sábado, 27 de dezembro de 2014

BOAS JANEIRAS


                                                                         mensagem que se repete



Fundidos
à míngua de relâmpagos
que se vejam
ateados à passagem
de mais um ano

dezembrando

boas janeiras



segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

VOU ALI E JÁ VOLTO


                                                                  DALI
                     

                                                       
Tudo pelo melhor
em família e outros amigos
no mastro mais alto


                                           

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

DEZEMBRANDO






À míngua de pássaros
subimos a pulso
a nossa escarpa preferida
só para ouvir
íntegro o vento inteiro

sem mãos nos ouvidos
nesta desordem organizada
disse-te

és a minha pátria
aquilo que não sei

À míngua de pássaros
nesta ilha sublimada
de sonhos e neblinas

dezembrando

se tivéssemos um barco
quase nada seria inútil



quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

O IMPROVÁVEL CAMINHO DAS PEDRAS







É possível atear um fósforo
no coração dos pássaros
mergulhar no pináculo das águas
que se agigantam
dar um beijo
no mais íntimo das escarpas

Neste ciclo de marés
afectos e memórias vivas
para que tudo aconteça
contra o vento que faz
proclamo um brado
que alumie

o improvável 
caminho das pedras


sábado, 29 de novembro de 2014

NO PULMÃO DAS MARÉS



                                                                                                  republicado


Neste porto desobrigado de fronteiras
e outros céus
vem à tona a energia imperecível
dos desertos
o perfil escarpado da luz
fragmentos de círculo

Nesta apoteose de neblinas
defino a brancura do teu corpo
de pátria movediça
como um prado onde refulgem
transfigurações de barcos
rumores de outros mares

Amo esta janela com vista para o vento
onde é possível ser eterno
por um instante
povoar o silêncio errante das metáforas
e viver apaixonado
no pulmão das marés


domingo, 23 de novembro de 2014

RESISTE O MEU CÃO DE BARRO





A minha escarpa tem uma janela para o vento entrar de preferência com relâmpagos. 
Quando troveja inconformado abro a porta que dá para o alpendre e os "Serra da Estrêla" vertiginosos avançam amedrontados. 
Aninham-se nos tapetes da sala. 
De alma lavada e farto pêlo, entram casa adentro, sacodem-se, vivificam as paredes onde me acompanham um óleo do Kiki Lima, outro do Albino Moura, pratos alentejanos, uma falua em casca de ostra, uma estatueta da Papua Nova Guiné, o relógio de pêndulo, um poema do Eugénio de Andrade. 
Quando troveja e os céus se derramam, a minha escarpa alumia-se. Os "Serra da Estrêla" deitam-se e ressonam nos tapetes até eu pegar no sono e acordar a fazer poemas ou quase nada. Lá fora, imperturbável (e)terno a dizer coisas improváveis - o meu cão de barro - sem medos, resiste em vigília ao tempo que faz. 



terça-feira, 18 de novembro de 2014

DONA ARLETE A SANTA DAS MEIAS PRETAS



                                                                                       texto reconstruído


Cantadeira de histórias inventadas decidiu fazer uma viagem de sonho, à semelhança dos pássaros. 
Quando ali chegou, chovia a cântaros. Arregaçou as saias e descalça conseguiu chegar ao "hotel das dunas". 
Viajou por sobre mares e relâmpagos numa avioneta que paciente aguardava em pleno voo o trabalho escravo de um velho - montado num burro a afugentar cabras no piso térreo do chamado aeroporto. As cabras fugiam e a avioneta aterrava. 
A ilha era um corpo branco de areias finas onde aves a pique mergulhavam vertiginosas e cúmplices dos pescadores de lagostas que só abriam os olhos no chão das águas. 
Ao entardecer as dunas arredondavam-se, esbracejavam doces quando a brisa morna lhes aflorava o corpo. 
Na ilha não chovia - só à vista dos habitantes que a viam cair no mar. As cabras à solta, de bocas gretadas, comiam pedras e o "tarafe" que espontâneo medrava a espaços na paisagem deserta - mas à chegada da senhora choveu com abundância e o povo generoso saíu à rua hilariante. 
Houve quem tomasse banho nu em cima dos telhados a proclamar a independência da ilha. 
Quando a senhora chegou entenderam ter sido uma bênção. Rodearam-na em festa, entoaram cânticos, louvores, preces e andores. 
Anos volvidos a senhora ali ficou encantada a despertar silêncios repetidos, a hastear a voz nas memórias da chuva. 
Em noites de lua cheia, cantadeira e santa, ainda hoje sobe à duna mais alta - despe-se de tudo, desfia-se em canções lindas que ninguém entende mas todos aplaudem. 
Chamam Dona Arlete à senhora das meias pretas. Acreditam que vai de novo chover na boca das sementes - e assim vivem pobres felizes de joelhos nas movediças areias. Até ser madrugada.




sábado, 15 de novembro de 2014

NO CORAÇÃO DAS PEDRAS HÁ PÁSSAROS EM RISTE



                                                                               publicado no "Presos a um sopro de vento"
                                                                                         POÉTICA EDIÇÕES



Quando chegaste
sangravas de uma asa
menina dos meus olhos
pátria efémera
a rasgar palavras
despida de tudo

regressaste ao concerto
dos meus silêncios preferidos
vestiste a cal de branco
num véu de noiva
e escreveste uma frase
trinada nas paredes da casa
que ainda hoje conservo

no coração das pedras
há pássaros em riste



sábado, 8 de novembro de 2014

A VERTIGEM DA LUZ







No tempo das romãs
para alumiar o voo dos pássaros
tilintam sinos
no bico dos teus seios

cúmplices (e)ternos 
no baloiço das marés

esmaiam barcos
numa campânula de sons

desnuda-se em relâmpagos
a vertigem da luz


segunda-feira, 3 de novembro de 2014

CONVITE





                                               
                                                      
                                                                               Com a poeta LICÍNIA QUITÉRIO numa sua iniciativa  de divulgação da poesia
                                                                                
                                                                       
                   

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

NOS LÁBIOS REPARTIMOS O PÃO







Desbravadas as sombras do cais
construímos um barco
e partimos
em ressonâncias poéticas
quando o mar inteiro
já nos corria as veias

construímos um barco
para rasgar o vento
soltar o pássaro que nos voa
a primitiva chama

ousámos transgredir
por sobre as águas

repartimos o pão
nos nossos lábios



domingo, 26 de outubro de 2014

DESPERTAMOS DE OLHOS FECHADOS







Todos os dias conforme as estações
acordava à hora dos pássaros

escancarava a janela
abria os braços
dava um grito para chamar os cães

descia pedra a pedra
todos os degraus
até ao chão das marés
para hastear uma bandeira 

enchia um jarro de água
sentava-me na mesa do alpendre
e começava a desenhar
palavras improváveis

Ao fundo
muito para lá da romãzeira
fremiam as águas
não sei porquê
mas fremiam

os cães latiam
e as palavras por uma nesga
espreitavam entre os dedos
como se fosse o fim da história
num paraíso inventado

Todos os dias despertamos
de olhos fechados



terça-feira, 21 de outubro de 2014

DESFOLHADA


                                                  publicado no meu Chão de claridades      




Soltei um pássaro
que me pousou no texto
mas não lhe evitei
o menear das pétalas

só mais tarde
tão tarde
que já adormeciam as palavras
ouvi espargir irrepreensíveis
metáforas
na folha de papel

soltei uma rosa
que se exala
quando a sopro para voar

mas sempre regressa

desfolhada



quarta-feira, 15 de outubro de 2014

NÃO SE AJOELHAM OS BARCOS





No largo da minha rua
lá onde a lonjura
desponta torvelinhos

à flor das águas
resistem maduras
"as vinhas da ira"

agigantam-se a dardejar
memórias de ventos e relâmpagos

No largo da minha rua
chove na boca das sementes

não se ajoelham os barcos



sexta-feira, 10 de outubro de 2014

"UM FÓSFORO NA PALHA"







No limite da luz
debrucei-me para ver
uma flor
soltar pétalas

mover-se
numa lufada de vento
onde se derrama
sem muros nem amos

uma flor de fragâncias
que se atiça
em pleno vôo
nesta pátria desnavegada

Debrucei-me para ver
da minha escarpa
o fulgor da vertigem
"um fósforo na palha"



sábado, 4 de outubro de 2014

PRESOS A UM SOPRO DE VENTO



                                             a publicar em breve na Poética editora


Na véspera dos relâmpagos
os pássaros são eternos
conforme os apeadeiros

renascem ao som da folhagem
oferecem o corpo inteiro
e o desejo
pestanejam vírgulas
lábios remos e passos
numa cadência de asas

Na véspera dos relâmpagos
o mar organiza outros azuis
utopias em movimento
amplas claridades

sem âncoras nem limites
como nós
presos a um sopro de vento



segunda-feira, 29 de setembro de 2014

O CAOS DO SODRÉ



                                                   Publicado no meu Caçador de Relâmpagos



Tinha pássaros de esmeralda nos amendoados olhos vivos, The Four Seasons de Vivaldi, quando as mãos esguias se expressavam por gestos e nós lhe respirávamos o sorriso franco nos contornos do rosto.
Exibia um sinal lindo no lado esquerdo dos lábios sensuais e uma longa madeixa de cabelo, meticulosamente entrançado, cor da hulha, pendia-lhe no decote generoso, por entre os seios, alongava-lhe o corpo balzaquiano.
Fluente de palavras, não disfarçava o sotaque do leste latino, nem a simplicidade com que se vestem as pessoas cultas.
Estávamos na esplanada da centenária Brasileira do Chiado, afagados pela estátua a Fernando Pessoa.

- Como se chama?
- Ofélia.
- Ofélia?
- Sim, Ofélia Dumitriu. Sou romena, nascida em Malaia, uma aldeia distante de Bucareste. Sou professora de História de Arte, mas ainda não encontrei emprego neste país.

- Eu sou apicultor.
- Apicultor?
- Sim, apascento abelhas.
Que faz a Ofélia desempregada?
- Tal como Fernando Pessoa, "se depois de eu morrer quiserem escrever a minha biografia, não há nada mais simples. Tem só duas datas - a da minha nascença e a da minha morte. Entre uma e outra cousa todos os dias são meus "

- Parece conhecer bem o nosso chão.
- Faço de guia, sonho por conta própria e muito risco. Arrisco.

Foi assim que viajámos com a Ofélia. Deixámos a Brasileira do Chiado e percorremos a Rua do Alecrim, uma janela de ar fresco, rasgada em declive para o Tejo.
A Ofélia lá nos foi descrevendo com detalhes a história da estátua - hoje uma réplica - de Eça de Queirós, o traçado da rua desde o terramoto de 1755, o edifício do Siza Vieira, os alfarrabistas - até desaguarmos na Praça do Duque da Terceira, uma das zonas mais chiques da cidade oitocentista.

- Ali ficava o Grand Hotel Central, que Júlio Verne frequentou e onde parte de Os Maias foram inspirados.

A tarde já se tinha esfumado. O sótão do mundo estava coberto de nuvens. Soprava uma brisa fria que nos cortava a pele de mansinho. O rio tossia e nós recolhemos a um bar irlandês.

- Os senhores são bem-vindos, mas a Ofélia não pode entrar.
- Desculpe, mas esta senhora é nossa convidada. Por que lhe está a vedar a entrada?
- A Ofélia sabe que tem muitos pássaros nos olhos.

Não entrámos. Sentámo-nos na esplanada. Tomámos um chá de São Roberto.
Em silêncio, a Ofélia ouviu-me dizer o texto de Eça no qual se inspirou o escultor Teixeira Lopes.
" sobre a nudez da verdade, o manto diáfano da fantasia"

Entretanto começou a chover. Uma goteira impertinente que se esgueirou do toldo, derramou-se no texto. As palavras - uma a uma - caíram no chão que ficou azul, todo azul, neste caos do Sodré



 

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

O SONO DOS CÃES



                                                           ALMADA NEGREIROS



No fascínio de um canto
de pássaros
estava um país
quase inteiro

sinfonia incompleta
em desafio
a uma sedutora
natureza morta
nas paredes da casa

Na ausência de relâmpagos
chove com sol
no imperturbável
sono dos cães

 

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

NÃO HÁ ESPAÇO PARA CANTAR






Entre oliveiras buganvílias
e latidos de cães
resiste um poço
a céus aberto
onde temos por hábito
falar baixinho
para não acordar silêncios

No fundo do poço
há um espelho vertiginoso
luz que assoma
aos nossos olhos escarpados

Quando chove a cântaros
tudo fica mais claro
a fluir
na solidão das estrelas

No fundo do poço
não há espaço para cantar
mas tu cantas


 

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

UMA FOLHA À FLOR DA PELE








Pobres rios
tão rasos
que alimentam mares salgados
na esperança de serem eternos

tão cegos os seus olhos
na vertigem da escarpa
onde quase tudo converge
num ponto
inscrito na pedra
que se não verga

Pobres rios
que alimentam mares salgados
escrevem nas margens
e desaguam
estribilhos loas cantes lonjuras

a curta metragem
de uma folha
em pleno voo
desprendida
à flor da pele



 

domingo, 14 de setembro de 2014

QUE FIZESTE DAS NOSSAS FLORES?



                                                                        2008



As árvores viajam
na sombra do verde
um sussurro de folhas
mas tu foges dos ramos

amanheces tão distante
que nem os meus olhos
descobrem os teus gestos

as árvores viajam
onde acontece a cor do fruto
no chão
e os pássaros sem amos
deixam que a sombra se rebente

meu povo
que fizeste das nossas flores


 

terça-feira, 9 de setembro de 2014

APENAS UM TRAÇO







No rasto de um risco
em pleno voo
com asas de vento
as pétalas
no chão
que os cães não pisam

no rasto de um risco
deixei no papel a caligrafia
de uma pestana
em forma de vírgula
um gesto de lágrima cansada

no rasto de um risco
em pleno voo
com asas de vento
a carvão
pássaros
cães
sombras amovíveis
no entardecer das paredes da casa
marés ao rubro
nas fogueiras e nos mastros

que fiz eu?

nada

apenas um traço.



 

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

FESTA DO AVANTE VOZES AO ALTO


                               
                                      

                                                                                                                                                                                           
ALVARO CUNHAL sempre presente         
 
 

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

ENCANTATÓRIAS PEQUENAS PÁTRIAS







Linda plumagem quase hulha
olhos de mel
graciosa no salto
à noite uma centelha no poleiro
inverosímil aos arrufos
íntegra a cacarejar
depositava o mais branco ovo na palha

Aparente  mente feliz
morreu hoje
a minha galinha preta
e eu só podia fazer o que fiz

ofereci-lhe palavras
encantatórias pequenas pátrias


 

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

A DESPONTAR NA VARANDA DO CAIS






Já tínhamos morrido
quase tudo
mas ainda a desnascer
surpreendemos
no espelho das águas
um gesto
pássaros a céu aberto
infinitos aqui tão perto
que nem lhes podemos tocar

Desta finisterra
efémeros partem barcos antigos
que deixam rastos
de romãs
a despontar na varanda do cais


 

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

MAIS AZUL QUE OS CÉUS






Num prodígio de asas
em disfonia com os pássaros
o mar voa

mais alto que os mastros
mais azul que os céus

nos teus olhos


 

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

O PÃO LEVEDADO







Na ausência de relâmpagos
decepadas as videiras
tentas inscrever
à semelhança das marés
um traço azul
nas paredes do cais
nas intactas noites
de lua cheia
onde florescem vivos
os contornos da memória
a desbravar arestas

o pão
levedado


 

sábado, 9 de agosto de 2014

EM DECLIVE POR SOBRE AS ÁGUAS






Na bela escarpa
à mesa do alpendre
quase tudo se vê
de olhos fechados

o dorso da serra
onde nidificam sonhos
um jardim de videiras
cães a ladrarem
quando a neblina invade o castelo
sombras amovíveis de pássaros
oliveiras
o perfume silvestre das hortelãs
o pó da azinhaga
um certo vento disponível para os lábios
uma nesga de mar
a cantarolar silvos de barcos

Neste deserto flamejante
povoado nos apeadeiros
esculpido em grãos de areia
as palavras amadas
tentam implodir
para acordar silêncios
com vida por dentro

Na bela escarpa
contra todos os destinos
a lavrar pedras com as mãos
em declive por sobre as águas
voeja
na mesa do alpendre
uma folha de papel


 

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

O PÓ DO TEMPO


             


Inesperadamente acordei

coloquei o teu travesseiro no meu travesseiro
liguei o rádio
fumei um cigarro
abri a porta do relógio de pêndulo
para dar corda ao tempo
e ver-te passar

soprei os ponteiros e voaste
tão longe
que só um dia te encontrei
na areia da praia
a olhar um barco
que nunca existiu
a não ser quando um pássaro distraído
em confluência de rotas
transportou o vento nas asas
e pousou em silêncio
no teu olhar

lembras-te?
lembro

na rebentação das marés
onde se enleiam sargaços
começámos a soletrar pelos dedos
palavras excessivas belas imensas

a erguer das cinzas
o pó do tempo


 

quinta-feira, 31 de julho de 2014

NÃO " É LINDA A PUTA DESTA VIDA"






Até hoje em escassos dias 1400 civis palestinianos mortos, novas compras de armamento aos EUA, 50 mortos israelitas

mas esta imagem bestial é mais que uma guerra

Não "é linda a puta desta vida"

mas vamos continuar a plantar flores
nesta desordem de cores nos jardins
a desgrenhar o vento
a rasgar caminhos contra a orgia do sangue

para não "morrermos de sede em frente do mar"


 

sábado, 26 de julho de 2014

HOJE AS PALAVRAS NÃO ESTAVAM INTACTAS



 
                                
                                Luís Filipe Garcez professor de musica clássica com a Ana Filipe sua filha




Quando abraçavas a guitarra
tinhas nas mãos
um sol de mãos cheias

os pássaros desciam à terra
em pleno voo
e o silêncio calava-se
para ouvir improvisos
trinados de outras vozes

dilatavas as veias
como um rio sem margens
para o sangue correr
até à fímbria do mar

mas hoje as palavras
os sons e os pássaros
não estavam intactos

faltava-lhes o teu olhar


 

domingo, 20 de julho de 2014

VOU ALI E JÁ VOLTO





Que o vento sopre

e o mar nos acompanhe

 

segunda-feira, 14 de julho de 2014

HOJE PLANTEI UMA ROSA







Inacessível vista do alto
a minha escarpa preferida
é fácil de explicar

vertiginosa sobe ao chão
num perfeito equilíbrio
assimétrico

sem mácula nem poalhas
ali fica breves infinitos
até o mar desgrenhado
vicejar
velas remos e passos
nos mastros mais altos

Hoje plantei
uma Rosa
na minha escarpa
e nada mais aconteceu

 

quarta-feira, 9 de julho de 2014

FOLHEANDO AS MARGENS







Por sobre a terra de ninguém
há rios descalços
em movimento
que se juntam e arribam
vagarosos
a fazer caminho
folheando as margens

até as pedras virem à tona
e o mar dulcíssimo
ser água de beber


 

sexta-feira, 4 de julho de 2014

" MENINA DO MAR "





                                                    Sophia




Se pudesse dar às palavras
a leveza das cinzas
no sussurro das marés
desmantelaria o Panteão

libertava os vivos
enclausurados
para ficarem mais leves
no mastro das bandeiras

tentaria devolver aos pássaros
as amplas claridades


 

terça-feira, 1 de julho de 2014

À FLOR DA PELE






Nos estilhaços do bairro
ainda há um espaço
quase inteiro
para cantar

à flor da pele

 

quarta-feira, 25 de junho de 2014

INOCENTES ARDEM FAÚLHAS







Sempre que o mar
nos bate à porta
povoado de sílabas
só às mãos cheias
ousamos escrever
desprendidos
num abraço de luz
a crescer até às cinzas

Sempre que o mar
nos bate à porta
caminhamos por sobre as águas
no chão da casa

mas à hora da leitura
inocentes
ardem faúlhas


 

sexta-feira, 20 de junho de 2014

O FULGOR DO PORVIR







Nem o mar sabia
entardecer
numa folha de papel

esculpir em síntese
a tua nudez

nem o mar sabia responder
a tanto azul
nem eu sabia que tardavas
mas chegavas
chegavas chegavas
nunca mais acabavas de chegar
a tempo de plantar
uma árvore
que se desnudasse
folha a folha

nem tu sabias senhora
neste deserto
a sede do entardecer

o fulgor do porvir



 

sábado, 14 de junho de 2014

SILENTE O CHÃO SE ALEVANTA







Quando eras um rio
a rasgar caminhos vertiginosos
e as escarpas seguiam
imaculadas os teus olhos
os peixes ficavam encarnados
na tua boca
nidificavam entre margens
enleados

quando a sombra das pontes
nem sequer eram fronteiras
e eu disse que os rios viajam
do ventre até à foz
tu sabias que só o mar
os acolhe

quando eras um rio
eu dava os primeiros passos
na água

a desconstruir muros
silente o chão
se alevanta


 

sábado, 7 de junho de 2014

À MÍNGUA DE RELÂMPAGOS








Efémera crisálida
despontou silvestre
na mesa do alpendre
onde nidificam os sonhos
quando um passageiro arfar
se desnudou
à vista dos aloendros
flor vertebrada
no mais alto mastro
das marés
soletrou afagos no jardim
à míngua de relâmpagos

e eu só podia fazer o que fiz

inscrever-te para sempre
numa folha de papel

 

segunda-feira, 2 de junho de 2014

A FUGA DOS BARCOS







Com olhos cheios de mar
o azul debruçava-se dos céus
para se ver
no espelho das águas

Decantada a essência da luz
ainda fizemos um gesto
acenámos com flores
de jacarandá

mas ao anoitecer
assistimos
por uma côdea de estrelas
à fuga dos barcos


 

terça-feira, 27 de maio de 2014

SÓ NOS FALTAVA SEDUZIR OS PÁSSAROS






A remoinhar
no mais íntimo da pele
tínhamos quase tudo
tão perto das mãos
que nem lhe podíamos tocar

amanhãs
e outros destinos

Só nos faltava
subir às pedras deste chão

impedir nas mansas águas
que o sonho rebentasse
onde as estrelas vicejam
sem quebrantos

Tínhamos quase tudo

até um pomar de faúlhas
para alumiar o fulgor do canto

Só nos faltava
seduzir os pássaros


 

domingo, 25 de maio de 2014

VENCEU A ESMAGADORA MINORIA





Em "liberdade" a colossal abstenção
de novo veio à tona nesta europa à margem dos cidadãos.

Agora a magra fatia do bolo será dividida
democrática  mente.
"Esta união europeia" caminha no sentido da "destruição da europa"

Venceu a esmagadora minoria


 

terça-feira, 20 de maio de 2014

PRESOS A UM SOPRO DE VENTO (2)







Trazias desgrenhado
um aroma silvestre

quase divina
a fingir de pássaro
dardejaste na escarpa
uma pátria em cada mão

Belíssimo
matutino o sol
nasceu mais cedo
muito antes de morrer
nos nossos lábios

e assim salvámos
por um instante
a eternidade

presos a um sopro de vento


 

quinta-feira, 15 de maio de 2014

sábado, 10 de maio de 2014

MARINHAS VALENTES


                                                                                                  "Caçador de relâmpagos" 2010


No chão dos marnotos caminhamos azinhagas, comemos amoras, tropeçamos memórias, pedras, pérolas e pó - para compreendermos melhor as palavras de carne e osso  até as metáforas se ajoelharem como pequenos deuses inúteis, à nossa mesa. 

Só depois provamos o sal das marinhas. A safra.
O tempo dos homens que chafurdam no moliço. 
A distância que nos separa e atrai, a pele esfarrapada para resistir aos Invernos, mastros de flores salgadas nos olhos distantes a gatinharem no tempo, até ao aborrecimento final. 

Após a "bobadela" a marinha começa a parir uma massa branca, que envaidece os homens quando se olham nas sombras curvas projectadas nas águas. 

O sal aparece ao ar livre. Reunido em montículos junto aos tabuleiros das marinhas e aí fica a escorrer lágrimas . 

Depois é o marnoto que enche canastras transportadas à cabeça dos moços Depois é sempre assim. O mesmo peso até estar construído o grande cone branco. 

Antes de regressarmos às azinhagas e comermos o resto das amoras, os homens reúnem-se ao cair da noite, para festejar. 

Enquanto se embebedam , cantam com a ajuda de uma gaita de beiços. Há sempre um que vomita e volta a cantar. 
São os rudes corações de oiro, meninos triturados, construtores de marinhas valentes. São os que transformam água em pão, enquanto à nossa mesa se ajoelham as metáforas. 

  
 

segunda-feira, 5 de maio de 2014

A DUNA SOU EU




                                                          " Caçador de relâmpagos " (2010)


Enquanto aquele anjo permanecer nas areias, bem pode o vento soprar.

-  o cão ou o velho?

Lentos , trôpegos, com os pés a tracejarem os caminhos de sempre, todos os dias aquelas almas percorriam memórias.

O cão - mais velho que o dono - era o guia, a sua bengala de cego.
Pela orla da praia, desde a gruta onde viviam até à colossal duna, abrupta sobre as águas, as aves marinhas mergulhavam a pique , esbracejavam só para os salpicar. Lá iam, serenos, livres, sem palavras - imensos.
No ar, o sussurro dos silêncios embalava-lhes os passos num concerto de maresias.
Chegados ao topo da montanha era sempre assim - o velho afagava as orelhas do cão e o cão lambia-lhe as mãos.
Sentados - respiravam infinitos - o perfume das algas - adormeciam no tempo.

Ao longe, muito ao longe, alguém de um barco bramou :
- fuja, a duna vai desmoronar-se.

Imperturbável, respondeu baixinho para não acordar o cão :

- A duna sou eu.



 

segunda-feira, 28 de abril de 2014

NA LINGUAGEM DOS ESPELHOS







Silvestre a lamber o leito
por onde corre
num acorde de timbres
sereníssimo o rio
atravessou
passo a passo
a sombra das pontes

desaguou sem amos
no chão das marés

barco desgrenhado
quase perfeito
a lapidar as águas

Passo a passo
demorou-se por um fio
a subir às gáveas
precipitou-se
do último verso
do seu poema

mas resiste
olhos abertos
na linguagem dos espelhos

 

terça-feira, 22 de abril de 2014

ATÉ ARDER DE NOVO A MADRUGADA




                                          publicado no "A linguagem dos espelhos" 1982



Arde a madrugada na incandescência
dos nossos lábios
tangem cordas de oiro e prata
os nossos dedos

transportamos anéis de fogo
no interior dos corpos
labaredas cingidas
nas línguas

No regresso é o caminho que nos trás
exaustos de muitos pesos

rangem os corpos
mas dos lábios
saltam faúlhas que nos alimentam

até arder de novo a madrugada