Nota prévia - esclareço que a imagem mostra uma senhora desconhecida que admito tenha sido ministra. Talvez por ela tenha escrito o texto que torno a publicar.
Inconformado mas tranquílo navegava descontraído ao sabor da música de Nat King Cole, pelas ruas da net. A sorver um inestimável cigarro naveguei, naveguei, até entrar por acaso numa sala de conversa, em mesa redonda. Cumprimentei com um olá abrangente. O fórum pareceu-me uma récita de finalistas e alguém entretanto respondeu com voz terna e macia com outro olá.
Trocámos moradas e um outro dia cliquei - zebra@mail. pt.
Acordámos um encontro na pastelaria Versalhes.
Era sexta feira, dia das cidades sem carros e na avenida da república foi comovedor apreciar um punhado de gente a correr como espermatozóides a respirarem finalmente pelos pulmões - de bicicleta, de patins, a cavalo, ao pé coxinho - vitoriosos, saltitantes, castos e inocentes.
Ouvi alguém recordar que o vento é o ar em movimento.
Na verdade o governo nas varandas de São Bento, em estado crítico de parto orçamental, aplaudia-se a si mesmo enquanto o ar quimicamente puro entrava e saía nos amplos salões.
Estávamos nos útimos lampejos do Verão quando me dirigi ao micro clima da Versalhes que distinta luzia nos florais dourados, nos tiques barrocos da fauna residente, no brilho cristalino dos espelhos, na nata das conversas, nas minhas lentes de contacto.
Às dezassete horas em ponto, uma galáxia de estrêlas cadentes entrava na pastelaria, Dirigiu-se à mesa. Parecia uma papoila. Não andava - deslizava, voláctil, aparentemente frágil mas insinuante. Vestia seda natural - exibia discretos viveiros de rosas polícromas . Cravos nem um.
Alta, amendoada, olhos felinos, nuca rapada - calou a Versalhes e eu confesso que fiquei com a ideia de ver uma personagem conhecida.
Cumprimentámo-nos com alguma solenidade. A sua mão ou a minha tremia humedecida.
Tomámos o chá em porcelana bago de arroz e falámos, falámos - ternos , criativos, inocentes.
Concluí que talvez pertencesse à comunidade de Santo Egídio, empenhada na cultura para a paz, na mediação internacional - uma frente organizada e independente mas da total confiança política do Vaticano.
Inesperadamente fui convidado para visitar a piscina interior de um hotel. Com a naturalidade de quem procura substância para uma crónica, aceitei o convite.
Desviámo-nos um pouco da avenida da república, apanhámos um táxi, chegámos ao hotel - óbviamente um cinco estrêlas.
No lancil - uma jovem andrajosa raspava as cordas de um violino lacrimoso, rezava por uma moeda, num debotado copo plástico da coca-cola. Parámos enquanto ela olhou a rapariga.Com os dedos esguios retirou um brinco da orelha que deixou maternal no copo das esmolas - e eu com o mesmo sentido cooperante deitei a mão ao bolso do casaco mas só encontrei um auto-colante contra a co-incineração na serra da Arrábida.
Entrámos. No átrio da piscina a música de fundo oferecia Nat King Cole.
Pedi um Cuty Sark e a minha companheira, como se estivesse na intimidade do doce lar - começou a despir o vestido de seda, a espargir um ténue perfume a rosas e a revelar um lindíssimo fato de banho.
As riscas de zebra, perfeitamente selvagens, listavam-lhe todo o corpo amendoado - coladas à pele penetravam-lhe os ângulos, as reentrâncias, os espaços bojudos, os precipícios - das unhas dos pés até à nuca rapada.
Por dentro não vi nada de muito significativo, mas quando lenta e solenemente se aproximou da água, reparei que não tinha uma única peça de roupa vestida. Numa nádega era evidente a assinatura do pintor.
Rodando o pescoço - óptimo para o sinistro tempo da guilhotina, olhou-me fixamente com outros olhos. Estava triste. Revelava uma profunda solidão interior e eu inquietei-me.
Sempre a fixar-me deu uns passos e permitiu que uma lágrima solta, desamparada, tingisse a água da piscina. Mais me inquietei quando não conteve um breve sorriso nervoso e me interrogou, terna e com voz macia.
Fui remodelada, sabia?
Compreensivo e terno respondi
Sim senhora ministra.