sexta-feira, 29 de abril de 2011

" TODOS OS SONHOS DO MUNDO "


seixal - foto de AUGUSTO CABRITA

Olhei um pássaro nos olhos

só depois partilhei o voo
sem quebrantos
a imensa sede

pequenos sinais que se ateiam

silvestres
profundos
azuis

até os infinitos tangíveis
se libertarem
por um fugidio grão de areia

Se os olhos do pássaro
não se tivessem suicidado nos meus
hoje mesmo seriam possíveis
" todos os sonhos do mundo "



segunda-feira, 25 de abril de 2011

MÁRIO SOARES OFERECE AO PAÍS UM COELHO NA PALMA DA MÃO





O magestático dr. Soares , um estratega que deseja ficar na história à esquerda da sua prática política - impôs ao país uma europa não sufragada que hoje condena contra a matilha dos mercados estranguladores das pequenas economias.

O dr. Soares que hoje sacode a água do capote - agachou o país - mas hoje pontifica a favor dos agachados - na mesma europa que ajudou a construir - a tal solidária e amiga que compra a 2% e nos empresta a 6%.

Consta que o dr. Soares não gosta do Eng. Sócrates mas aprecia o dr. Coelho e o dr. Nobre.
Consta que  o dr Cavaco não gosta do dr. Coelho nem do dr. Nobre.
Consta que o eng. Sócrates não gosta do dr. Soares nem do dr. Nobre mas aprecia o dr Cavaco.
Consta que o dr. Soares e o dr. Cavaco não gostam de ninguém - a não ser de si mesmo.

Sendo assim como consta - não tínhamos necessidade de pagar à troika do fmi para desgovernar o país. A troika já existia cá dentro - já existe cá dentro.

Só nos faltava agora os dizeres do dr Soares  - magestático e estratega - a oferecer-nos com elogios exuberantes - um Coelho na palma da mão.


segunda-feira, 18 de abril de 2011

MAIS VERMELHA QUE OS TEUS LÁBIOS



                                                      Publicado em 2010 na revista SEARA NOVA

A noite carregava
a sua própria sombra
mas nós carregávamos uma noite
que não era a nossa

quando uma luz de sol
despontou nas paredes do cais
para ergueres as pálpebras
e veres claramente
espalhadas no chão dos barcos
o que pareciam ser
as últimas flores do Inverno

tu sabias
que estavam a medrar
novas marés
quando subiste à gávea
dos barcos ancorados
para confirmar o rosto branco
da madrugada

tu sabias
que alguém andava
a lavrar desertos
para nascer uma flor
mais vermelha que os teus lábios



terça-feira, 12 de abril de 2011

UM RIO DE ATEAR FOGUEIRAS



Neste barco
que ainda ontem nasceu
na palma das nossas mãos
sem pátrias àvista
quase eterno
 um fio de música
dança incógnito
até nos doermos
e as águas lamberem
os nossos passos

Se o rio deixasse de correr
ficaríamos desertos nas margens
e o mar sofria
por falta de areias

mas neste barco
cúmplices até à foz
tentamos descobrir o efémero
por entre os dedos

voamos onde se precipitam as aves
e desaguamos
como se fossemos um rio
e somos
de atear fogueiras



quinta-feira, 7 de abril de 2011

O BRILHO DOS CORAIS


                                                             oleo de John Waterhouse

Cansado dos pássaros apátridas
dos cães dulcíssimos
das pedras estateladas
no chão da azinhaga
e do pó que se levanta

das palavras
dos pássaros
dos cães

meti-me ao mar
para te roubar um beijo
afundar um barco
nos teus olhos
e regressar ao cais
de mãos vazias

Amanhã tentarei
recuperar nos escombros
o sinal que deixei gravado
na gávea

o brilho dos corais



sexta-feira, 1 de abril de 2011

VIGÍLIA AO IMPROVÁVEL



Quando te despiste em flor

e revelaste a nudez

Abril despontou

não por dádiva dos céus

conforme as estações

nem pela fragilidade das sombras

muito menos porque o mar entendeu

ser uma plasticidade de azuis

Tão só porque trazias musical

o sangue tatuado

a noção de um rio

que se demora nas margens

Foi assim inocente

numa povoação de rotas e pontes

que te desnudaste

até à vertigem dos poentes amovíveis

Ainda hoje

de vigília ao improvável

aqui tão perto dos mastros

onde dardejam as nossas asas

apetece aflorar-te os lábios

com os lábios