domingo, 26 de junho de 2011

DESVENDAVA-TE



Sempre que improvisas acordes
gosto de ouvir-te em silêncio

indecifrável
quase inocente
a libertar os mais contidos desejos

eterna por um fio
à luz de um fósforo

Se soubesse explicar
o movimento das sombras
a dissonância do relógio de pêndulo
o chão dos barcos a óleo
nas paredes da casa

pegava-te ao colo poema

desvendava-te


domingo, 19 de junho de 2011

O FIM DA TARDE



                                                    Oleo de Vladimir Valegov      

Quando nos mastros mais altos
das escarpas
as bandeiras em desassossego
caminhavam sibililinas
por uma nesga de sol

tu eras um rio
contra a vontade das águas
a desaguar

margens
pássaros
barcos
sedimentos

à procura de uma nova expressão
para todos os azuis

Ainda hoje não te descobri
mas estou a ver-te aqui dos mastros
tão infinita
sentada no cais

Um dia vou encontrar-te
antiga
olhos hasteados

a construir o fim da tarde




segunda-feira, 13 de junho de 2011

ETERNAMENTE A RESPIRAR



                                                       (publicado 2008 "que fizeste das nossas flores"


Nem todos os jacarandás
rebentaram em Maio
mas tu cumpriste
o ritmo das estações
contra o tempo que faz

Vestiste-te de púrpura
com cheiro a hortelã
sentaste-te no meu silêncio preferido
dedos esguios em flor a crescerem
nas teclas do piano

Nem todos os jacarandás
rebentaram em Maio
porque não existem horas para amar

porque é possível pintar
uma flor com a boca
na tua boca

e ficar assim
eternamente a respirar



terça-feira, 7 de junho de 2011

CAMINHAR NA ÁGUA

poema reeditado

Imaculada a noite
que nunca dorme
no sossego da preia-mar

Talvez por isso
te veja à tona
arredondada no manto do leito
com um andar baloiço
quase ninfa
púrpura
navio
rio acima a despontar faúlhas

Imaculada a noite
que não dorme
nesta branda tempestade
transporta no teu corpo
um sinal
de cores lúcidas
sedento de madrugadas

Estou a ver-te
asa flamejante
a rasgar um clarão de azuis
sonhos e amanhãs
a entrar efémera no poema
rio acima
dissonante

Meu amor
minha noite de alvoradas
como é bom caminhar
na água
pelos nossos pés