segunda-feira, 27 de junho de 2016

RIO






De tantos mares desnavegados 
percorridos
distraí-me de ti 
rio
a correr nas veias
aqui tão perto
que nem te posso tocar

Eufrázio Filipe

domingo, 19 de junho de 2016

SONÂMBULOS DE OLHOS ABERTOS





É tão pouco procurar nas palavras
o rosto do lume que precisamos
para dar comer às pedras

procurar no barro
a linguagem dos gestos

nas flores o vinho das abelhas

a incerteza vigilante que conduz
o olhar de todas as coisas

É tão pouco procurar na razão essencial
uma navegação de migalhas

o sangue tatuado nas veias
de memórias e paisagens

o peso do coração
no peito

caminhos da água
que os rios seguem
sonâmbulos
de olhos abertos

Eufrázio Filipe


domingo, 12 de junho de 2016

BARCO DE REMAR





A remar águas e ventos
numa orgia de rotas
e salivas sem destino à vista
encontrei na margem
uma pedra
com vida por dentro
exilada no espelho do rio
a amanhecer

no ressoar das marés
juntei-me ao seu corpo
convergi na paisagem
subscrevi-lhe as pausas
os improvisos
e ali mesmo descontruímos
a recusa dos impossíveis

aprendemos que nada
é completamente inútil
muito menos a magia do tempo
que transportamos
portas abertas
janelas escancaradas
por onde inevitável
circula o pó
e tudo se move

até os velhos pássaros refulgentes
que libertámos dos lábios
em pleno voo (e)ternos
num barco de remar


Eufrázio Filipe
"CHÃO DE CLARIDADES"



terça-feira, 7 de junho de 2016

FLORES FOLHEADAS





PREFÁCIO


O tempo luz evidências
indecifráveis nas águas mansas

liberta-se apócrifo
no "rio da minha aldeia"
quando num fôlego de guelras
peixes em cardume
vêm à tona entardecer
de olhos abertos

POSFÁCIO

Vassalos os cães
quase litúrgicos
afagam as margens
ladram vertiginosos
pelo mais precioso
que a vida lhes parece

flores de sal folheadas
nos remos e nos passos

um osso duro de roer


Eufrázio Filipe

quinta-feira, 2 de junho de 2016

LÁGRIMA AZUL






A noite estava linda e parda
nos teus olhos de faúlhas
e eu não sabia porquê

talvez por isso

a imperfeição pareça
uma fonte inesgotável
de procuras

talvez por isso

apascentados
a revoar fragâncias de limos
inocentes os barcos
pastem memórias

A noite estava linda e parda
desobrigada
quando acendi um fósforo
no Mar da Palha

só para ver em festa
uma lágrima azul
a despenhar-se dos teus olhos

Eufrázio Filipe