quarta-feira, 25 de novembro de 2009

SOLTAR OS PÁSSAROS



Os cães choravam em silêncio
e eu não sabia porquê

Pensei no pobre limoeiro a afundar-se
lá onde nidificam toupeiras
ao entardecer
na estrela persistente
que viceja à noite no portão
nos olhos claros de um certo azul
que ilumina a casa
no desfolhar ensombrecido
das roseiras

Vasculhei tudo
invadi searas proibidas
até ao mais íntimo da pele
pó, sombras, sonhos


Perguntei-te - quando desaguas?

e tu desaguaste à janela
a marejar entristecida
e eu não sabia porquê

Foi quando os cães se levantaram
para soltar os pássaros

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

QUE O RIO DESAGÚE



Quando o vento em lufadas
implacável zurzia
na fenda das escarpas
nós estávamos inocentes
nas ameias deste mar
a contar o tempo pelos dedos

Aguardávamos que o rio
desaguasse até ao fim
para a grande festa das águas

Só por isso soltámos os barcos
e as aves se embalaram
nos mastros enlouquecidos
e tu começaste a chover
relâmpagos nos meus olhos

Foi quando descobrimos
ao alcance das mãos
todas as belas tempestades
e nos desnudámos de tudo

com gestos simples e lentos
por todo o corpo

mas ainda hoje aguardamos
sábios e mudos

que o rio desagúe

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

O MEU HERÓI





Ainda não gatinhavas
no chão que pisamos
já eu sonhava para ti
um mar azul

mas foi quando te peguei ao colo
que acrescentei um sinal
a uma palavra
que flutuava como um rio
nos meus olhos

Tudo passou a fazer sentido

a chuva o vento o relâmpago
a flor da oliveira

Se não me sofresse
como te poderia amar?
seguir os teus gestos

Ainda hoje nasceste
e já eras a minha estrela
o meu herói

terça-feira, 10 de novembro de 2009

AS PALAVRAS NÃO SABEM RESPIRAR POR GUELRAS


                                       Sieghried Zademack


Todas as palavras são parcas
mesmo as que se afogam
por não saberem respirar por guelras

Foi assim que te dei um abraço
que não era um abraço
mas uma transfusão de sangue

e tu não sabias
nem eu

que abraços entre nós
são rios de luz
vasos comunicantes

Todas as palavras são parcas
mesmo quando voam
se fendem ou fundem
por lucidez ou distracção dos pássaros

Assim persistimos em destruir
e construir margens
para celebrar o ventre
e a foz do rio que desagua

Vivemos numa ilha cercada
de sonhos e sonos

Se tivéssemos um barco
seria inútil

Assim ancorados nas areias
até à fronteira dos horizontes
vamos continuar a destruir
e a construir
pontes e muros

só porque as palavras
não sabem respirar por guelras

domingo, 8 de novembro de 2009

TANTOS MUROS POR DERRUBAR





Quando os interesses da direita política invadem o mais representado partido na Assembleia da República, o "socialismo" torna-se social-democracia e liberalismo - em nome propalado de uma pálida esquerda que se diz representar, mesmo considerando no P.S. um punhado de respeitáveis personalidades, que nele militam distantes da hierarquia instalada.

Deste modo bem pode este nosso pobre país almejar que se anuncie com firmeza, independencia e honra - a ordem e a eficácia na prática da justiça. Pelo menos que se verifique o declínio das manjedoras.

De facto as empresas públicas geridas por administrações não sujeitas a concursos públicos de avaliação de competências técnica cientifica e idoneidade expõem-se por nomeação política dos seus gestores.

As empresas públicas com estas orientações sistemáticas expoem-se antes de serem privatizadas a serem corrompidas pelos privados - não por serem empresas públicas, mas por serem geridas ( não quero generalizar ) por individuos corruptos com óbvia responsabilidade política de quem os nomeia.

Neste pobre país quando o Procurador Geral da República reconhece que há magistrados na Opus Dei e nas maçonarias, a "coisa" torna-se ainda mais complexa. Estas lojas não são a dos trezentos, são espaços fraternos notáveis e transversais de cumplicidades, com enquadramento legal.

Curioso ou talvez não - nos mega processos que abalam e afrontam o país - em todos eles - só é condenado um bibi, nunca o sistema.

Tantos muros por derrubar

terça-feira, 3 de novembro de 2009

O TRAÇO QUE NOS MOVE


                                                   João Cutileiro


No dia em que te disse

hoje não quero salvar o mundo
só ajudar

tu dormias profunda mente
riscada a carvão
numa folha de papel

bela
gaiata
desgrenhada
numa janela para o mar

Nesse dia tilintei pueril
no bico dos teus seios
acordei a voz dos pássaros
e nada mais aconteceu

a não ser o traço
que nos move