
domingo, 28 de dezembro de 2008
ATÉ SER OUTRO DIA

terça-feira, 23 de dezembro de 2008
segunda-feira, 15 de dezembro de 2008
O NATAL VAI COMEÇAR

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008
COMBATER A INDIFERENÇA

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008
SOPRO O VENTO

Sitiada por um deserto de sílabas
lá onde a escrita nos esconde
dormes por cima do olhar
no outro lado das videiras
És o meu castelo
a hastear todos os dias
uma nuvem contra o tempo
um cristal que se alimenta
do próprio brilho
Risco um fósforo
ateio as mãos
para desvendar silêncios pendentes
Subo às ameias do teu corpo
para recuperar as minhas pedras
sopro o vento
para te ver dardejar
por sobre as areias
beber do teu vinho
quarta-feira, 3 de dezembro de 2008
O CAOS DO SODRÉ

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008
quarta-feira, 26 de novembro de 2008
DÉDALO DE BRUMAS

domingo, 23 de novembro de 2008
O CEGO DAS ESQUINAS

quinta-feira, 20 de novembro de 2008
sábado, 15 de novembro de 2008
O APEADEIRO DA BEMPOSTA
Assim partimos - em viagem, com todo o tempo - por vales, rios e montes - mapas rasgados a despertar azinhagas e amoras silvestres.
- Um dia farei das minhas pedras preferidas - pássaros azuis.
- Pois.
Foi assim que tropeçámos numa aldeia - casas dispersas, outras geminadas, um café, uma taberna, uma mercearia, uma capela, um pelourinho e um apeadeiro de caminho de ferro. Uma aldeia linda, afagada por canaviais, chorões e o cantarolar de um riacho onde corriam águas cristalinas.
Dirigimo-nos ao "Café Moderno" que exibia um jogo de matraquilhos, seis mesas, uma máquina de tirar tabaco e um rádio antigo em voz alta.
- Como se chama a vossa aldeia?
- Bemposta. Diz a lenda que uma senhora real, muito bem vestida e triste, visitava aqui um aldeão. Vinha de charrete e depois partia, nua e sorridente. O Alexandre é que sabe explicar estas coisas. Deve estar no apeadeiro.
Fomos ao apeadeiro e encontrámos o Alexandre - um velho que se recusava a ser velho, sentado num banco, em frente à linha dos comboios.
- Velho não - idoso com muita experiência.
Um dia quiz ser músico, precisava de dinheiro e parti. A minha vida foi sempre partir e chegar.
Emigrei para uma grande quinta, sem contrato, perto de Marselha. Uma vez por ano trabalhei na apanha da maçã.
Três armazens albergavam o pessoal- portugueses, espanhois e polacos .
Os que chegavam primeiro, apanhavam camas, os outros dormiam no chão. Quase sempre chovia nos armazens. No primeiro ano rasgou-se o meu impermeável. Não foi fácil resistir, mas resisti.
Cada um tinha um "rego" com cinco quilómetros de macieiras.
Colocávamos o cesto de verga, com alsas, amarrado à cintura - subiamos e desciamos o escadote, até apanharmos 350kg por dia. Quem mais apanhava mais ganhava.
- Mas quem mandava em si?
- Eram as maçãs. Enquanto houvesse uma maçã na árvore, quem mandava era a maçã. Ouvi dizer que a liberdade não cai do céu, conquista-se no chão que pisamos, mas no meu caso, só de escadote, em cima das macieiras.
À noite cada um fazia o seu jantar e o almoço para o dia seguinte. Estoirados dormiamos à pressa.
Só tinhamos o domingo para ir no atrelado do patrão, abastecer-nos para toda a semana e divertir-nos à chegada no armazem dos polacos.
Os tipos estacionavam um volkswagen a cair de podre junto do armazem e ligavam o rádio. Uns dançavam com as mulheres que por ali andavam, outros por falta de mulheres embebedavam-se e jogavam às cartas.
- E no dia seguinte?
- No dia seguinte as maçãs geladas entravam-nos pelas mãos até aos ossos.
Um polaco que se dizia iluminado por Deus gritava todas as manhãs - " estou no topo do mundo" . Um dia caíu do escadote, partiu os dentes e deixou a religião.
Nunca consegui dinheiro suficiente para ser músico, mas fiquei para sempre com uma mulher no coração. Todos os anos nos encontrávamos e o patrão colocáva-nos sempre nos "regos" ao lado um do outro.
Nos últimos anos só partia a pensar nela - uma santa mulher, mais linda que a Bemposta. Parecia um pássaro azul.
- Pois.
Talvez por isso aqui venha todos os dias, dar corda ao relógio do apeadeiro, que ainda funciona.
A vida continua - só o comboio é que já não passa por aqui.
- Posso fazer-vos uma pergunta?
Que fazem os senhores na vida?
- Valha-nos o tempo das estações.
Andamos perdidos, senhor Alexandre.
segunda-feira, 10 de novembro de 2008
O DESASSOSSEGO DAS MARÉS

Emergimos das águas fundas
até a luz quase perfeita
chover nas nossas línguas
soltamos o corpo
inventamos espaços para voar
mordemos os lábios
em pleno voo
para libertar a sombra dos pássaros
e num toque fugidío
que ainda hoje espuma
caímos dos céus
com a chuva
Na verdade
hoje não queremos
salvar o mundo
apenas celebrar o desassossego
das marés
sábado, 8 de novembro de 2008
PAPIRO EDITORA - O INSÓLITO

O insólito aconteceu.
A PAPIRO EDITORA, no momento do lançamento do meu livro de poesia "Que fizeste das nossas flores"
anunciou que por acidente os livros tinham ficado na estrada.
Obviamente ninguem aplaudiu a PAPIRO EDITORA.
Apesar do insólito - agradeço a presença dos muitos amigos, ao presidente da Camara Municipal do Seixal à bibliotecária responsável pelo forum cultural,e ao professor Luiz Garcez que nos brindou na guitarra clássica. Também ao Alexandre do Fundamentalidades pelas fotos que me enviou.
Aguardo que brevemente a PAPIRO EDITORA torne disponível o meu livro .
segunda-feira, 3 de novembro de 2008
domingo, 2 de novembro de 2008
O TEMPO DAS CEREJAS
A votação acontece em http://www.thebobs.com/
Se de mim dependesse otempodascerejas.blogspot.com - do Victor Dias seria o meu eleito - sem pestanejar.
quarta-feira, 29 de outubro de 2008
NO TOMBO DOS DIAS

domingo, 26 de outubro de 2008
terça-feira, 21 de outubro de 2008
A PÉROLA

quinta-feira, 16 de outubro de 2008
COM A SERRA ÀS COSTAS

Agapito - aldeia lendária,nos castros dos Montes Hermínios, nas fraldas do Covão d'Ametade, não era mais que um ponto minúsculo no mapa do reino. Um vale quase glaciar enclavinhado na serrania interior onde nunca foi fácil respirar.
Em Agapito ousavam viver cinquenta e tal pessoas, trezentas cabras, mais os lobos e os cães da serra.
Viviam do amanho das pobres terras, da pastorícia e do temor a deus.
Os homens apascentavam cabras e as mulheres faziam de tudo.
Desapercebidos viviam felizes e analfabetos.
O poder do reino ignorava completamente a existência de Agapito, mas um chefe dominava a aldeia - o abade Fiuza, que ali tropeçou por acaso, quando um dia após longa cavalgada, perseguia uma cabra branca. Perdido por ali ficou.
Os agapitenses - construiram-lhe um abrigo para habitar e pregar.
Volvidos os anos a aldeia continuou ignorada, perdeu habitantes e os rebanhos emagreceram.
O abade Fiuza permanecia alegremente no poder.
Neste período de declínio da civilização agapitense, um pombo correio, pousou exausto no ombro do chefe que em silêncio leu a mensagem.
"O reino vais ser percorrido por voluntários, com o propósito de alfabetizar o povo".
- Não pode ser. Não consinto que devassem esta terra.Aqui nem uma letra. A minha gente está feliz.
Reunida a aldeia de emergência, Fiuza declarou o recolher obrigatório. O povo aplaudiu comovido.
- Ficarei de vigía.
Fiuza - fardado a rigor, ungido com óleo de cabra, colocou-se no centro do carreiro principal da aldeia, disfarçado de anjo.Ali ficou dias e noites a fio, pernas abertas, mãos apoiadas na cruz, dentes a postos e um sorriso cordeiro na armadura.
Na rectaguarda os fieis - de joelhos, recolhidos - respiração suspensa. Nos estábulos o gado balia, ordenhava-se a si mesmo.
Agapito - uma aldeia ignorada, no interior do reino, não foi bafejada pela campanha de alfabetização.
O abade Fiuza - firme, sorridente e arrogante, morreu como mártir no seu posto.
O povo - com a serra às costas, vai aprender mais tarde.
domingo, 12 de outubro de 2008
OS CÃES NÃO DORMEM

- Sempre que há lua cheia algo acontece de inesperado.
- Não esqueça a influência das marés.
Na sala os cães dormiam ou fingiam dormir, mesmo em frente à generosa lareira.
Sentados no sofá respirávamos os sons de "Alexander Soundtrack" por "Vangelis" nas oito colunas, e afagávamos os cabelos um do outro.
- Hoje vou contar-lhe uma história que ouvi no intervalo de um conselho de ministros.
- Só um momento.
Levantei-me. Coloquei mais uma acha na lareira, passei as mãos no pêlo dos cães, desliguei a aparelhagem, regressei ao sofá. Aconchegámo-nos.
- Estou pronto. Avance.
- Era uma vez um Don Godofredo, ilustre senhor de pendão e caldeira, fidalgo de puro sangue, grandessíssimo cavaleiro que se iniciou na arte de bem cavalgar, mal deu os primeiros passos.
Tinha cinco aninhos piratas e já treinava em cavalos de papelão.
Quando ia ao sr. Hipólito tirar o retrato de família, assentava as patinhas com esporas agrestes, nas ancas do brinquedo e lesto num pulinho gracioso e valente - montava o animal, sem lhe tocar com os cascos. Um artista.
- Não está a ser severa com a criança?
- Só que a criança cresceu. Posso continuar?
- Avance.
- Num certo dia de cavalhadas no castelo, o papá banqueiro que negociava com os índios, quiz fazer uma experiência com o puto.
- Índios?
- Não interessa. Posso continuar?
- Avance.
- Meu filho - quero fazer de ti um homem à altura dos nossos pergaminhos. O papá investe e tu toureias. Teremos o país nas mãos.
Volvidos tempos, o banqueiro - após tantas touradas, comprou um cavalo e um toiro a sério, investiu com gana e fez do filho um homem.
Don Godofredo, menino prodígio, tornou-se profissional e nunca mais quiz outra vida - tão bem se sentia na grande farra. Tinha dinheiro, vinho verde e mulheres de raça. Passou a frequentar com assiduidade as ganadarias, as adegas, o meio social. Visitou amigos e os cavalos dos amigos.De quando em vez dava espectáculo na assembleia popular do Campo Pequeno, já muito acanhado para a sua estatura.
O banqueiro começou a sentir-se ameaçado no seu orgulho de fidalgo e comendador. Decidiu meter-se uma vez mais, em altas cavalarias, com toda a raça. Deu um coice e disse.
- Isto não pode continuar assim. O Godofredo está a ir longe demais. Estou farto. Antes a palha ao pequeno almoço.
Entretanto Godofredo que já não habitava o castelo, apercebendo-se das intenções do progenitor, convidou-o para jantar no Jardim Zoológico.
- Foi então que interromperam a história para regressarmos ao conselho de ministros.
Na sala a generosa lareira reacendeu-se com o ladrar dos cães - que fingiam dormir.
segunda-feira, 6 de outubro de 2008
O VINHO DOS NOSSOS PÉS

Irrompem fios de música
rio abaixo
folhas secas que rugem
inclinadas nos teus olhos
As palavras colidem
quando circulam mansas
no espanto da paisagem
mas os pássaros permanecem soltos
na nossa ilha
Frente a frente
aqui nos sentámos ao avesso
como estátuas longínquas
só para inalar as pautas do silêncio
Aqui nos sentámos
para que tudo aconteça
mesmo de tão pouco
se rasgue em claridades
este tempo inabitável
Aqui nos sentámos
só para respirar
sabendo que os apeadeiros
não se repetem
mesmo quando em Janeiro
provarmos de novo
o vinho dos nossos pés
quinta-feira, 2 de outubro de 2008
QUE A SOMBRA SE REBENTE
segunda-feira, 29 de setembro de 2008
UM ANJO À SOLTA

onde nada è exacto
nem a viagem que subscrevo
para agitar os pássaros
Talvez por isso vindime
até ao mosto
só para te nomear
mas quando fluis a voz
no deslize da chuva
e o vento em remoinho
te circula pernas acima
voo
demando os barcos
solto-me das palavras
neste jardim de silencios
tão verdes e penteados
onde ausente na curva dos dias
rente à fala
vais sepultando o corpo
a cantar
como um anjo à solta
Amanheces sem alegria mas cantas
e eu viajo ardendo
mesmo por cima das videiras
só para te ouvir cantar
quinta-feira, 25 de setembro de 2008
O RIO À NOSSA MESA

Aparentemente livres
nas margens deste rio
insondáveis onde se cruzam brisas
e afagam retratos
recuperámos as nossas velas
transportámo-nos para o mar
No marulhar desta povoação
de sílabas quase perfeitas
desaguámos lentos
desenhámos garatujas
na coluna dos barcos
sem amarração
De tão quedas as águas
recortámos memórias
em pedaços de tremulina
sentámo-nos nas margens
a invocar a sede
a rasgar com um sopro
uma espécie de tempestade
Livres e insondáveis
perguntámos ao rio
se queria sentar-se à nossa mesa
e ele disse que sim
sexta-feira, 19 de setembro de 2008
OCULTA NO GRASNAR DAS AVES

abandonado o chão das águas
já vergavas o corpo
na corda tensa
enterravas os pés
e deixavas os peixes saltarem
nos teus olhos prateados
Exilada no próprio corpo
emerges deusa quase perfeita
ao pôr do sol
num desencontro de preces
mas só quando a deshoras
te abres em flor e desnudas
entregas o resto das forças
a um beijo
adormeces oculta
no grasnar das aves
segunda-feira, 15 de setembro de 2008
VAMOS CONSTRUIR UM BARCO?

sábado, 13 de setembro de 2008
APOPLEXIA DA IDEIA
segunda-feira, 8 de setembro de 2008
FLORES DE ESPUMA

quarta-feira, 3 de setembro de 2008
O PAÍS PULA NA POALHA
domingo, 31 de agosto de 2008
SOCIEDADE VIGIADA CERCO À DEMOCRACIA

Tudo isto a propósito do chip que o governo vai impor às matrículas dos automóveis. Caso a lei não acautele a privacidade das pessoas, estaremos uma vez mais perante um atentado à democracia.
domingo, 24 de agosto de 2008
NO PESTANEJAR DE UMA VÍRGULA
Na verdade a água
corpo líquido de mulher
tem segredos escondidos no fundo das pedras
alimentos de fogo
talvez uma praia onde se fundem
areias e lábios
um piano de luzes
que determina o tempo das estações
Ainda bem que tens ilhas selvagens
sinais apócrificos que se desnudam
em gestos simples
no pestanejar de uma vírgula
Na verdade a água sabe rir e chorar
no espelho das próprias lágrimas
no rumor das maresias
e eu descobri uma vez mais
que tens póros por onde respiras
silêncios escarpas por onde escorrem salivas
que te ergues e desmoronas
abrigo e mensageira
te desprendes do chão
ou hibernas nos corais
Que bom ainda hoje
partilhar contigo este despertar
aprender vida fora a descobrir-te
como se fosse a primeira vez
deixar por um instante
a outra água
para os peixes se moverem
terça-feira, 19 de agosto de 2008
ASSALTO

sexta-feira, 15 de agosto de 2008
HASTEAR PALAVRAS

Por vezes luz
na substancia da espuma
mas só quando rebenta
nas falésias
se torna azul
Não somos nós
são as palavras
Por vezes acontecem
deuses residuais
secretos predadores
das mais íntimas claridades
a fazerem ninhos
no ouvido dos búzios
Andam por aí
a segredar nas águas
Por vezes na minha jangada
disponível para os lábios
reuno algumas claridades
soletro
entrego-me quase legível
só para te espantar florida
de pequenos nadas
Por vezes rebentamos
nas falésias
espuma e jangada
só para hastearmos palavras
sábado, 9 de agosto de 2008
AVES QUE SE LEVANTAM

A erosão do movimento
gera novos movimentos
no espaço
neste chão de asas
tão leve
que já nem o ar que se respira
sente os seus passos
Chamo por ti
simplesmente chamo
e tu vens
Só não sei quem és
e isso para mim já é tanto
A erosão do movimento
gera novos movimentos
mesmo nos rios cansados
Repara bem
onde se movem as águas
estão sempre a cair aves
que se levantam
quinta-feira, 7 de agosto de 2008
O PAÍS DE COSTAS NA PRAIA
domingo, 3 de agosto de 2008
QUATRO MÃOS
REENVIO - EM PARTICULAR PARA O MEU IRMÃO
LUIZ GARCEZ, PROFESSOR DE MÚSICA CLÁSSICA,
NA GUITARRA PORTUGUESA
terça-feira, 29 de julho de 2008
O ELEVADOR

- Por aqui?
- Sim senhora ministra.
- Não brinque. Sabe que fui remodelada.
O hotel não tinha muitas estrelas, mas permitia alojamentos para cães e estava como eu gosto, debruçado sobre o oceano,
encavalitado numa rocha colossal. Um verdadeiro atentado.
- Aqui não tenho problemas por uns dias.
- Eu já conhecia este espaço. Como preciso do mar desgrenhado, de preferência com temporal e muitos relâmpagos, por cá estive um inverno.
- Interessante, eu gosto deste sítio quando o mar parece sopa.
- O Dique o que mais aprecia neste hotel é o elevador.
- Curioso, a Lassie também.
O hotel – talvez por se localizar num espaço ermo e caro, obedecia a todas as regras de segurança. Na verdade até o magnífico elevador tinha um vigilante em cada apeadeiro.
No r/c situavam-se os alojamentos para os animais. Os andares estavam reservados para os donos. Encrostadas na rocha espelhavam as piscinas de água salgada que o Dique nunca utilizou por ser um Serra da Estrela.
- Admito que a senhora ministra adore animais.
- Por favor, trate-me por tu.
- Com certeza.
- Após a minha remodelação, vivo com a Lassie. É a minha confidente.
De facto a cadela, um belo exemplar, exibia dois explícitos olhos meigos, pêlo farto aloirado, uma madeixa branca no focinho, ancas bem desenhadas, tetinas hirtas, cauda proeminente enrolada. Uma senhora.
O Dique não dizia nada, mas só um cego não via o carinho com que a coçava nas orelhas e lhe lambia os olhos.
- Dique – deixa a Lassie.
- Por favor não reprima os animais.
Estávamos no bar da piscina. O calor apertava e o mar parecia sopa. Chamei o empregado.
- Para mim um Kutty Sark, para o Dique uma água das pedras.
- Para mim um rosé gelado, para a Lassie uma Coca-Cola.
O hotel – por estranho que pareça, facultava na mudança de turno dos vigilantes, uma oportunidade para os cães subirem e descerem no elevador. O Dique desde a primeira vez, adorava estas viagens e foi a pensar nele que sugeri para o turno da meia-noite uma viagem com o Dique e a Lassie.
- Por mim tudo bem.
Assim aconteceu. A senhora, no último andar, carregava no botão e o elevador subia. Eu no r/c carregava no botão e o elevador descia.
Esgotado o tempo e a paciência, regressámos aos aposentos. Os cães – cada um para os seus. Eu – convidado, fiquei no último andar.
Uma suite espectacular, ampla, arejada, bem decorada, com tudo o que não fazia falta, excepto o espelho que forrava o teto, mesmo por cima da cama. Coisa linda.
- Considere que apesar de tudo ainda sou uma figura pública.
- Conhece o "jardineiro do convento", De Giovanni Boccaccio?
- Sim – era um surdo-mudo, mas não de nascença.
Ali ficámos a ouvir a ondulação do mar, até adormecermos no espelho.
No dia seguinte, regressado à preia-mar, ainda a madrugar na lua-cheia, trazia um sinal de outras marés, de outros ventos, quando alarmada mas feliz, a correr para mim, a senhora ministra.
- Tenho uma grande novidade.
- O governo demitiu-se?
- Não, a Lassie está grávida.
- Não me diga.
- Eu conheço a minha cadela.
- Foi no elevador.