skip to main |
skip to sidebar
Celebro no mais íntimo da pele
a exuberância aprumada
da árvore ao fundo
quando acorda a cantar
e adormece com os pássaros
no outro lado do cais
quando desponta no deserto
esculpe grãos de areia com rosto
e se levanta nas dunas
contra o vento
Celebro os contornos da luz
as esquinas e os becos
no rasgo lúcido de um traço
quando se desnudam na tela
espaços em branco
mãos vertebradas por todo o corpo
frutos silvestres
folhas persistentes
a vasta sede
Autora do oleo - blueangel - "linguagem dos pássaros"
Quando te disse
os nossos milagres são fáceis de explicar
o Outono entrou no corpo
das romãzeiras
e ao sabor de um gesto simples
brotaram na tela
traços de aguarelas
Foste o meu modelo preferido
só porque trazias no regaço
inquietudes de pétalas
e o mar ficou mais azul
e os barcos mesmo desfolhados
continuaram a remar
na flor dos relâmpagos
Quando te disse
meu amor como te chamas?
transgredimos tantos silêncios
que ainda hoje
quando te pinto
somos água de beber
na boca das sementes
tão sábios aparente mente
à tona dos pássaros
aprendizes do voo
a contar pelos dedos
bagos de romã
Quando o sol projectou no chão
uma vara de sombras em movimento
para os barcos não se perderem
o natural ciclo das marés
tresmalhou a maturação dos frutos
agitou o latido dos cães
crucificou-nos a vida
mais que os sinos nos campanários
a rasgarem silêncios
e o teu corpo cansado
numa base de areias movediças
inventou uma ampulheta
para medir o tempo
e nós passámos a ser escravos
até um dia os barcos se perderem
no canto livre dos pássaros
Ainda o corpo da baía
não tinha dado os últimos passos
já o rio desaguava perfumes de algas
salivas e alguns barcos inteiros
Sonâmbulas respiravam
no pulmão das marés
algumas garças conhecidas
nidificavam sonhos nos sapais
e as faluas reconstruídas
dardejavam ventos
rente aos moínhos
Ainda o corpo da baía
era de barcos e garças
já as mós de pedra
se moviam
na boca das sementes
cresciam no silêncio do pão
outras marés
Quando a estátua
deixou de ser estátua
eu vi
uma lágrima solta
nos olhos
da pedra
Neste chão de aceiros improváveis
movimentam-se barcos e afectos
sementes que exultam
memórias remos e passos
Ainda hoje este espaço
de fragatas faluas e sapais
é exiguo
para tantas vozes que se erguem
como os pássaros
Neste pomar de águas correntes
ascendem perfumes de revérberos
que alumiam margens
e temporais
do ventre até à foz