domingo, 27 de dezembro de 2015
sexta-feira, 18 de dezembro de 2015
sexta-feira, 11 de dezembro de 2015
A CADEIRA VAZIA
Em cardume
nos olhos dos peixes
lá estavam os pescadores
Na véspera de relâmpagos
e outros afetos
dulcíssimos corações
clareavam as noites
e nós só podíamos fazer
o que fizemos
sentámos à mesa
os ausentes
levitámos em voz alta
o sussurro das marés
recolhemos estrelas
no chão das águas
celebrámos a cadeira vazia
eufrázio filipe
domingo, 6 de dezembro de 2015
DESENHO NOS ESPELHOS
Efémeras pétalas
dão acesso
à escarpa
erguida dos escombros
passo a passo
pelos caminhos do vento
recolho-as quando desenho
nos espelhos
pátrias amovíveis
barcos alados
que se perfilam
para hastear a mais bela
desordem
de cores no jardim
efémeras pétalas
os teus olhos remoçados
despontam à flor das águas
eufrázio filipe
quarta-feira, 2 de dezembro de 2015
VIGÍLIA AO IMPROVÁVEL
Quando te despiste em flor
e revelaste a nudez
já despontavam as camélias
não por dádiva dos céus
na vertigem das sombras
muito menos porque o mar
se ergueu
num sussurro de azuis
tão só depurada
trazias gestos musicais
a noção de um rio
que se demora nas margens
Quando te despiste
quase inocente
numa povoação de sílabas
não desnudaste
o mais íntimo da pele
ficaste em vigília ao improvável
tão perto dos mastros
onde dardejam pássaros
e profanam metáforas
eufrázio filipe
quinta-feira, 26 de novembro de 2015
BEIJÁMOS AS PEDRAS
Lá onde todos os azuis
se reúnem para cantar
e os olhos cegam
num espelho de águas
dulcíssimos
nem sempre acontecem
pautas de timbres
mas tu trazias no corpo
um rasto de asas
na voz um sinal
que despertou contidos silêncios
vírgulas pestanejadas
e foi assim
quando soltaste os pássaros
neste jardim de corais
em pleno voo
beijámos as pedras
eufrázio filipe
sábado, 21 de novembro de 2015
SOMBRA DE LUZ
Eduardo Gajeiro
Quando despertei
a árvore
que ajudei a plantar
nos espelhos da memória
choviam
desejos paisagens sons
e foi assim
neste equilíbrio
fugaz de assimetrias
que escrevi no tempo
um espaço
para agitar o vento
mares salivas flores de sal
a prumo nos mastros
num desassossego de barcos
e foi assim
que organizámos jardins
bandos de pássaros
relâmpagos
Quando despertei
vesti o melhor fato
só para te ver
e tu lá estavas
sombra de luz.
domingo, 15 de novembro de 2015
TANTA LUZ
PUBLICADO EM 2011
Junto ao portão
os cães ladravam
aos outros cães
porque havia um portão
de faúlhas
e a noite acordava
com pássaros claros
e agora?
neste restolho de latidos
e gestos inacabados
que hei-de fazer
a tanta luz?
que hei-de fazer
quando te deitas
nas escadas do templo
a tecer fios de música
e os cães não se calam?
eufrázio filipe
sábado, 14 de novembro de 2015
GARATUJAS ( 10 )
Aceitei o desafio do meu neto para escrever uns textos como se fossem garatujas
Avô - está ali uma senhora a chamar pela cadela da vizinha.
Só pode ser a vizinha.
A minha cadela saltou a vedação e anda por aí com o vosso cão.
Timóteo chama o Oli.
O Oli está debaixo da romãzeira a brincar com a cadela da vizinha.
A vida é uma surpresa minha senhora. Ontem dissemos ao Oli para respeitar o silêncio da sua cadela. Como vamos fazer?
Eu vou buscá-la . Importa-se que salte a vedação?
E foi assim, contra a vontade dos dois, separados, cada um ficou no seu espaço.
Avô - porque não ficaram cá todos?
Temos que respeitar o espaço de cada um.
A cadela tem dona, o Oli não.
Cabisbaixo, rabo entre as pernas e orelhas murchas chegou o Oli.
Não fiques triste.
Não fico triste? Eu estou triste.
Diz ao teu avô que não quero mais o paraíso.
Prefiro a rua da nossa cidade
eufrázio filipe
Avô - está ali uma senhora a chamar pela cadela da vizinha.
Só pode ser a vizinha.
A minha cadela saltou a vedação e anda por aí com o vosso cão.
Timóteo chama o Oli.
O Oli está debaixo da romãzeira a brincar com a cadela da vizinha.
A vida é uma surpresa minha senhora. Ontem dissemos ao Oli para respeitar o silêncio da sua cadela. Como vamos fazer?
Eu vou buscá-la . Importa-se que salte a vedação?
E foi assim, contra a vontade dos dois, separados, cada um ficou no seu espaço.
Avô - porque não ficaram cá todos?
Temos que respeitar o espaço de cada um.
A cadela tem dona, o Oli não.
Cabisbaixo, rabo entre as pernas e orelhas murchas chegou o Oli.
Não fiques triste.
Não fico triste? Eu estou triste.
Diz ao teu avô que não quero mais o paraíso.
Prefiro a rua da nossa cidade
eufrázio filipe
sexta-feira, 13 de novembro de 2015
GARATUJAS ( 9 )
aceitei o desafio do meu neto para escrever uns textos como se fossem garatujas
Timóteo diz ao Oli que na cadela da vizinha ninguém toca.
Ele só queria que não estivesse isolada.
Certo - mas ele pode correr atrás dos coelhos que por aí andam a comer tudo na horta.
Avô - disseste que estávamos no paraíso .
Timóteo - os paraísos têm regras. Aqui todos somos livres como se estivéssemos numa prisão com as chaves no bolso.
O Oli deve respeitar o silêncio da cadela da vizinha.
Vou falar-lhe.
Amigo - continua a ladrar para as estrêlas.
És um bom tenor, mas para cantar em conjunto, tens de aprender
a ouvir os pássaros.
eufrázio filipe
quinta-feira, 12 de novembro de 2015
GARATUJAS ( 8 )
aceitei o desafio do meu neto para escrever uns textos como se fossem garatujas
Dormiste bem?
Passei pelas brasas. O galo fartou-se de cantar.
Estamos numa casa de campo para descansar.
Mas tu também ladras às estrêlas.
Tens razão, nós é que invadimos o seu espaço.
Na cidade dormia bem com ruído, aqui oiço pássaros de todas as cores e protesto.
Oli - quem sabe um dia na diferença da voz, daremos um concerto, fora do coreto, sem gente estranha a ouvir.
Se for em família até podemos convidar a cadela da vizinha.
A cadela da vizinha não canta - vive só.
Por vezes sós mas nunca isolados.
eufrázio filipe
quarta-feira, 11 de novembro de 2015
GARATUJAS ( 7 )
Aceitei o desafio do meu neto para escrever uns textos como se fossem garatujas
Chegámos. Era Outono.
As videiras estavam podadas e a casa ao fundo à nossa espera.
Visitámos os galinheiros. Aplaudimos um bando de rolas, apanhámos uma romã e olhámos em frente para o castelo.
O silêncio afagava todo o espaço como se estivéssemos no princípio do mundo.
Avô - aqui só falta o jardim que eu não tenho na escola.
Tens razão. Vamos plantar sonhos.
Estás de acordo Oli?
Eu sou um cão da cidade com vistas para o mar.
Aqui só vejo terra, muita terra, muita terra.
Logo à noite vou ladrar para as estrêlas me orientarem nesta aventura.
Oli - queres dormir no galinheiro?
Um cão como eu só pode dormir a céu aberto.
Mesmo que chova no paraíso.
eufrázio filipe
terça-feira, 10 de novembro de 2015
GARATUJAS ( 6 )
Aceitei o desafio do meu neto para escrever uns textos como se fossem garatujas
Oli - tenho uma novidade.
O avô tem um espaço rural para nós. Não é muito grande mas dá para todos.
Queres vir?
A quinta tem portão?
Tem mas não é para te prender é para os outros não entrarem.
Quando vamos à quinta?
Quando despontar uma nesga de sol.
Então vamos amanhã. Ontem à noite quando ladrava para o céu, vi uma estrêla a brilhar nos meus olhos. Foi o sinal, porque nem todas as estrêlas olham para mim.
E foi assim.
No dia seguinte lá fomos a caminho do paraíso.
eufrázio filipe
segunda-feira, 9 de novembro de 2015
GARATUJAS ( 5 )
Aceitei o desafio do meu neto para escrever uns textos como se fossem garatujas
O Outono brilhou por uma nesga e nós decidimos passear.
Lá fomos a cantarolar. Música minha, letra do meu avô com arranjos do Oli.
Pelo caminho até ao jardim da aldeia alguns cães sem abrigo juntaram-se a nós.
Não sei porquê.
Talvez gostássem da cantoria.
Cumprimos o objectivo, chegámos ao coreto.
Quando nos preparávamos para o concerto, o Oli disse em voz alta.
Não canto mais. Está aqui muita gente desconhecida.
A música acabou.
Começou a chuviscar e os cães choraram.
eufrázio filipe
domingo, 8 de novembro de 2015
GARATUJAS ( 4 )
Aceitei o desafio do meu neto para escrever uns textos como se fossem garatujas
Antes de falar com o cão, falei com o avô, que me deu um conselho.
Se o animal é teu amigo dá-lhe um nome.
Foi assim.
Deitei-lhe um copo de água na cabeça e chamei-lhe OLI.
Ele estranhou.
Abanou-se todo.
Repeti - Oli, Oli, Oli.
Parece que o estou a ouvir.
Ninguém pede para nascer.
Podias ter evitado o copo de água.
Não pedi nada, nem para ser baptizado, mas se foi da tua vontade, aceito que me chames Oli.
Eu vou chamar-te Timóteo
porque já ouvi o teu avô.
Aprecio as coisas simples da vida
eufrázio filipe
GARATUJAS ( 3 )
Aceitei o desafio do meu neto para escrever uns textos como se fossem garatujas
Vim à rua e lá estava aninhado à nossa porta.
Cumprimentámo-nos antes de lhe dar o entrecosto.
Não comeu de imediato.
Olhou para cima ladrou e só depois começou a trincar
Avô - disseste-me que os cães, à noite ladram
para as estrêlas.
Estávamos no Outono, o céu cheio de nuvens,
não vi estrêlas mas ele ladrou
baixinho mas ladrou.
Quando fechei a porta comecei a pensar
um dia vou à fala com o meu amigo.
eufrázio filipe
sábado, 7 de novembro de 2015
GARATUJAS ( 2 )
Aceitei o desafio do meu neto para escrever uns textos como se fossem garatujas
Falei com o meu amigo de quatro patas e aprendi que precisava de espaço para ser livre.
Aprendi a saber ouvir e ele disse-me
Um cão como eu não é feliz numa varanda.
Se fosse de barro terias de inventar uma vida para mim, mas não seria eu.
Não devias mas atravessaste o jardim da tua escola pelo meio das flores.
Sei que foi um sonho, mas apeteceu-te.
A mim apetece-me ser teu amigo, sem dono.
Foi por isso que te lambi a ferida e te olhei.
Queres ser meu amigo?
Não faças como a flor com espinhos que te rasgou a perna.
Sabes o que quero de ti?
Coça-me as orelhas, olha para os meus olhos.
Eufrázio Filipe
sexta-feira, 6 de novembro de 2015
GARATUJAS ( 1 )
Aceitei o desafio do meu neto para escrever uns textos
como se fossem garatujas
Na rua chovia. As folhas das árvores caíam.
Estávamos no Outono, mas hoje acordei com um sonho lindo.
Apeteceu-me correr no jardim da escola, mesmo pelo meio das flores. Eu sei que não devia, mas apeteceu-me.
Estou a falar de um sonho, porque a minha escola não tem jardim com flores.
De repente tropecei numa flor com espinhos, caí, fiquei ferido numa perna.
Ali fiquei no chão com muitas dores a chorar.
De repente apareceu um cão e assustei-me.
Não sabia o que fazer.
Ele olhou para mim e lambeu-me a ferida.
Cocei-lhe as orelhas e abanou o rabo de contente.
Já acordado pensei no meu sonho lindo e disse
Nunca mais corro pelo meio das flores, mas quero ter um amigo
de quatro patas.
eufrázio filipe
sexta-feira, 30 de outubro de 2015
TRAÇOS A CARVÃO
João Cutileiro
Nos mastros mais altos
respiramos sinais
de pássaros públicos
compromissos
com vírgulas nas palavras
caminhos vertebrados
que respaldam
fulgores de timbres
Nos mastros mais altos
exultam eternos
por instantes
traços de carvão
asas enxutas
respiramos
por uma nesga de sol
o fresco ar
das madrugadas
Eufrázio Filipe
domingo, 25 de outubro de 2015
terça-feira, 20 de outubro de 2015
quinta-feira, 15 de outubro de 2015
ATÉ A LUZ SE FAZER DIA
Justyna Kopania
Com os barcos às costas
num sopro de vento
de porto em porto
a dobrar esquinas
a comer pedras sem destinos
construtores de lonjuras
irreprimíveis
para lá das taprobanas
contra torvelinhos
silvestres
a domar escarpas
ao sabor das aves
que de tão abruptas
só poisam nos mastros
Num sopro de vento
andamos por aí a desbravar
arestas ruínas tempestades
até as águas correntes
se libertarem das crinas
invadirem o chão
para desassossego das sombras
De porto em porto
até a luz se fazer dia
Eufrázio Filipe
"Presos a um sopro de vento"
sexta-feira, 9 de outubro de 2015
segunda-feira, 5 de outubro de 2015
SÓ NOS FALTAVA SEDUZIR OS PÁSSAROS
A remoinhar
no mais íntimo da pele
tínhamos quase tudo
tão perto das mãos
que nem lhe podíamos tocar
amanhãs
e outros destinos
Só nos faltava
subir às pedras deste chão
impedir nas mansas águas
que o sonho rebentasse
onde as estrelas vicejam
sem quebrantos
Tínhamos quase tudo
até um pomar de faúlhas
para alumiar o fulgor do canto
Só nos faltava
seduzir os pássaros
EUFRÁZIO FILIPE
"Presos a um sopro de vento"
domingo, 4 de outubro de 2015
sexta-feira, 2 de outubro de 2015
segunda-feira, 28 de setembro de 2015
NO PESTANEJAR DE UMA VÍRGULA
Olho-te como se fosse a primeira vez
na verdade a água
corpo líquido de mulher
tem segredos escondidos no fundo das pedras
alimentos de fogo
talvez uma praia onde se fundem
areias e lábios
um piano de luzes
que determina o tempo das estações
Ainda bem que tens ilhas selvagens
sinais apócrifos que se desnudam
em gestos simples
no pestanejar de uma vírgula
Na verdade a água sabe rir e chorar
no espelho das próprias lágrimas
no rumor das maresias
e eu descobri uma vez mais
que tens poros por onde respiras
silêncios escarpas por onde escorrem salivas
que te ergues e desmoronas
abrigo e mensageira
te desprendes do chão
ou hibernas nos corais
Que bom ainda hoje
partilhar contigo este despertar
aprender pela vida fora a descobrir-te
como se fosse a primeira vez
deixar por um instante
a outra água
para os peixes se moverem
Eufrázio Filipe
"CHÃO DE CLARIDADES"
terça-feira, 22 de setembro de 2015
O PÃO QUE LEVAMOS AOS LÁBIOS
Doem-me todos os muros
onde as silvas
se enleiam
mesmo que sejam
castelos
sibilinos nas ameias
Doem-me todos os muros
o mar inteiro
ancorado no cais
mesmo que benzidas as pedras
à revelia dos pássaros
Doi-me tudo no Outono
menos as romãs
a despontarem vermelhas
passo a passo
o pão que levamos aos lábios
Eufrázio Filipe
quinta-feira, 17 de setembro de 2015
PALAVRAS VERTEBRADAS
Benditas as palavras vertebradas
silaba a silaba
o canto das folhas desamparadas
no alpendre
o uivo dos cães
a clarear sombras
bem escasso
este perfume de mostos
chuva lábios e pedras
este marulhar desabrido
à nossa porta
na livre circulação do vento
Eufrázio Filipe
sábado, 12 de setembro de 2015
INGREME O CAMINHO DAS PEDRAS
Estavam no cais
os barcos de remelas
etéreos
quando partimos
por sobre as águas
sem fim à vista
foi assim
lá onde os olhos sem amparo
se consentem demorados
assistimos à passagem
de um sopro de vento
Neste leito de sussurros
a primitiva chama
navegava
todos os degraus da escarpa
foi assim
tresmalhadas as pátrias
chegámos à fala
de mãos dadas
no íngreme caminho das pedras
Eufrázio Filipe
terça-feira, 8 de setembro de 2015
UM HINO ÀS TEMPESTADES
Na tremulina deste mar
que não se consente agrilhoado
mesmo que seja breve o azul
no perfume das águas
mesmo que o cíclico pássaro
de plenas asas
adocique o bando
não te vejo a abandonar a luz
clara silvestre dos relâmpagos
o ar que respiras
pelas narinas do vento
continua a movimentar-se
agita as dunas
grita nas falésias
contra a absolvição dos destinos
submerso no chão das maresias
um dia virás à tona tanger um hino
à ternura das tempestades
o brilho dos teus olhos
de tão órfãos
ainda terão uma pedra
para atirar às estrelas
Eufrázio Filipe
"CHÃO DE CLARIDADES"
terça-feira, 1 de setembro de 2015
TIMBRES DE OUTROS MARES
Neste tempo de vindimas
decepadas as videiras
temos por hábito desenhar
lábios nos lábios
um mar arável
No chão da escarpa
pisamos uvas
provamos o sangue derramado
de asas abertas
uma vida quase inteira
e assim acordamos
a fazer versos
ou quase nada
anoitecidos a madrugar
timbres de outros mares
Eufrázio Filipe
quarta-feira, 26 de agosto de 2015
sexta-feira, 21 de agosto de 2015
sexta-feira, 14 de agosto de 2015
SOMBRA DE LUZ
original com alguns versos meus já publicados porque "tudo está definitivamente inacabado"
A cantarolar metias nos púcaros
uma feira de barro
mas quando te vi assim
quase inteira
vindimada
muito antes dos relâmpagos
por sobre o palco das videiras
recebi-te de asas abertas
Folha ante-folha
chegaste ao alpendre
onde os milagres são fáceis de explicar
chegaste sombra de luz
a mais um concerto de pássaros
os cães uivaram para as estrelas
e por um instante
salvámos o que parecia
ser eterno
Eufrázio Filipe
sábado, 8 de agosto de 2015
AFLORAR CLARIDADES
Neste espaço
aberto a todas as sedes
decepei uma árvore seca
mas deixei-lhe dois braços
erguidos
onde os pássaros silvestres
poisam em coro
Debruçado no vão da escarpa
precipitei os olhos
desprendi-me no canto
Neste espaço
quando o sol escapa dos céus
é frequente
aflorar claridades
"vozes ao alto"
e se não for a cantar
ai se se não for a cantar
Eufrázio Filipe
segunda-feira, 3 de agosto de 2015
INCÊNDIO DE PALAVRAS
Nesta ilha desprendida de pétalas
o silêncio quando fala
desbrava caminhos
desponta na água
profana metáforas
e por uma côdea
uma fêmea
um território
os cães amigos
lutam até à morte
os insectos
distraídos
ágeis
azuis
voam no magro pomar
rente à folhagem
e ao fim da tarde
andarilhos
poisam latidos
no meu ombro preferido
zumbidos
breves incêndios de palavras
Eufrázio Filipe
segunda-feira, 27 de julho de 2015
sábado, 11 de julho de 2015
VOU ALI E JÁ VOLTO
Nesta vida alcantilada
entenderam por bem
as andorinhas nidificar
no ninho que desejei
construído no alpendre
por cima da mesa
onde escrevo
para os pássaros
De tão grato
não me permito
perturbar o seu bailado
nem com o silêncio
das palavras
Vou ali e já volto
Eufrázio Filipe
segunda-feira, 6 de julho de 2015
COMO SE FOSSEMOS LIVRES E SOMOS
Nos gestos mais simples
é possível conquistar
um coração de ave
rasgar a crosta das palavras
agitar o fulgor da vida
a grinalda de cristais
onde corre o sémen
rumoroso e fértil
nos gestos mais simples
é possível espalhar sementes
incendiar fronteiras
partir mar adentro
como se fossemos livres
e somos
nos gestos mais simples
é possível resistir
rasgar silêncios
na voz dos pássaros
e deixar que as palavras
num sopro de brisa
poisem por sobre as águas
no corpo da poesia
como se fossemos livres
e somos
Eufrázio Filipe
terça-feira, 30 de junho de 2015
OLHOS ENXUTOS
De passagem
pelo eco ciciado da casa
onde florescem cravos
paisagens de carne e osso
o rio
para salvar o retrato íntegro
do silvo dos barcos
transportava palavras navegáveis
folhas de arremesso
aos guardadores de rebanhos
De passagem
cansado de ser rio
exilou-se no mar
ainda tentou roubar-te
uma lágrima solta
mas os teus olhos
estavam enxutos
na palma das mãos
Eufrázio Filipe
quarta-feira, 24 de junho de 2015
quinta-feira, 18 de junho de 2015
APRENDIAM OS PÁSSAROS A TER ASAS
No tempo em que crescíamos
a noite bramava tão parda
que nem parecia noite
de súbito um frémito de luz
pestanejou nos mastros do cais
o mar restolhou
e eu vi claramente
os teus olhos remoçados
alumiarem as águas
Após tantos relâmpagos vividos
julgavas estar preparada
para voar
mas os pássaros ainda aprendiam
a ter asas
Eufrázio Filipe
sexta-feira, 12 de junho de 2015
ATEAR AS ÁGUAS
De tanto ver pátrias movediças
começo a ter saudade
das minhas verdades improváveis
pássaros pétalas e asas
a dardejar nos mastros
o tempo em arritmia
contado pelos dedos
em voz alta
esculpido nas pedras
povoado de sons
quase poema
Onde a luz se afoga
basta um sopro
na constelação dos azuis
para atear as águas
Eufrázio Filipe
domingo, 7 de junho de 2015
BREVE SEARA
Quando na limpidez dos silêncios
esculpida no espaço
dançaste em pontas
num palco de areias
por sobre as videiras
mais leve que o vento
eterna por um instante
despida de tudo
neste mar de terra arada
eu já tinha a tua sombra
projectada num lençol de linho
só me faltava a luz em arco
construir pontes
para não ferir as águas
eu já tinha a tua sombra
quando em silêncio
as escarpas vindimadas
te colheram em pleno voo
livre
musical
num sonho de mãos inteiras
flores azuis e uvas maduras
nas paredes da casa
onde se deitam os meus olhos
só faltas tu imensa
breve seara
Eufrázio Filipe
segunda-feira, 1 de junho de 2015
PRECÁRIAS DEFINIÇÕES
Quando as realidades
e o poema despontam
escrevemos no papel
das paredes
verdades improváveis
palavras de carne e sonho
surpreendemo-nos
em todos os apeadeiros
sem empecilhos de margens
nem destinos
deixamos nómada o rio
à flor da pele
o teu corpo anfiteatro
onde os pássaros crescem
em coro
e as minhas mãos
Deste tempo guardo
a ambiguidade de algumas pedras
onde o silêncio exalta
o contorno das paisagens sibilinas
Revejo nos mais elementares esconderijos
os teus bosques preferidos
as precárias definições
Eufrázio Filipe
terça-feira, 26 de maio de 2015
A SÍNTESE DA TUA NUDEZ
Se a morte existisse
os teus olhos clarinhos
não seriam tão azuis
nem se demoravam nos céus
mas hoje o mar sangrava
espumas brancas
lenços de linho
pelas ruas deste chão
Quando desenhaste círculos no ar
para traduzir um rumo
contra o vento
à flor das mágoas
já desembarcavam
murais em carne viva
e eu sabia que serias a última
a partir
só não sabia que eras tu
Na verdade
onde se gera a metamorfose
pedra sonho
muito antes da luz afagar
a síntese da tua nudez
todo o espaço exíguo
se liberta
Eufrázio Filipe
quarta-feira, 20 de maio de 2015
NO PÚLPITO DAS CEREJEIRAS
Há um sulco invisível na água
onde viajo
e me transformo
talvez por isso
não faça sentido atear velas
queimar incensos
mexer nos ponteiros do relógio
inventar um barco e partir
folha ante-folha
talvez faça sentido
desbravar fronteiras
repartir afectos gorjeios e migalhas
no púlpito das cerejeiras
Eufrázio Filipe
quinta-feira, 14 de maio de 2015
sexta-feira, 8 de maio de 2015
POR ONDE CORRE O MEU RIO
Na mais dura pedra
navegam sargaços de cristal
água possuída de viagens
que o sol lambe
na mais dura pedra
um barco com gestos a dardejar
desperta
como no princípio da fala
matéria cinzelada
sinal infatigável de vida
que nos trespassa de claridades
uma fenda esparsa
por onde corre o meu rio
Eufrázio Filipe
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