choraram. 
 

eufrázio filipe

 

domingo, 8 de novembro de 2015

GARATUJAS ( 4 )


                                              Aceitei o desafio do meu neto para escrever uns textos como se fossem garatujas                                    
   

    Antes de falar com o cão, falei com o avô, que me deu um conselho. 
  
  Se o animal é teu amigo dá-lhe um nome. 
  
  Foi assim. 
  Deitei-lhe um copo de água na cabeça e chamei-lhe OLI. 

   Ele estranhou. 
   Abanou-se todo. 
   Repeti - Oli, Oli, Oli. 
   
   Parece que o estou a ouvir. 
   
   Ninguém pede para nascer. 
   Podias ter evitado o copo de água. 
   Não pedi nada, nem para ser baptizado, mas se foi da tua vontade, aceito que me chames Oli. 
   
   Eu vou chamar-te Timóteo 
   porque já ouvi o teu avô. 

   Aprecio as coisas simples da vida      



      eufrázio filipe

                                            

GARATUJAS ( 3 )


                                                           Aceitei o desafio do meu neto para escrever uns textos como se fossem garatujas


 Vim à rua e lá estava aninhado à nossa porta. 
Cumprimentámo-nos antes de lhe dar o entrecosto. 
Não comeu de imediato. 
Olhou para cima ladrou e só depois começou a trincar 

Avô - disseste-me que os cães, à noite ladram 
para as estrêlas. 

Estávamos no Outono, o céu cheio de nuvens, 
não vi estrêlas mas ele ladrou 
baixinho mas ladrou. 

Quando fechei a porta comecei a pensar 
um dia vou à fala com o meu amigo. 

 eufrázio filipe

sábado, 7 de novembro de 2015

GARATUJAS ( 2 )



                                  Aceitei o desafio do meu neto para escrever uns textos como se fossem garatujas 




Falei com o meu amigo de quatro patas e aprendi que precisava de espaço para ser livre. 
Aprendi a saber ouvir e ele disse-me 

Um cão como eu não é feliz numa varanda. 
Se fosse de barro terias de inventar uma vida para mim, mas não seria eu. 

Não devias mas atravessaste o jardim da tua escola pelo meio das flores. 
Sei que foi um sonho, mas apeteceu-te. 
A mim apetece-me ser teu amigo, sem dono.  
Foi por isso que te lambi a ferida e te olhei. 

Queres ser meu amigo?

Não faças como a flor com espinhos que te rasgou a perna. 
Sabes o que quero de ti?

Coça-me as orelhas, olha para os meus olhos. 


Eufrázio Filipe
 

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

GARATUJAS ( 1 )


                                                               Aceitei o desafio do meu neto para escrever uns textos 
                                                                               como se fossem garatujas 




Na rua chovia. As folhas das árvores caíam. 
Estávamos no Outono, mas hoje acordei com um sonho lindo. 
Apeteceu-me correr no jardim da escola, mesmo pelo meio das flores. Eu sei que não devia, mas apeteceu-me. 
Estou a falar de um sonho, porque a minha escola não tem jardim com flores. 
De repente tropecei numa flor com espinhos, caí, fiquei ferido numa perna. 
Ali fiquei no chão com muitas dores a chorar. 
De repente apareceu um cão e assustei-me. 
Não sabia o que fazer. 
Ele olhou para mim e lambeu-me a ferida. 
Cocei-lhe as orelhas e abanou o rabo de contente. 
Já acordado pensei no meu sonho lindo e disse 

Nunca mais corro pelo meio das flores, mas quero ter um amigo 
de quatro patas. 


 eufrázio filipe
 

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

TRAÇOS A CARVÃO


                                                                                                                 João Cutileiro



Nos mastros mais altos
respiramos sinais
de pássaros públicos
compromissos
com vírgulas nas palavras

caminhos vertebrados
que respaldam
fulgores de timbres

Nos mastros mais altos
exultam eternos
por instantes
traços de carvão
asas enxutas

respiramos
por uma nesga de sol
o fresco ar 
das madrugadas

Eufrázio Filipe

 

domingo, 25 de outubro de 2015

À NOSSA MESA


                                                                                        Justyna Kopania




O que mais me doi
não são folhas caídas
nem palavras soltas

são as romãs
em coro
quando se abrem

a sombra que rebenta
desgrenhada
à nossa mesa

o que mais me doi
não é o Outono
é a falta de relâmpagos

nos teus olhos


Eufrázio Filipe

terça-feira, 20 de outubro de 2015

A DESBRAVAR ESTRÊLAS






Efémeros nesta lucidez
de vinhedos decepados
antes que o tempo fuja
sem deixar rasto
nem pátria

inscrevo-te
numa aresta de vento
para te ver
sobre as pedras

a sonhar sonhos irrepetíveis

fecho o portão
solto os cães
mas tu ficas

vertigem de luz
a desbravar estrêlas

Eufrázio Filipe

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

ATÉ A LUZ SE FAZER DIA


                                                              Justyna Kopania                           
                                                                                   
                          

Com os barcos às costas
num sopro de vento
de porto em porto
a dobrar esquinas

a comer pedras sem destinos
construtores de lonjuras
irreprimíveis

para lá das taprobanas
contra torvelinhos
silvestres
a domar escarpas
ao sabor das aves
que de tão abruptas
só poisam nos mastros

Num sopro de vento
andamos por aí a desbravar
arestas ruínas tempestades
até as águas correntes
se libertarem das crinas
invadirem o chão
para desassossego das sombras

De porto em porto
até a luz se fazer dia


 Eufrázio Filipe

"Presos a um sopro de vento"

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

ABRAÇO DE LIMOS





No movimento
das mais profundas águas
há palavras
que se envolvem
frementes em círculo
no ouvido dos búzios

quando vêm à tona
num abraço de limos
despertam em partículas
o coração das pedras

nas paredes da casa
aprendem a escutar
os teus retratos


Eufrázio Filipe
 

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

SÓ NOS FALTAVA SEDUZIR OS PÁSSAROS




A remoinhar
no mais íntimo da pele
tínhamos quase tudo 
tão perto das mãos
que nem lhe podíamos tocar

amanhãs 
e outros destinos

Só nos faltava
subir às pedras deste chão

impedir nas mansas águas
que o sonho rebentasse
onde as estrelas vicejam
sem quebrantos

Tínhamos quase tudo 

até um pomar de faúlhas
para alumiar o fulgor do canto 

Só nos faltava
seduzir os pássaros


EUFRÁZIO FILIPE
"Presos a um sopro de vento"

 

domingo, 4 de outubro de 2015

PAÍS ALBARDADO




Não podemos mudar de povo mas quando o PS decidir mudar de condomínio tudo será diferente - assim - as misérias e a instabilidade social vão continuar, até às próximas urnas. 

Confrange ver o país albardado. 

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

NO PESTANEJAR DE UMA VÍRGULA





Olho-te como se fosse a primeira vez

na verdade  a água 
corpo líquido de mulher
tem segredos escondidos no fundo das pedras
alimentos de fogo
talvez uma praia onde se fundem
areias e lábios
um piano de luzes
que determina o tempo das estações

Ainda bem que tens ilhas selvagens
sinais apócrifos que se desnudam
em gestos simples
no pestanejar de uma vírgula

Na verdade a água sabe rir e chorar
no espelho das próprias lágrimas
no rumor das maresias 
e eu descobri uma vez mais
que tens poros por onde respiras 
silêncios escarpas por onde escorrem salivas

que te ergues e desmoronas
abrigo e mensageira
te desprendes do chão
ou hibernas nos corais

Que bom ainda hoje
partilhar contigo este despertar
aprender pela vida fora a descobrir-te
como se fosse a primeira vez

deixar por um instante
a outra água
para os peixes se moverem


Eufrázio Filipe

"CHÃO DE CLARIDADES"
 

terça-feira, 22 de setembro de 2015

O PÃO QUE LEVAMOS AOS LÁBIOS





Doem-me todos os muros
onde as silvas
se enleiam
mesmo que sejam
castelos
sibilinos nas ameias

Doem-me todos os muros
o mar inteiro
ancorado no cais
mesmo que benzidas as pedras
à revelia dos pássaros

Doi-me tudo no Outono
menos as romãs
a despontarem vermelhas
passo a passo

o pão que levamos aos lábios


Eufrázio Filipe
 

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

PALAVRAS VERTEBRADAS





Benditas as palavras vertebradas 
silaba a silaba
o canto das folhas desamparadas
no alpendre
o uivo dos cães
a clarear sombras

bem escasso
este perfume de mostos
chuva lábios e pedras

este marulhar desabrido
à nossa porta
na livre circulação do vento

Eufrázio Filipe
 

sábado, 12 de setembro de 2015

INGREME O CAMINHO DAS PEDRAS






Estavam no cais
os barcos de remelas
etéreos
quando partimos
por sobre as águas
sem fim à vista

foi assim

lá onde os olhos sem amparo
se consentem demorados
assistimos à passagem
de um sopro de vento

Neste leito de sussurros
a primitiva chama
navegava
todos os degraus da escarpa

foi assim 

tresmalhadas as pátrias
chegámos à fala
de mãos dadas
no íngreme caminho das pedras


Eufrázio Filipe

terça-feira, 8 de setembro de 2015

UM HINO ÀS TEMPESTADES






Na tremulina deste mar
que não se consente agrilhoado
mesmo que seja breve o azul
no perfume das águas
mesmo que o cíclico pássaro
de plenas asas
adocique o bando
não te vejo a abandonar a luz
clara silvestre dos relâmpagos

o ar que respiras
pelas narinas do vento
continua a movimentar-se
agita as dunas
grita nas falésias
contra a absolvição dos destinos

submerso no chão das maresias
um dia virás à tona  tanger um hino
à ternura das tempestades 

o brilho dos teus olhos
de tão órfãos
ainda terão uma pedra

para atirar às estrelas



Eufrázio Filipe
"CHÃO DE CLARIDADES" 

terça-feira, 1 de setembro de 2015

TIMBRES DE OUTROS MARES







Neste tempo de vindimas
decepadas as videiras
temos por hábito desenhar
lábios nos lábios
um mar arável

No chão da escarpa
pisamos uvas
provamos o sangue derramado
de asas abertas
uma vida quase inteira

e assim acordamos
a fazer versos
ou quase nada
anoitecidos a madrugar
timbres de outros mares


Eufrázio Filipe
 

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

AQUI NESTE .






Na ausência de relâmpagos
que se vejam
inteiros
nas crinas do vento

hasteamos bandeiras
de cores lúcidas

Aqui neste .
ancorados na memória
afeiçoamos pedras
desenhamos o recorte da serra

colhemos sons passos e lábios
até desvendarmos
os olhos dos pássaros


Eufrázio Filipe

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

NÓMADAS






Nómadas
no sossego da preia-mar
aves flamejantes
fazem seus ninhos

entram no poema

caminham na água
pelos nossos pés

Nómadas
neste chão que flutua
despontam pétalas
sem impecilhos

tão leves
no teu regaço

embriagam-se com mensagens
no outro lado do cais


Eufrázio Filipe

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

SOMBRA DE LUZ


                                  original com alguns versos meus já publicados porque "tudo está definitivamente inacabado"
                                            


A cantarolar metias nos púcaros
uma feira de barro
mas quando te vi assim
quase inteira
vindimada
muito antes dos relâmpagos
por sobre o palco das videiras
recebi-te de asas abertas

Folha ante-folha
chegaste ao alpendre
onde os  milagres são fáceis de explicar

chegaste sombra de luz
a mais um concerto de pássaros

os cães uivaram para as estrelas

e por um instante
salvámos o que parecia
ser eterno

Eufrázio Filipe


sábado, 8 de agosto de 2015

AFLORAR CLARIDADES


                                           


Neste espaço
aberto a todas as sedes
decepei uma árvore seca
mas deixei-lhe dois braços
erguidos
onde os pássaros silvestres
poisam em coro

Debruçado no vão da escarpa
precipitei os olhos
desprendi-me no canto

Neste espaço
quando o sol escapa dos céus
é frequente
aflorar claridades
"vozes ao alto"

e se não for a cantar
ai se se não for a cantar


Eufrázio Filipe

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

INCÊNDIO DE PALAVRAS






Nesta ilha desprendida de pétalas
o silêncio quando fala
desbrava caminhos
desponta na água
profana metáforas

e por uma côdea
uma fêmea
um território
os cães amigos
lutam até à morte

os insectos
distraídos
ágeis 
azuis
voam no magro pomar
rente à folhagem

e ao fim da tarde
andarilhos
poisam latidos
no meu ombro preferido
zumbidos
breves incêndios de palavras



Eufrázio Filipe

segunda-feira, 27 de julho de 2015

PELOS CAMINHOS DA ÁGUA





Com a serra às costas
pelos caminhos da água
sussurram lábios
remos e passos

amantes de trinados
afloram este jardim de claustros
a luz refulgente
ancorada no cais

pelos caminhos da água
lá estavam
inverosímeis pássaros soltos

os teus pés nos meus


Eufrázio Filipe

sábado, 11 de julho de 2015

VOU ALI E JÁ VOLTO






Nesta vida alcantilada
entenderam por bem
as andorinhas nidificar
no ninho que desejei
construído no alpendre
por cima da mesa
onde escrevo
para os pássaros

De tão grato
não me permito
perturbar o seu bailado
nem com o silêncio
das palavras

Vou ali e já volto


Eufrázio Filipe

segunda-feira, 6 de julho de 2015

COMO SE FOSSEMOS LIVRES E SOMOS




Nos gestos mais simples
é possível conquistar
um coração de ave
rasgar a crosta das palavras
agitar o fulgor da vida
a grinalda de cristais
onde corre o sémen
rumoroso e fértil

nos gestos mais simples
é possível espalhar sementes
incendiar fronteiras
partir mar adentro
como se fossemos livres 
e somos

nos gestos mais simples
é possível resistir
rasgar silêncios
na voz dos pássaros
e deixar que as palavras
num sopro de brisa
poisem por sobre as águas
no corpo da poesia

como se fossemos livres
e somos


Eufrázio Filipe
 

terça-feira, 30 de junho de 2015

OLHOS ENXUTOS






De passagem
pelo eco ciciado da casa
onde florescem cravos
paisagens de carne e osso
o rio
para salvar o retrato íntegro
do silvo dos barcos
transportava palavras navegáveis
folhas de arremesso
aos guardadores de rebanhos

De passagem
cansado de ser rio
exilou-se no mar

ainda tentou roubar-te
uma lágrima solta

mas os teus olhos
estavam enxutos
na palma das mãos


Eufrázio Filipe

quarta-feira, 24 de junho de 2015

QUANDO TE DESPES DAS SOMBRAS




À vista dos mastros
no eco do cais
não são os poetas
que morrem nos poemas
para salvar palavras
a luz mais clara

és tu
por gestos
quando te despes das sombras 


Eufrázio Filipe
 

quinta-feira, 18 de junho de 2015

APRENDIAM OS PÁSSAROS A TER ASAS




No tempo em que crescíamos
a noite bramava tão parda
que nem parecia noite

de súbito um frémito de luz
pestanejou nos mastros do cais

o mar restolhou

e eu vi claramente
os teus olhos remoçados
alumiarem as águas

Após tantos relâmpagos vividos
julgavas estar preparada
para voar

mas os pássaros ainda aprendiam
a ter asas


Eufrázio Filipe
 

sexta-feira, 12 de junho de 2015

ATEAR AS ÁGUAS






De tanto ver pátrias movediças
começo a ter saudade
das minhas verdades improváveis

pássaros pétalas e asas
a dardejar nos mastros
o tempo em arritmia
contado pelos dedos
em voz alta
esculpido nas pedras
povoado de sons
quase poema

Onde a luz se afoga
basta um sopro
na constelação dos azuis
para atear as águas


Eufrázio Filipe
 

domingo, 7 de junho de 2015

BREVE SEARA




Quando na limpidez dos silêncios
esculpida no espaço
dançaste em pontas
num palco de areias
por sobre as videiras
mais leve que o vento
eterna por um instante
despida de tudo
neste mar de terra arada
eu já tinha a tua sombra
projectada num lençol de linho
só me faltava a luz em arco
construir pontes
para não ferir as águas
eu já tinha a tua sombra
quando em silêncio
as escarpas vindimadas
te colheram em pleno voo
livre
musical
num sonho de mãos inteiras
flores azuis e uvas maduras
nas paredes da casa
onde se deitam os meus olhos
só faltas tu imensa
breve seara

Eufrázio Filipe

segunda-feira, 1 de junho de 2015

PRECÁRIAS DEFINIÇÕES





Quando as realidades
e o poema despontam
escrevemos no papel
das paredes
verdades improváveis
palavras de carne e sonho
surpreendemo-nos
em todos os apeadeiros
sem empecilhos de margens
nem destinos
deixamos nómada o rio
à flor da pele
o teu corpo anfiteatro
onde os pássaros crescem
em coro
e as minhas mãos

Deste tempo guardo
a ambiguidade de algumas pedras
onde o silêncio exalta
o contorno das paisagens sibilinas

Revejo nos mais elementares esconderijos
os teus bosques preferidos

as precárias definições


Eufrázio Filipe
 

terça-feira, 26 de maio de 2015

A SÍNTESE DA TUA NUDEZ






Se a morte existisse
os teus olhos clarinhos
não seriam tão azuis
nem se demoravam nos céus

mas hoje o mar sangrava
espumas brancas 
lenços de linho
pelas ruas deste chão

Quando desenhaste círculos no ar
para traduzir um rumo
contra o vento

à flor das mágoas
já desembarcavam
murais em carne viva

e eu sabia que serias a última
a partir
só não sabia que eras tu

Na verdade
onde se gera a metamorfose
pedra sonho

muito antes da luz afagar
a síntese da tua nudez
todo o espaço exíguo
se liberta


Eufrázio Filipe

 

quarta-feira, 20 de maio de 2015

NO PÚLPITO DAS CEREJEIRAS







Há um sulco invisível na água
onde viajo
e me transformo

talvez por isso
não faça sentido atear velas
queimar incensos

mexer nos ponteiros do relógio
inventar um barco e partir
folha ante-folha

talvez faça sentido
desbravar fronteiras
repartir afectos gorjeios e migalhas
no púlpito das cerejeiras


Eufrázio Filipe

 

quinta-feira, 14 de maio de 2015

MAREANTES DO VENTO





Crescemos na nudez das rochas

crescemos e desmaiamos
conforme as marés

Vertemo-nos líquidos
em caudais de sons
ardidos no sal
no delírio da espuma
por todo o corpo

Crescemos na substância das pedras
com asas muito leves

Não somos barco de carregar velas
somos mareantes do vento


Eufrázio Filipe
 

sexta-feira, 8 de maio de 2015

POR ONDE CORRE O MEU RIO






Na mais dura pedra
navegam sargaços de cristal
água possuída de viagens
que o sol lambe

na mais dura pedra
um barco com gestos a dardejar
desperta
como no princípio da fala

matéria cinzelada
sinal infatigável de vida
que nos trespassa de claridades

uma fenda esparsa
por onde corre o meu rio

 Eufrázio Filipe