segunda-feira, 23 de abril de 2012

QUE FARÁS DE TI?




                                                           Publicado no meu  PARA LÁ DO AZUL

Ainda não estávamos no tempo das vindimas, nem da fuga das andorinhas. Estávamos a regar uvas de mesa para te oferecer numa bandeja de lua cheia - mas tu estavas no paraíso dos silêncios a aprender - a prender ou a soltar amarras de barcos a voar com o próprio voo ou a cortar asas aos pássaros, sem teres espreitado o belo precipício das lindas tempestades - onde só cantam livres alguns fios de música quando lhes morde a voz.

As uvas estavam verdes, o tempo incerto e o chão íngreme já te desafiava em revérberos num torvelinho de rotas.

Quando vencemos o teu cordão umbilical, despertámos para uma certa revolução de estrêlas e ninguém sabia o que era uma revolução de estrêlas.
Talvez um dia saibas que as estrêlas podem brilhar no chão que pisamos, conforme as marés - que todas nascem, crescem e regressam como pêndulos a outras florações.

A lua não estava cheia, as uvas estavam verdes, as andorinhas só regressavam à noite e tu deste um grito que estilhaçõu  todos os silêncios.

Não foste um silvo de barco, nem um mar a rasgar escarpas, nem sequer o delicioso florir de uma araucária. Foste tu  e já é tanto.

E agora? Que farás para a água te lavar os pés? Que farás para o mar não te abandonar? Que farás para te conquistares? Que farás para as uvas amadurecerem e as andorinhas regressarem?

Que farás de ti, pelas outras estrêlas?



terça-feira, 17 de abril de 2012

LÁBIOS EM FLOR





Em Abril
tudo floresce a prumo
no jardim das memórias

Aqui tão perto
breve e desfolhada
no gorjeio dos afectos
há muito que não te expunhas
assim
pétala a pétala
numa paleta de cores
a despontar timbres
em campânula
a caminhar por sobre as águas
de novo criança
vento e mar
nos mesmos lábios em flor


terça-feira, 10 de abril de 2012

OLHOS FECHADOS







De olhos fechados
transportavas à cintura
um bornal
para sustento das águas

tão livre como o traço
que os desenhou
descobriste um rio
só para olhar

sem metáforas

exuberante a cumprir gestos
nas margens

De olhos fechados
o rio se fez ao mar





quarta-feira, 4 de abril de 2012

UM DEUS EM CADA ASA





Às mãos cheias
como o ar que se respira
na porta do desassossego
só batiam pássaros

traziam luz na voz
brilho no olhar
suaves registos de timbres
ressonâncias silvestres

mas não eram pássaros

eram fragrâncias

lábios de maresias
em carne viva
a expressão das flores
quando se despem das pétalas

Ainda hoje chegaram
num rasgo de lucidez

não bateram à porta
pousaram no parapeito das janelas
e partiram irredutíveis
pelo mesmo rasto

com um deus em cada asa