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Nua de tudo
como se fosses jovem
e és
a espargir silvos
em sobressalto
tão azuis
os cardos despontam
nos jardins de Maio
Nua de tudo
por sobre as pedras
não basta voar
é preciso ser pássaro
mais alto que o vento
à solta
transportar aromas
mãos cumplicidades
e um arado
soletrar pelos dedos
a vertigem da luz
no sulco dos barcos
até ser dia
Regressámos ao sítio
onde crescem silvestres buganvílias
foi aí em recato
que rasguei o que julgava ser um poema
lá no cimo da Arrábida
em visita guiada
aos azuis do Sado
no mais íntimo dos silêncios
observei a anatomia
dos teus gestos
quando te revelaste
quase ninfa
a invadir impossíveis
ao alcance dos dedos
ali ficámos eternos
a pintar sombras
que se alumiam
a inventar flores amanhãs e outros relâmpagos
Muitos foram os amigos que me brindaram com a sua presença na apresentação pública do meu Chão de Claridades. A todos estou grato - aos presentes e aos que se manifestaram de outro modo.
Transcrevo uma passagem da minha intervenção no encontro
... e foi assim ...
um dia escrevi - o amor é revolucionário e uma senhora que esculpi nas areias da praia, logo se levantou para me dizer
O amor é revolucionário? Interessante. Importa-se de me explicar mais claramente a sua ideia?
- e eu respondi que sim
Meu amor, nesta ilha rodeada de sonhos, se tivéssemos um barco, ai se tivéssemos um barco, como seria inútil este mar - lutaremos como somos e onde estamos.
A senhora de pé nas areias adiantou que as realidades quando ficcionadas, por vezes são mais verdadeiras - e ainda acrescentou - gostei de o ouvir, só é pena ser comunista.
Olhei-a nos olhos e respondi que não queria salvar o mundo, só ajudar.
A poesia é um prazer para quem escreve, um desafio para quem lê.
Tudo se move, até o vento.
Por vezes um poema vale por um verso e um verso uma eternidade.
A senhora, ainda de pé disse não ter entendido mas que as palavras eram lindas.
... e foi assim...
neste Chão de Claridades, por mares nunca antes desgrenhados que subimos à nossa escarpa preferida para colocar um beijo no mastro mais alto da vida.
Foi preciso mexer na memória das areias, celebrar relâmpagos, sol, pássaros, e algumas pedras com coração por dentro para lhe dizer ao ouvido que os poemas mais bem conseguidos, ainda não foram escritos ... mas vou tentar senhora.
A noite carregava
a sua própria sombra
mas nós carregávamos uma noite
que não era a nossa
quando uma luz de sol
despontou nas paredes do cais
para ergueres as pálpebras
e veres claramente
espalhadas no chão dos barcos
o que pareciam ser
as últimas flores do Inverno
Tu sabias
que estavam a medrar
novas marés
quando subiste à gávea
dos barcos ancorados
para confirmar o rosto branco
da madrugada
Tu sabias
que alguém andava
a lavrar desertos
para nascer uma flor
mais vermelha que os teus lábios
Também eu vos convido para este vagaroso instante.
Serão todos bem-vindos
Hoje vi com os meus olhos
uma santa mulher
asfixiar um pássaro
nas mãos
só para desenhar no chão
a dor que sentimos
chamei-a
para deixar nas areias
um beijo côncavo
e permanecer
até a memória arder
os últimos barcos
as algas discernirem
de olhos abertos
todos os ritmos das marés
chamei-a
para esgrimir contra
a invenção dos destinos
erguer o seu corpo
de grânulos
e recolher todos os beijos disponíveis
chamei-a
para acordar o sono
deste chão
libertar os pássaros
vi uma mulher
amada
esculpida na praia
Nunca foi importante
saber se era vento
barco pássaro
mulher incerta
metáfora
ou flor de estação
importante é quando passa
passeia no corpo das searas
evita magoar os cravos
Sempre me apaixonei
pela leveza dos seus passos
Tão leve de palavras
estava de feição o mar
quando te despojaste
pétala a pétala
até ao mais íntimo da pele
À semelhança dos pássaros
que nidificam em cânticos
na folhagem
nunca será possível
atenuar o grito de uma flor
Tão leve de palavras
renascido um sopro de vento
pegou-te ao colo
para despertares
o baloiço das marés
foi assim
descobrimos na luz das sombras
remos velas passos
e já foi tanto