quarta-feira, 26 de dezembro de 2012
segunda-feira, 17 de dezembro de 2012
O NATAL VAI COMEÇAR
O Inverno faz as pessoas recolherem às cavernas para melhor se amarem.
Sacode-se nas árvores penadas, inventa polícromos arco-íris, manifesta-se contra a perfeição, faz trejeitos ao rosto. Ri-se nos olhos de toda a gente.
Lá no alto, por cima das nuvens de chumbo, levanta a voz dos relâmpagos e às primeiras pancadas de Moliére, abre o pano. Vem ao palco e anuncia:
- Senhoras e senhores, a fábula " é uma pintura onde podemos encontrar o nosso retrato".
-Que dia é hoje?
- Silêncio.
-Senhoras e senhores, ides assistir à mais fabulosa história da minha estação.
As luzinhas furta-cores são as mesmas. O mesmo barro, o mesmo pinheiro, o mesmo musgo, as mesmas pedras. A mesma estrelinha na carapinha do mesmo presépio. O mesmo rebanho, os mesmos pastores, a mesma palha, o mesmo bafo.
Ides ser cúmplices dos animais, dos anjos que vão cair pelas chaminés nos sapatinhos dos meninos ajoelhados - até ao momento em que o galo cantará.
Lá fora as ruas estarão um sonho - até nos olhos dos outros meninos, colados nas montras do céu.
Tudo será luz nas casas iluminadas, nos corações vibrantes - menos nos olhos sem abrigo.
Vai chover. Amai-vos uns aos outros.
Eu sou o Inverno e o Natal vai começar.
segunda-feira, 10 de dezembro de 2012
terça-feira, 4 de dezembro de 2012
NOS BRAÇOS FLORIDOS DO MEDRONHEIRO
Num lento amanhecer
acendi um fósforo
para alumiar o tempo
nas pedras altas
Regressado à escarpa
comecei a escrever
na cal das paredes
e logo deram à costa
uivos de vento
silvos de barcos
palavras em carne viva
trabalhadas à mão
pássaros mais leves
que a neve derramada
Quando regressei à escarpa
exaustos
uivos silvos palavras
poisavam desgrenhados
nos braços floridos do medronheiro
segunda-feira, 3 de dezembro de 2012
CHÃO DE CLARIDADES
Neste país tudo é possível.
Hoje a editora "Temas Originais" na semana de apresentação do meu
"Chão de claridades" informou-me que por dificuldades financeiras incontornáveis adiou a publicação.
Compreensivo regresso à minha escarpa para soprar os barcos que passam.
Solicito que aguardem
Apesar do caso estou grato a todos os amigos
porque" quem faz um filho
fá-lo por gosto"
CHÃO DE CLARIDADES
A editora mora aqui
temas .originais@.gmail.com
www.temas-originais.pt
Rua Salgueiro Maia 21 r/c
3040-006
Coimbra
Sejam bem-vindos a este encontro de amigos
no Seixal
terça-feira, 27 de novembro de 2012
NO ESPELHO DA ÁGUA
Enlouquecidos
os cães uivavam
quando te debruçavas em arco
só para ver os barcos soltos
na volta da pedra
Silvestre
à hora do vento
no ramo mais alto
da minha árvore preferida
incantatória
vinhas à janela
só para ver
e eu lá estava
no espelho da água
a colher-te
Ainda hoje de tão perto
não sei quem és
mas sei que existes
e te desfolhas
quarta-feira, 21 de novembro de 2012
PÉTALA DESPRENDIDA
Para celebrar o hino
apócrifo do vento
nos barcos desgrenhados
respirámos fundo
a essência dos sargaços
e o mar inteiro
sem idade
mal coube nas nossas mãos
Estávamos tão íntegros
a hastear velas
no branco inconsistente das salivas
a riscar sulcos na água
garatujas nas paredes do cais
que não contive
nos teus olhos
uma pétala desprendida
quinta-feira, 15 de novembro de 2012
OS NOSSOS MILAGRES SÃO FÁCEIS DE EXPLICAR
Muito antes da casa
aqui passava um rio de pomares
nas margens
cohabitavam romãs
penduradas por um fio
ainda hoje
projectam na água
o corpo que lhes dá forma
simplificando
aqui nas paredes da casa
onde passa um rio
não há romãs
mas de tão desejadas
existem
repartem-se como pão
bago a bago
nas nossas bocas
e assim aprendemos
que os nossos milagres
são fáceis de explicar
quarta-feira, 14 de novembro de 2012
segunda-feira, 12 de novembro de 2012
terça-feira, 6 de novembro de 2012
quinta-feira, 1 de novembro de 2012
sexta-feira, 26 de outubro de 2012
CHUVA NA BOCA DOS AMANTES
Transumantes de silêncios
filtram ventos
na folhagem
latidos de cães
nos mastros ancorados
temperam relâmpagos
com arremesso de pedras
aos pássaros
apascentam desertos
povoados de estrelas
legitimam os céus
Herdeiros de silencios
afloram
paletas de searas
dão de beber às fontes
às pedras esculpidas
à chuva
na boca dos amantes
segunda-feira, 22 de outubro de 2012
ROSA DE SAL
Neste chão de ressonâncias
marés vivas
marnotos
marinhas valentes
e outros relâmpagos
transportámos
um sol de mãos cheias
à cintura um mar de sargaços
Nus de tudo
soprámos o espinho
que nos sangrava as pétalas
descobrimos as mãos
e os lábios
ao entardecer
dulcíssimos
oferecemos ao rio
uma rosa de sal
sexta-feira, 19 de outubro de 2012
terça-feira, 16 de outubro de 2012
PRESOS A UM SOPRO DE VENTO
Na véspera dos relâmpagos
os pássaros são eternos
conforme os apeadeiros
renascem ao som da folhagem
oferecem o corpo inteiro
e o desejo
pestanejam vírgulas
lábios remos e passos
numa cadência de asas
Na véspera dos relâmpagos
o mar organiza outros azuis
utopias em movimento
amplas claridades
sem âncoras nem limites
como nós
presos a um sopro de vento
terça-feira, 9 de outubro de 2012
terça-feira, 2 de outubro de 2012
terça-feira, 25 de setembro de 2012
EM PLENO VOO POR UM GRÃO DE AREIA
Não são únicos os caminhos
mesmo quando se cumpre
a rota dos sonhos
e os barcos se despem
de destinos por sobre as águas
Já tínhamos visto longe
a céu aberto
palavras íntegras a respirar
por guelras
pétalas a despontar nos desertos
mares a gorjear
na folhagem das escarpas
noites claras
ao som do relógio de pêndulo
Não são únicos os caminhos
mesmo quando andamos
a sibilar no vento
desapercebidos do pássaro
que renasce em pleno voo
por um grão de areia
terça-feira, 18 de setembro de 2012
quarta-feira, 12 de setembro de 2012
quarta-feira, 5 de setembro de 2012
O VINHO DOS AMANTES
Malhoa
Neste mar de searas
a espumar sede
na boca das sementes
procuro um relâmpago
para incender a noite
com um grito
despertar as estrelas
que dormem no chão
Esta terra precisa
ser fecundada às mãos cheias
no mais íntimo da pele
rasgar em pleno voo
os seus anjos preferidos
poisar nos galhos
contra os medos
dessedentar um grão de areia
e subir aos mastros
Neste mar de searas
e ventos mínimos
as uvas vindimadas nas escarpas
ainda hoje sangram
aos pés do povo
servem à mesa
o vinho dos amantes
quinta-feira, 30 de agosto de 2012
FOLHA ANTE FOLHA
Pessoa amiga ofereceu-me uma folha de papel manuscrita a sublinhar versos avulso de poemas que tenho publicado. Vou partilhar o gesto amigo desta brevíssima viagem nos apeadeiros. Por instantes folha ante folha para não acordar os pássaros.
" gosto de brincar com as palavras para dizer o que os brinquedos dizem às crianças "
" ainda não aprenderam os meus olhos a verem-te como és mas apenas como te vejo "
" hoje acordei a fazer poemas ou quase nada"
"a vida desnasce do ventre até à foz "
"risco este muro de cal e aguardo a chuva para ver como se desmoronam as palavras "
" guardas ternamente as minhas impressões digitais e eu de ti o sorriso gaiato a luz torneada "
" pego-te ao colo poema lanço-te da mais alta oliveira mas só as crianças fazem do teu corpo aviões de papel "
" admito que é impossível este tempo de folhas adormecidas - num instante a folhagem ficará repleta de pássaros azuis "
" hoje não quero salvar o mundo, só ajudar "
" sopro-te e voo "
" o mar entrou-nos pelo corpo num abraço de limos areias com salivas para filtrar a memória "
" nos teus olhos há um barco pintado com a mesma cor da água"
" ofereço-te o meu cão de barro se puder respirar mais cedo o perfume das tuas maçãs"
"estávamos na época da poda das roseiras e tu chegaste vestida de rosas"
"falaremos com as árvores e seremos mesmo assim menos livres que os pássaros"
" entre a terra e o mar a inocência sem limites"
" o povo berbere sabia muito da arte da guerra mas pouco da ciência política - ainda hoje vive no deserto - livre do paraíso"
" Paris é uma mulher escultural nua com uma boina azul a passear na ponte dos poetas com o Sena a espreitar-lhe as pernas e as rimas"
" hoje acordei às 4h da manhã como de costume e fui comer uma maçã- lá estavas a sorrir à minha espera "
quinta-feira, 23 de agosto de 2012
À HORA DOS PÁSSAROS
Clara estava a noite
à hora dos pássaros
o vento recolhido nas gáveas
quando soprei uma pétala
no teu olhar
Foi hoje por um fio
nos labirintos menos conhecidos
que descobrimos
a idade dos espelhos
um certo caminhar
pelos itinerários da água
numa respiração profunda
Soprei uma pétala
despertei o vento
foi hoje
à hora dos pássaros
domingo, 19 de agosto de 2012
INSONDÁVEIS GARATUJAS
À sombra no altar das oliveiras
os cães com cio lambiam nesgas
de sol cumpriam liturgias
ladravam manso para atrair
os pássaros
Eugénio de Andrade
ao som de Nina Simone
em botão despontavam no cais
voajavam no vértice
das águas doces
tilintavam no bico dos teus seios
No altar das oliveiras
vencido o quebra-mar soprámos
asas velas e passos
escrevemos por gestos nas árvores
insondáveis garatujas
regressámos ao cais
com o latido dos cães
para dar de beber às fontes
acordar os barcos
quinta-feira, 9 de agosto de 2012
NUMA VÍRGULA A PESTANEJAR
Coloquei uma folha de papel na ponta esquerda da mesa, onde escrevo. No alpendre as andorinhas em formação cagavam sempre fora do ninho mas não acertavam na folha de papel. Apreciei o gesto e aguardei o fim do ciclo - a partida para um novo e desejado regresso. Verifiquei hoje para meu espanto que a folha de papel estava limpa. Admiti que já tivessem partido. Mas não. Ainda ficaram uma noite para se despedirem de um rascunho que deixei na mesa. Lá estava o sinal dos afectos. Acertaram numa vírgula e eu comecei a pestanejar.
quinta-feira, 2 de agosto de 2012
sexta-feira, 27 de julho de 2012
ESMAIA A MARÉ E SE ALEVANTA
quase de tudo deserta
ululante
como se fosse possível
um coração de ave
tricotar areias com os dedos
no teclado das águas
Desnavegado
fui lá dizer-lhe
com voz de escarpa
hoje não quero salvar o mundo
só ajudar
A maré estava cheia
de azuis
por amor à lonjura tangível
a ressoar acordes
numa apoteose de sussurros
coada de palavras
aqui tão perto
que nem lhe posso tocar
Nesta acidental praia
esmaia a maré
e se alevanta
domingo, 22 de julho de 2012
domingo, 15 de julho de 2012
TANTO É O MAR
Tanto é o mar
em redor das ilhas
que já nem sei quem mais amo
se a chama das águas
se os barcos
naufragos à vista
oráculos ao ritmo das marés
apeadeiros de aves
a cumprirem trajectos
no desassossego dos ventos
Tanto é o mar
no vazio povoado
de explosões de vida
sequestrado no paraíso
dulcícissimo
só precisa um pormenor de azul
para subir aos mastros
Quando chegar ao cais
com asas trôpegas da viagem
descobrirá âncoras
que sempre existiram
em desafio
nesta desordem
de cores nos jardins
segunda-feira, 2 de julho de 2012
terça-feira, 26 de junho de 2012
terça-feira, 19 de junho de 2012
UMA FLOR VERMELHA NAS PAREDES DO CAIS
Poema que me apeteceu reeditar
Não sei quem és
mas pelos gestos vieste por bem
rasgar o vento com as mãos
a neve dos meus cabelos
e eu cansado de florestas apócrifas
das palavras em bando
comecei a plantar árvores
vi os pássaros regressarem
em acordes
a luz das noites que não dormem
Na partilha de horizontes
o amor é revolucionário
voa nos mastros mais altos
garatuja búzios de sons
intervem por causas
muito para lá das utopias
e se levanta resiste
ao pôr do sol
mesmo que os barcos entristecidos
estilhacem
nos espelhos da água
algumas pedras com vida por dentro
Registo por um instante
o ar que nos move
pinto com a boca
uma flor vermelha
nas paredes do cais
quarta-feira, 13 de junho de 2012
CONTRA O VENTO QUE FAZ
A minha escarpa tem um postigo
com vistas para o mar
araucárias desgrenhadas
salivas e trovas silvestres
em desmaio nas areias
A minha escarpa tem um postigo
donde não se veem os céus
miríade de sentidos
mais longe o olhar errante
se torna flor e tempestade
Quando sopro estas pétalas
amados os rumores da água
desponto neste chão
pego-te ao colo
beijo-te os olhos
contra o vento que faz
segunda-feira, 11 de junho de 2012
terça-feira, 5 de junho de 2012
ARTESÃO DE METÁFORAS
Nas margens do rio
onde habito
respiram pautas desertos
retratos íntimos de flores
a preto e branco
repousam mãos famintas
Nas margens deste rio
quando a noite amanhecida
não dorme
ouvem-se pêndulos vagares
cadenciados
agitam-se os dedos
o tempo ousado dos poetas
que não eu
artesão de metáforas
No fulgor das águas
desprendo-me
a profanar metáforas
para ver mais claro
o teu corpo antigo baloiçar
nas paredes da casa
quarta-feira, 30 de maio de 2012
MAIS LIVRES QUE OS PÁSSAROS
A letargia dos barcos
surpreende todos os silêncios
neste cais
onde nada é inútil
mas tudo é tão frágil
e nada mais acontece
Neste cais os pássaros
em desassossego
banham-se à sombra dos mastros
espantam-se de tanto se olharem
na concha das nossas mãos
e nada mais acontece
até o cais ser um cristal
mais forte que o seu brilho
golpe de asas e seara
contra todos os destinos
Nesse dia seremos
no espelho da água
mais livres que os pássaros
quinta-feira, 24 de maio de 2012
SEM MURAIS
Colho-te quando tudo
está tão pardo no cais
Colho-te nos lábios a fragrância
de braços abertos
como se nestas rotas a maresia
escrita à mão
fosse metáfora
arremesso de palavras
e sons
Colho-te as velas recolhidas
à pergunta de um sopro
barcos ancorados
a gatinhar nos mastros
até o grito se organizar
em coro
e as águas correrem livres
sem murais
sexta-feira, 18 de maio de 2012
NEM FLORES NEM DESTINOS
Estávamos no fresco trinado da Primavera
quando uma ave desconhecida
subiu mais alto
que o mastro das bandeiras
e logo hoje choveu
uma lágrima dos teus olhos
Estávamos no trinado da Primavera
o vento quase não se movia
mas nós carregávamos
a serra às costas
por esses mares desnavegados
a decifrar azuis
e outros destinos
Nós sabíamos que não existem destinos
e as flores não se oferecem
conquistam-se a partir do chão
até as pétalas se desfolharem
Só não sabíamos
porque choveu uma lágrima
dos teus olhos
sexta-feira, 11 de maio de 2012
CHOREI COM OS CÃES
Publicado no meu "caçador de relâmpagos"
Conduzia na estrada do Barranco do Bebedouro - serpenteada, estreita, iluminada pela lua cheia.
De repente, um vulto na minha rota. Não pude evitar. Só o vi pelo retrovisor.
Saí do carro e ajoelhei-me junto do animal, um rafeiro alentejano, lindo, que ainda me olhou nos olhos e disse baixinho:
- É pá, mataste um cão sem dono.
A lua cheia inundava o silêncio e eu levei-o ao colo para dentro do carro.
Quando cheguei a casa, só pude fazer o que fiz.
Chamei o Dique e encarreguei-o de convocar todos os cães da aldeia. O funeral foi marcado para a meia noite.
Todos compareceram.
Solidários, quatro amigos mais corajosos ofereceram-se para cavar a sepultura, num canto da horta, onde espontâneas medravam hortelãs.
Todos reunidos no silêncio.
Um uivo comovido despoletou um choro colectivo.
Só o Dique não chorou. Trazia na boca uma papoila que largou
em cima da sepultura.
sábado, 5 de maio de 2012
UMA NESGA DE SOL
Quando passa um sopro de lume
no espanto das marés
pétala a pétala
se desfolham primaveras
neste chão
mas nunca se perde uma flor
em carne viva
o olhar terno das pedras
abruptas
na voz silvestre da escarpa
Quando passa uma nesga de sol
puxada a remos
na expressão humana
de um barco
respiram à tona outros voos
devagar
te dou um beijo
terça-feira, 1 de maio de 2012
NO GRITO DAS MARÉS
publicado no meu "Que fizeste das nossas flores"
Nos olhos um mar infinito de palavras soltas
faúlhas e rumores de vento
onde quedos se agitam por dentro
barcos ancorados
Nas velas recolhidas um perfume de algas
onde convergem todas as pátrias movediças
cardumes nos destroços das bandeiras
Estes são os olhos que me olham
nos espelhos da água
Os meus permanecem hasteados nos mastros
a despir horizontes desgrenhados
no grito das marés
segunda-feira, 23 de abril de 2012
QUE FARÁS DE TI?
Publicado no meu PARA LÁ DO AZUL
Ainda não estávamos no tempo das vindimas, nem da fuga das andorinhas. Estávamos a regar uvas de mesa para te oferecer numa bandeja de lua cheia - mas tu estavas no paraíso dos silêncios a aprender - a prender ou a soltar amarras de barcos a voar com o próprio voo ou a cortar asas aos pássaros, sem teres espreitado o belo precipício das lindas tempestades - onde só cantam livres alguns fios de música quando lhes morde a voz.
As uvas estavam verdes, o tempo incerto e o chão íngreme já te desafiava em revérberos num torvelinho de rotas.
Quando vencemos o teu cordão umbilical, despertámos para uma certa revolução de estrêlas e ninguém sabia o que era uma revolução de estrêlas.
Talvez um dia saibas que as estrêlas podem brilhar no chão que pisamos, conforme as marés - que todas nascem, crescem e regressam como pêndulos a outras florações.
A lua não estava cheia, as uvas estavam verdes, as andorinhas só regressavam à noite e tu deste um grito que estilhaçõu todos os silêncios.
Não foste um silvo de barco, nem um mar a rasgar escarpas, nem sequer o delicioso florir de uma araucária. Foste tu e já é tanto.
E agora? Que farás para a água te lavar os pés? Que farás para o mar não te abandonar? Que farás para te conquistares? Que farás para as uvas amadurecerem e as andorinhas regressarem?
Que farás de ti, pelas outras estrêlas?
terça-feira, 17 de abril de 2012
terça-feira, 10 de abril de 2012
quarta-feira, 4 de abril de 2012
UM DEUS EM CADA ASA
Às mãos cheias
como o ar que se respira
na porta do desassossego
só batiam pássaros
traziam luz na voz
brilho no olhar
suaves registos de timbres
ressonâncias silvestres
mas não eram pássaros
eram fragrâncias
lábios de maresias
em carne viva
a expressão das flores
quando se despem das pétalas
Ainda hoje chegaram
num rasgo de lucidez
não bateram à porta
pousaram no parapeito das janelas
e partiram irredutíveis
pelo mesmo rasto
com um deus em cada asa
quinta-feira, 29 de março de 2012
PRIMAVERAS
Gosto de ti em botão
serena glicínia
rainha pendente
arrebatadora sábia tangível
nos jardins desta ilha
rodeada de sonhos
por todos os lados
Gosto das Primaveras
na espuma das marés
lábios perdidos
na boca das sementes
em todos os apeadeiros da vida
mesmo que chovam relâmpagos
e os cães ladrem
mesmo quando faz sol
e o país rebenta
nas areias da praia
à míngua de trovoadas
Gosto de ti senhora
sexta-feira, 23 de março de 2012
NOS LÁBIOS DA AREIA
Desenho de ÁLVARO CUNHAL
Ao entardecer
um bando de pássaros
desenhou
na palma das nossas mãos
uma vida inteira
e tudo parecia azul
no seu linguajar
mais alto que o voo
e assim aconteceram
duas linhas paralelas
prolongadas
que se encontram
aonde os olhos não mentem
Ao fim da tarde
tudo é mais claro
até o branco
nos lábios da areia
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