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Se a morte existisse
os teus olhos clarinhos
não seriam tão azuis
nem se demoravam nos céus
mas hoje o mar sangrava
espumas brancas
lenços de linho
pelas ruas deste chão
Quando desenhaste círculos no ar
para traduzir um rumo
contra o vento
à flor das mágoas
já desembarcavam
murais em carne viva
e eu sabia que serias a última
a partir
só não sabia que eras tu
Na verdade
onde se gera a metamorfose
pedra sonho
muito antes da luz afagar
a síntese da tua nudez
todo o espaço exíguo
se liberta
Eufrázio Filipe
Há um sulco invisível na água
onde viajo
e me transformo
talvez por isso
não faça sentido atear velas
queimar incensos
mexer nos ponteiros do relógio
inventar um barco e partir
folha ante-folha
talvez faça sentido
desbravar fronteiras
repartir afectos gorjeios e migalhas
no púlpito das cerejeiras
Eufrázio Filipe
Crescemos na nudez das rochas
crescemos e desmaiamos
conforme as marés
Vertemo-nos líquidos
em caudais de sons
ardidos no sal
no delírio da espuma
por todo o corpo
Crescemos na substância das pedras
com asas muito leves
Não somos barco de carregar velas
somos mareantes do vento
Eufrázio Filipe
Na mais dura pedra
navegam sargaços de cristal
água possuída de viagens
que o sol lambe
na mais dura pedra
um barco com gestos a dardejar
desperta
como no princípio da fala
matéria cinzelada
sinal infatigável de vida
que nos trespassa de claridades
uma fenda esparsa
por onde corre o meu rio
Eufrázio Filipe
republicado
Todas as fendas da água
dão guarida ao movimento e se desnudam
enquanto a pedra partilha os seus esconderijos
na respiração do azul
onde os peixes se eternizam
partem anémonas para os silos dos sonhos
mas só algumas pautas musicais
quebram o ritmo das marés
quando as mãos se tocam
para atear fogueiras dentro de nós
todas as fendas da água
levedadas
entoam hinos
e se transformam na síntese de outros cânticos
só assim se explica como é possível
amar uma pedra
Eufrázio Filipe