domingo, 25 de dezembro de 2011

O CEGO DAS ESQUINAS




                                            Publicado no meu " CAÇADOR DE RELÂMPAGOS"



Digo-te a bruma coada na cidade, para êxtase do porvir. Incito-te ao levantamento do chão, onde adormecem lábios e pedras em murmúrios e salivas - só para te ver transgredir as pautas.

Eu digo-te uma luz ao fundo, protegida por sombras e sons, numa campânula em arco.

Repara no cego.

Repara no cão.

Quando chega a casa - imagino um cubículo de madeira - o cego das esquinas mergulha as mãos no saco das bofetadas, retira-as para o tampo da mesa e conta o abandono a que o votaram em cada moeda coitadinha.

É o cego das esquinas. O tempo de rastos.

Quem anda a montar o tempo?

São os donos dos prédios altos que fazem esquinas para cegos.

São os fazedores de cegos, os vendedores de concertinas.


domingo, 18 de dezembro de 2011

O NATAL VAI COMEÇAR





                                                            Publicado no meu "CAÇADOR DE RELÂMPAGOS"



O Inverno faz as pessoas recolherem às cavernas para melhor se amarem.
Sacode-se nas árvores penadas, inventa polícromos arco-íris, manifesta-se lúcido contra a perfeição, faz trejeitos ao rosto. Ri-se nos olhos de toda a gente.

Lá no alto, por cima das nuvens de chumbo, levanta a voz dos relâmpagos e às primeiras pancadas de Moliére, abre o pano. Vem ao palco e anuncia:

- Senhoras e senhores, a fábula " é uma pintura onde podemos encontrar o nosso retrato" .
- Que dia é hoje?
- Silêncio.
- Senhoras e senhores, ides assistir à mais fabulosa história da nossa estação.

As luzinhas furta-cores são as mesmas. O mesmo barro, o mesmo pinheiro, o mesmo musgo, as mesmas pedras. A mesma estrelinha na carapinha do mesmo presépio. O mesmo rebanho, os mesmos pastores, a mesma palha, o mesmo bafo.

Ides ser cúmplices dos animais, dos anjos que vão cair pelas chaminés nos sapatinhos dos meninos ajoelhados - até ao momento em que o galo cantará.

Lá fora as ruas estarão um sonho - até nos olhos colados dos outros meninos, nas montras do céu.

Tudo será luz nas casas iluminadas, nos corações vibrantes - menos nos olhos sem abrigo.

Vai chover. Amai-vos uns aos outros.
Eu sou o Inverno e o Natal vai começar.


quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

SOPRAR O VENTO CONTRA O VENTO





Se não adormecer nos teus lábios
com o ar em movimento
o vento desalinhado
a chuva a cair abrupta
em bátegas de luz e sombras
nas paredes da escarpa

irei construir um barco
para as aves
cumprirem os trilhos do voo
recolherem
os contornos da noite

Transportarei o sorriso
das estrêlas
na palma das mãos

mas se o vento não passar

ai se o vento não passar

só as palavras em branco
irão soprar as gáveas
do barco

soprar o vento
contra o vento






sábado, 10 de dezembro de 2011

CAMINHO SEM MARGENS







Pelas fissuras de acesso à casa
os pássaros escarpados
recusam suicidar-se
por um grão de areia

têm por hábito beijar as pedras
quando a noite se deita
no brilho dos cristais

mesmo de olhos fechados
e luas novas

Aqui às mãos cheias
o mar revolto
bebe a água das fontes

mesmo que se desmoronem as arestas
onde emerge apócrifo
passo a passo
em desassossego
este caminho sem margens


domingo, 4 de dezembro de 2011

CÍRIOS






Nas arestas da escarpa
aprendemos quase inocentes
a arredondar pedras
para não ferir o voo dos pássaros

caminhamos num abraço de limos
ao som das marés
e descobrimos debaixo da pele
que nos abriga
tanta luz
por desbravar

resistimos nas areias movediças
desvendamos rotas conhecidas
atiçamos relâmpagos


círios
mastros
que se levantam