quarta-feira, 30 de dezembro de 2009
O PÓ DO TEMPO
Inesperadamente acordei
Coloquei o teu travesseiro no meu travesseiro
liguei o rádio
fumei um cigarro
abri a porta do relógio de pêndulo
para dar corda ao tempo
e ver-te passar
Soprei os ponteiros e voaste
tão longe
que só um dia te encontrei
na areia da praia
a olhar um barco
que nunca existiu
a não ser quando um pássaro distraído
em confluência de rotas
tranportou o vento nas asas
e pousou em silêncio
no teu olhar
Lembras-te?
Lembro.
Na rebentação das marés
onde se enleiam sargaços
começámos a soletrar pelos dedos
palavras excessivas belas imensas
a erguer das cinzas
o pó do tempo
domingo, 27 de dezembro de 2009
QUE OUTRO MAR EU NÃO SEI?
Subi ao que pensei ser
o mastro mais alto da vida
só para te ver
onde sei
que o mar faz os seus ninhos
Foi lá que lançaste um grito
e as águas de novo
começaram a ser lavradas
ganharam outro sentido
e os teus olhos
não sei porquê
choveram nos meus
Para lá do azul
estou a ver-te
assertivo por sobre escombros
a desbravar claridades
a desmandar o trilho dos barcos
e eu pergunto-me
quem te soprou os passos
para este cais?
que outro mar eu não sei?
segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
NEM TODAS AS FAMÍLIAS SÃO UM PRESÉPIO
Por exclusão social ou sinal de ludidez
nem todas as famílias são um presépio
Foi assim que pensei
quando vi na esquina do prédio
uma senhora com uma criança ao colo
a pedir esmola
e a desejar boas festas
a quem passava
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
ATÉ AS ÁGUAS SE FAZEREM AO MAR
A partilhar salivas
ondulámos os lábios
num instante cúmplice
quando o mar inteiro
nos teus olhos
ficou azul
A chuva prometia tempestades
e tu aparecias no cais
flor clandestina
a tactear a luz dos relâmpagos
perguntavas
se traziam sinais de madrugadas
a palavra certa
num ramo de oliveira
Estávamos no tempo dos barcos
vertebrados
que davam à costa
e se demoravam
por amor aos poetas inocentes
Assim ficámos submersos
a resgatar âncoras
até as águas se fazerem ao mar
quarta-feira, 9 de dezembro de 2009
MAIS AZUL QUE O CÉU
Numa cadência de remos e passos
se te pudesse transportar
seria num barco alado
para chegares como sempre chegaste
imaculada
a tecer estrelas de linho
solta
a navegar em arco
com um violino no regaço
Se fosses possível
num traço de azuis
bastava sulcar as águas
para vires à tona
construir outras pontes
incendiar as margens
mas tu sabes que não existem
barcos alados
Talvez por isso ainda te veja
em preces
sentada nas areias
a levar à boca a foz do rio
até o meu barco
ser mais azul que o céu
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
ONDE A LUZ SE ATEIA
René Magritte
Desde as últimas pétalas
que não te via neste mar
tão breve
solidária
pelo tempo fora
Reconheci-te peregrina
pelo ressoar das águas
Trazias referências inscritas
nas asas
uma espécie de destino
memórias incumpridas
sem palavras nem repouso
à descoberta de uma pausa
na fissura das escarpas
Gostei de te ver
no cimo dos meus olhos
onde a luz se ateia
Desde as últimas pétalas
que não te via neste mar
tão breve
solidária
pelo tempo fora
Reconheci-te peregrina
pelo ressoar das águas
Trazias referências inscritas
nas asas
uma espécie de destino
memórias incumpridas
sem palavras nem repouso
à descoberta de uma pausa
na fissura das escarpas
Gostei de te ver
no cimo dos meus olhos
onde a luz se ateia
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