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Ainda não aprenderam
os meus olhos
a verem-te como és
mas apenas como te vejo
Eufrázio Filipe
Quando o vento em torvelinho
se escancarou nas águas
abriram-se janelas de luz
neste chão de marés
para tu passares
pelos sinais
desobrigada sereníssima sem quebrantos
despertaste os barcos
numa carícia de tremulinas
Eras tu senhora
guiada pelo meu cão
Eufrázio Filipe
(reeditado)
Nesta noite de alaúdes e jacarandás
a contar pelos dedos
os sons da vida
colhemos a vasta sede
caminhámos por sobre as águas
cúmplices nos olhares
e nas partituras
plantámos uma árvore
na velha escarpa
festejámos o barco
das nossas raízes
Nesta noite de mares silvestres
regressámos
à síntese da nudez
fizémos um gesto
e tudo ficou mais claro
à luz de um fósforo
Eufrázio Filipe
Conduzia na estrada do Barranco do Bebedouro - serpenteada,estreita,iluminada pela lua cheia.
De repente um vulto na minha rota. Não pude evitar. Só o vi pelo retrovisor.
Ao contrário do que se diz, as fotografias não substituem as palavras, mas esta sangrou-me.
Saí do carro e ajoelhei-me junto do animal- um rafeiro alentejano, lindo, que ainda me olhou nos olhos e disse baixinho
- É pá - mataste um cão livre.
A lua cheia derramava-se, inundava o silêncio de cores pálidas e eu levei-o ao colo.
Quando chegámos a casa só pude fazer o que fiz.
Chamei o Dique e pedi-lhe para convocar todos os cães da aldeia. O funeral foi marcado para a meia noite.
Todos compareceram.
Solidários quatro amigos mais corajosos ofereceram-se para escavar a terra, num canto da horta, onde espontâneas medram as hortelãs.
Todos reunidos no mais profundo silêncio, quando um uivo comovido despoletou um choro colectivo.
Só o Dique não chorou. Trazia na boca uma papoila que largou na sepultura.
Eufrázio Filipe
"Caçador de relâmpagos"