desenho de Mário Filipe Tu sabes Dique - na vida, por vezes, um homem tem que ladrar
aos cães.
Compeensivo - o Dique olhou-me, e lá fomos.
Estava um senhor representante de um país rico a discursar no púlpito de uma cimeira com pobrezinhos na plateia - de modo a chegarem a um acordo original - "quem manda aqui sou eu" - e tudo continuar como antes - isto é, os pobres cada vez mais dependentes e estupidamente felizes na bandeja dos "subsidios".
Fui com o Dique assistir ao discurso, no segundo balcão do auditorio e concluimos - ainda o senhor estava na leitura do primeiro rolo de papel - A VIDA NÃO É SÓ CONTEMPLAÇÃO E VALE A PENA INTERVIR NA PAISAGEM.
Foi o que fizemos.
O Dique ladrou em falsete, eu cantei a Grandola Vila Morena e ouvimos ao lado alguem bater palmas ao nosso protesto - até sermos expulsos da galeria, após identificação.
Saímos incomodados. A rua vigiada sugeriu-nos uma pausa no café da esquina.
Olhei o Dique ainda não refeito da expulsão. Estava triste.
Disse-lhe determinado - será melhor falarmos de nós. Acalmado concordou e eu comecei a vaguear pela memoria.
Um cão pode ter caracteristicas sublimes de personalidade.Depende do cão e do dono, das condições que ambos conquistaram na vida e da parceria que acordaram nos olhos um do outro.
Não estou de acordo com o Snoopy quando diz - "ontem era um cão.Hoje sou um cão. Amanha provavelmente serei um cão. Há tão pouca esperança de progredir". Curiosamente o Dique também não está de acordo com o Snoopy.
Quem és tu Dique?
Não é simples de explicar,mas em síntese, és um cão.
Aos meus olhos és ainda mais que um cão.Porquê? Porque tens sentidos. Porquê? Porque és vertebrado e quase humano nos caminhos que percorremos, nas histórias que inventamos, na cumplicidade que partilhamos.
Na verdade tudo tem um principio mesmo que a explicação seja simples. Na verdade criei um objecto animado para protagonizar comigo - silêncios, memórias e afetos.
Tornei-me ventríloquo?
Uma coisa é certa - tu existes e chamas-te Dique.
Um dia, no lugar da Volta da Pedra, na berma da estrada nacional, parei numa venda de barros. Tinha a ideia de comprar um vaso e acabei por comprar um cão. Exactamente - um cão de barro .
Sempre pensei que nesse preciso instante estava apenas a comprar um objecto decorativo. Nunca pensei que um dia aquela coisa poderias ser tu Dique. Parece que foi ontem.
Sentado sobre as patas traseiras, porte altivo, orelhas espetadas, olhar terno, bem esticado de coluna, cheio de pó e corpo de barro. Olhamo-nos e parece que te ouvi dizer baixinho - "tira-me daqui".
Resultado - não comprei um vaso, comprei um cão.
Comprei-te barato e coloquei-te onde me pareceu mais certo - à porta da casa.
Ali ficaste todo o inverno.Ao sol, à chuva, ao frio.
Um sentinela.Hirto, sem pestanejar.Uma estátua vigilante e leal a cumprir uma tarefa, um desígnio histórico.
Recordas-te? Passava por ti e não me apercebia que eras um cão. Só tu sabias.
A vida tem razões que a razão não entende e talvez por isso valha a pena ser sonhada, recriada, partilhada.
O inverno passou, nu e cru como são os invernos.Não arredaste pé até que no despontar deste verão - desapercebido ou enamorado da lua cheia, ao fechar a porta da casa, assustei-me com o teu vulto. Nem parecia noite e tu projetavas sombra com a dignidade do primeito dia.
Nervoso - sorri-me com um esgar repentino. Assustei-me.
A partir daquele momento inesperado comecei a olhar-te como um animal de carne e osso.Deixaste de ser um objecto coisificado. Passaste a ser considerado um parceiro com quem podia contar para os bons e maus instantes.
Reconhecido foste batizado solenemente e hoje chamas-te Dique.
Pintei-te todo de preto. Coloquei-te dois brilhantes nos olhos e um dia
a nossa avó num rasgo de criatividade, chegou a dizer - "o Dique é a melhor pessoa que habita esta casa".Porquê? Porque um cão depende de si e do seu dono, e por vezes o contrário não é menos verdadeiro.
Por tudo isto entendemos hoje ir ao auditório.
Sonolento o Dique ouviu uma vez mais a nossa história.Terminámos a bola de Berlim.Saimos do café da esquina.
Admitimos que a cimeira tivesse encerrado, pois o tal senhor do discurso que reconhecemos na via pública, gritava - " DER SIEG,DER SIEG".
A rua ainda estava vigiada.Ainda rosnámos.
Peguei no Dique e regressámos a casa.
aos cães.
Compeensivo - o Dique olhou-me, e lá fomos.
Estava um senhor representante de um país rico a discursar no púlpito de uma cimeira com pobrezinhos na plateia - de modo a chegarem a um acordo original - "quem manda aqui sou eu" - e tudo continuar como antes - isto é, os pobres cada vez mais dependentes e estupidamente felizes na bandeja dos "subsidios".
Fui com o Dique assistir ao discurso, no segundo balcão do auditorio e concluimos - ainda o senhor estava na leitura do primeiro rolo de papel - A VIDA NÃO É SÓ CONTEMPLAÇÃO E VALE A PENA INTERVIR NA PAISAGEM.
Foi o que fizemos.
O Dique ladrou em falsete, eu cantei a Grandola Vila Morena e ouvimos ao lado alguem bater palmas ao nosso protesto - até sermos expulsos da galeria, após identificação.
Saímos incomodados. A rua vigiada sugeriu-nos uma pausa no café da esquina.
Olhei o Dique ainda não refeito da expulsão. Estava triste.
Disse-lhe determinado - será melhor falarmos de nós. Acalmado concordou e eu comecei a vaguear pela memoria.
Um cão pode ter caracteristicas sublimes de personalidade.Depende do cão e do dono, das condições que ambos conquistaram na vida e da parceria que acordaram nos olhos um do outro.
Não estou de acordo com o Snoopy quando diz - "ontem era um cão.Hoje sou um cão. Amanha provavelmente serei um cão. Há tão pouca esperança de progredir". Curiosamente o Dique também não está de acordo com o Snoopy.
Quem és tu Dique?
Não é simples de explicar,mas em síntese, és um cão.
Aos meus olhos és ainda mais que um cão.Porquê? Porque tens sentidos. Porquê? Porque és vertebrado e quase humano nos caminhos que percorremos, nas histórias que inventamos, na cumplicidade que partilhamos.
Na verdade tudo tem um principio mesmo que a explicação seja simples. Na verdade criei um objecto animado para protagonizar comigo - silêncios, memórias e afetos.
Tornei-me ventríloquo?
Uma coisa é certa - tu existes e chamas-te Dique.
Um dia, no lugar da Volta da Pedra, na berma da estrada nacional, parei numa venda de barros. Tinha a ideia de comprar um vaso e acabei por comprar um cão. Exactamente - um cão de barro .
Sempre pensei que nesse preciso instante estava apenas a comprar um objecto decorativo. Nunca pensei que um dia aquela coisa poderias ser tu Dique. Parece que foi ontem.
Sentado sobre as patas traseiras, porte altivo, orelhas espetadas, olhar terno, bem esticado de coluna, cheio de pó e corpo de barro. Olhamo-nos e parece que te ouvi dizer baixinho - "tira-me daqui".
Resultado - não comprei um vaso, comprei um cão.
Comprei-te barato e coloquei-te onde me pareceu mais certo - à porta da casa.
Ali ficaste todo o inverno.Ao sol, à chuva, ao frio.
Um sentinela.Hirto, sem pestanejar.Uma estátua vigilante e leal a cumprir uma tarefa, um desígnio histórico.
Recordas-te? Passava por ti e não me apercebia que eras um cão. Só tu sabias.
A vida tem razões que a razão não entende e talvez por isso valha a pena ser sonhada, recriada, partilhada.
O inverno passou, nu e cru como são os invernos.Não arredaste pé até que no despontar deste verão - desapercebido ou enamorado da lua cheia, ao fechar a porta da casa, assustei-me com o teu vulto. Nem parecia noite e tu projetavas sombra com a dignidade do primeito dia.
Nervoso - sorri-me com um esgar repentino. Assustei-me.
A partir daquele momento inesperado comecei a olhar-te como um animal de carne e osso.Deixaste de ser um objecto coisificado. Passaste a ser considerado um parceiro com quem podia contar para os bons e maus instantes.
Reconhecido foste batizado solenemente e hoje chamas-te Dique.
Pintei-te todo de preto. Coloquei-te dois brilhantes nos olhos e um dia
a nossa avó num rasgo de criatividade, chegou a dizer - "o Dique é a melhor pessoa que habita esta casa".Porquê? Porque um cão depende de si e do seu dono, e por vezes o contrário não é menos verdadeiro.
Por tudo isto entendemos hoje ir ao auditório.
Sonolento o Dique ouviu uma vez mais a nossa história.Terminámos a bola de Berlim.Saimos do café da esquina.
Admitimos que a cimeira tivesse encerrado, pois o tal senhor do discurso que reconhecemos na via pública, gritava - " DER SIEG,DER SIEG".
A rua ainda estava vigiada.Ainda rosnámos.
Peguei no Dique e regressámos a casa.