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É preciso ouvir as pedras
o corpo inteiro
das escarpas
beijar o chão das palavras
que falam por gestos
é preciso ouvir as pedras
grãos de areia
moventes
por entre os dedos
que se riscam
e alumiam noites
dão sentido à luz
breve
quase perfeita
de um fósforo
é preciso ouvir
a memória das pedras
Eufrázio Filipe
Nada é absoluto
nem este sítio
onde dulcíssimos cães
lambem os céus
sonâmbulos pássaros
mentem na desmemória
das árvores
nem os gestos
aparentemente inúteis
a viverem de olhos fixos
em bando
acordados à sombra dos relâmpagos
nada é exacto
a não ser uma certa luz
vertebrada
que se consome
ao entrar pelas frinchas
da escarpa
Eufrázio Filipe
"Presos a um sopro de vento"
No chão que pisamos
passava um rio
plasmado nos espelhos
em desalinho
exorcizando as margens
Aqui deixámos sinais
traços de luz
a morfologia do movimento
Hoje escrevo a preto e branco
à pergunta do rio azul
caminho por sobre as águas
ocupo-me do porvir
Eufrázio Filipe
Respiramos fundo
pelas narinas do vento
em todos os póros das palavras
esculpimos garatujas
num grão de areia
vestígios submersos
no movimento do rio
pequenos nadas
afagados pelas águas que passam
Resgatamos a pulso
por muito que doa às pedras
uma janela aberta
a síntese exposta
da nudez
Eufrázio Filipe
Intemporal luz efémero
no espelho das águas
desafia a eternidade
exilado num concerto
de pássaros
Intemporal
a cerzir palavras
tenta libertar o vento
de sombras
Um dia vai despir-se de tudo
provavelmente morrerá
alado
mais livre que os pássaros
a cantar
Eufrázio Filipe
Um círculo de garças
nem brancas nem esguias
adormecem nos barcos ancorados
com olhos excessivos
Nesta ilha sem vista para o mar
navegam águas improváveis
faúlhas num incêndio
de partículas sitiadas
Aqui paira o aroma da cânfora
em ressonâncias quase divinas
poisam lábios em cálices de cicuta
O mar não é sempre azul
e talvez por isso se agite
nos mapas imaginários
rasgue caminhos
para não se perderem os náufragos
Nesta ilha de bálsamos
onde os destinos se desmentem
afagamos ruínas soltamos hinos
por sobre a memória das pedras
damos voz aos silêncios
até que as garças
se tornem brancas e esguias
como flores de espuma
Eufrázio Filipe
( 2008 )