domingo, 26 de fevereiro de 2017

À FLOR DA PELE







A preto e branco
há indícios sítios caminhos
sombras de luz
fugazes apeadeiros
que sempre nos surpreendem

traços de ternura
a movimentar as águas
contra o vento
regressam a casa
de mãos dadas
em bando
reconstroem pontes e afectos

mas são os teus olhos
de pássaro espantado
que dedilham
espaços inteiros
até ser dia
à flor da pele


Eufrázio Filipe


quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

ATÉ SEMPRE CAMARADA




No lado esquerdo da vida


sábado, 18 de fevereiro de 2017

DESPERTAMOS DE OLHOS FECHADOS





Todos os dias conforme as estações
acordava à hora dos pássaros

escancarava a janela
abria os braços
dava um grito para chamar os cães

descia pedra a pedra
todos os degraus
da minha escarpa
até ao chão das marés

para hastear uma bandeira

enchia um jarro de água
sentava-me à mesa do alpendre
e começava a desenhar
palavras improváveis

Ao fundo
muito para lá da romãzeira
fremiam as águas

não sei porquê
mas fremiam

os cães latiam
e as palavras por uma nesga
espreitavam entre os dedos
como se fosse o fim da história

Neste paraíso
seduzimo-nos pela simplificação dos gestos
e assim eternos
todos os dias despertamos
de olhos fechados

Eufrázio Filipe
(2014 reconstruído)



segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

A FAZER POEMAS OU QUASE NADA




Observo como se move
a água do meu rio

desprendida
sem mácula nem lágrimas
nua de tudo
passo a passo
olhos nos olhos
militante da vida
e verdades improváveis

com todo o tempo 
para sonhar em voz alta
move-se lenta
esculpe caminhos
muito antes de ser mar

Um dia sonharei
um sonho seu
acordarei uma vez mais

a fazer poemas
ou quase nada


Eufrázio Filipe
2013

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

PÁTRIAS REPARTIDAS


                           



Neste porto desobrigado de fronteiras e outros céus
vem à tona a energia imperecível dos desertos 
o perfil escarpado da luz

Nesta apoteose de neblinas
defino a brancura do teu corpo
de pátria movediça
como um prado de salivas 
onde refulgem transfigurações de barcos
rumores de outros mares

Amo esta janela com vista para o vento
onde é possível ser eterno por um instante
povoar o silêncio errante das metáforas
e viver apaixonado no pulmão das marés

assim voejamos há tanto tempo
de um lado para o outro
na remoção do pó
a construir barcos vertebrados
traços de luz
para os peixes não se afogarem em lágrimas

assim projectados nas paredes da casa
dentro e fora do corpo
peregrinos por sobre as águas
afundámos uma ilha
mas ainda não renascemos
nas belas tempestades

voejamos há tanto tempo nas vagas
que não sabemos se é pó
o desacerto dos relógios
ou pássaros livres quase perfeitos
neste mar de pátrias repartidas


Eufrázio Filipe

( texto reconstruído )


quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

TANTA LUZ





Junto ao portão
os cães ladravam
aos outros cães

havia um portão
de faúlhas
e a noite acordava
com pássaros claros

e agora?

neste restolho de latidos
e gestos inacabados
que hei-de fazer
a tanta luz?

que hei-de fazer
quando te deitas
nas escadas do templo
a tecer fios de música

e os cães não se calam?


Eufrázio Filipe
Editora Lua de Marfim