terça-feira, 28 de maio de 2013

LÁGRIMA SOLTA






Quando a estátua
deixou de ser estátua

eu vi

uma lágrima solta
nos olhos
da pedra


 

sexta-feira, 24 de maio de 2013

O PÃO BEIJADO





Regressados os barcos
às areias movediças
com mãos de linho
por um fio
tricotavas sinais
que se ajustavam
ao nosso corpo
guardavas segredos
pátrias navegáveis
e outros céus
como pedras
em voz alta
na escarpa

Regressados os barcos
repetidos
nada mais foi importante
que o pão beijado
no labirinto
dos teus lábios

 

terça-feira, 21 de maio de 2013

NÃO BASTA TER RAZÃO






Sem me fixar nas cores das lapelas
só nos olhos polícromos
parece-me que o quadro social à vista, injusto e dramático, transcende a legítima diferença de cores, convoca as pessoas para um grito
indignado e uníssono

Lá estarei
porque não basta ter razão


 

quinta-feira, 16 de maio de 2013

NADA MAIS ACONTECEU





Neste belo deserto
povoado de silêncios
lábios areias e coisas lindas
quando vi os pássaros
aos molhos
num só ramo da araucária
com pausas soletradas
numa cadência exausta
de trinados e vírgulas
levantei-me da sombra
com os cães
para colocar as palavras
em ordem
nos acordes da folhagem

e nada mais aconteceu

 

terça-feira, 14 de maio de 2013

COMO TE VEJO



                                           

Ainda não aprenderam
os meus olhos

a verem-te
como és

mas apenas como te vejo


 

quinta-feira, 9 de maio de 2013

ESPAÇO PARA CANTAR





Nesta aldeia
de mares imperecíveis
e sábios tristes
íntegro um pássaro do alto
entendeu por bem
atiçar o fulgor dos timbres
regressar ao cais
soltar os barcos
e partir
nas cordas vocais
de uma guitarra

Nesta aldeia
refúgio
à flor das águas

ainda há espaço para cantar

 

segunda-feira, 6 de maio de 2013

ETERNAMENTE A RESPIRAR





Nem todos os jacarandás
rebentaram em Maio
mas tu cumpriste
o ritmo das estações
contra o tempo que faz

vestiste-te de púrpura
com cheiro a hortelã
sentaste-te no meu silêncio preferido
dedos esguios em flor
a crescerem nas teclas do piano

Nem todos os jacarandás
rebentaram em Maio
porque não existem horas para amar

porque é possível pintar
uma flor com a boca
na tua boca

e ficar assim
eternamente a respirar