domingo, 2 de janeiro de 2011

O CEGO DAS ESQUINAS

publicado no "Caçador de Relâmpagos"

-- Digo-te a bruma coada na cidade, para êxtase do porvir. Incito-te ao levantamento do chão, onde adormecem lábios e pedras em murmúrios e salivas só para te ver transgredir as pautas.
-- Eu digo-te uma luz ao fundo, protegida por sombras e sons, numa campânula de pedras em arco.
-- Repara no cego.
-- Repara no cão.
-- Quando chega a casa - imagino um cubículo de madeira. O cego das esquinas mergulha as mãos no saco das bofetadas, retira-as para o tampo da mesa e conta o abandono a que o votaram em cada moeda coitadinha.
-- É o cego das esquinas. O tempo de rastos.
--- Quem anda a montar o tempo?
--- São os donos dos prédios altos que fazem esquinas para cegos.

--- São os fazedores de cegos, os vendedores de concertinas.


32 comentários:

Rogério G.V. Pereira disse...

Ja tinha visto este cego
Mas por o ver aqui
rompo com a jura (feita a mim mesmo)de não me referir ao seu Caçador de Relâmpagos no meu blogue
Mesmo que não aprecie o gesto
ou até mesmo o desaprove...

... é belo demais para o não fazer. Fique a saber!

Continuação de Bom Ano (e boas caçadas, que o tempo está de feição)

jrd disse...

O Cego das esquinas dias que são sempre noites.
Belíssimo

tb disse...

levantar do chão precisa-se...
e que o ano novo seja a cada dia um levantar do chão e um rio imenso por onde escorre a poesia.
Um abraço de bom ano!

antonio ganhão disse...

Somos cegos, fazedores de cegos... por isso também nos é permitido alguma ilusão.

vieira calado disse...

Olá, meu caro!

Bom Ano de 2011 para si!

Um abraço

hfm disse...

Quando as palavras se abrem e nos conduzem pelos nossos próprios labirintos.

folha seca disse...

Caro Mar Arável
Quantos mais cegos, vamos ver pelas esquinas. Como seria bom que este poema fizesse parte do passado. Quanta tristeza nos dilacera, saber que este poema está no presente e duma forma crescente fará parte do futuro... até um dia.
Abraço

Mel de Carvalho disse...

"- Quem anda a montar o tempo?
- São os donos dos prédios altos que fazem esquinas para cegos.

- São os fazedores de cegos, os vendedores de concertinas. "

Os fazedores de cegos... os vendedores de concertinas...
É, Eufrázio, aqui está o busílis da questão. E, nas suas palavras, o olhar perspicaz de quem não teme iniciar o ano colocando o acento na silaba tónica. Bem-haja, pois.

Belo livro, este!!!
Beijo e feliz 2011, meu amigo
Mel

Graça Pires disse...

"--- Quem anda a montar o tempo?

--- São os donos dos prédios altos que fazem esquinas para cegos.


--- São os fazedores de cegos, os vendedores de concertinas"
Belíssimo e de uma sensibilidade tão lúcida...
Um beijo e um bom Ano.

Ainda estou à espera do livro. A quem devo pedir?

Meg disse...

...O cego das esquinas mergulha as mãos no saco das bofetadas, retira-as para o tampo da mesa e conta o abandono a que o votaram em cada moeda coitadinha...
por que me lembrou um vídeo que circula por aí, um programa na tv... ensaio sobre o luxo?
Acho que foi a maior bofetada, em público e a cores.

Um 2011 tão feliz quanto possível.

Beijos

Fernando Samuel disse...

Muito bom!

Um abraço.

lino disse...

E há tantos fazedores de cegos!
Abraço

Flor de Jasmim disse...

Mar Arável
"Eu digo-te uma luz ao fundo"
Como eu gostava nos tempos actuais conseguir ver uma luz ao fundo,como gostava de poder sentir-me protegida. Quantos (cegos) não andam por estas ruas foras e até parece que vêm, será que vêm!!!

Abraço

ana disse...

Belo lamento e pertinente visão sobre a sociedade a que pertencem os donos dos prédios altos e os vendedores de concertina!

Manuel Veiga disse...

mais cegos que os cegos são os que não querem ver...

com a força de um libelo. acusatório.

que a poesia é uma arma...

abraço, meu caro Poeta.

Folhetim Cultural disse...

meu blog voltou com tudo acompanhe durante a semana noticiário cultural. Espero que goste. Me siga. Abraços boa semana.

informativofolhetimcultural.blogspot.com

oasis dossonhos disse...

Arrepiante, incisivo, perturbante, belo de tão crú.
Ano de 2011 sempre com sensibilidade e clarividência.
Abraço
Luís

Anónimo disse...

Um livro que gostaria de adquirir
para acalentar a mente que anda dormente.
Onde posso adquirir, Eufrázio?

Beijo meu.

Maria

R. disse...

É uma boa invectiva, a de incitar ao levantamento do chão. Mobiliza, encoraja, desafia à superação!

Continuação de um ano pleno "de luz ao fundo"...

Valquíria Calado disse...

Olá amigo, como passou de ano?

Vim convida-lo a visitar meu Hanukká, estou voltando com uma linda postagem.
http://hanukkalado.blogspot.com

Feliz ano novo, bjinhos.

Para Meditação:

"Agora pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três; porém o maior destes é o amor". I Cor. 13:13

Sensualidades disse...

quase senti os cheiros

brilhante

Beijos
Paula

Anónimo disse...

a sermos cegos todos se não lermos, eufrázio. um beijinho grande.

Rosario Ferreira Alves disse...

Gosto mesmo muito da escrita e o conteúdo é genial. Parabéns.

Rosário

Cristina Fernandes disse...

É sempre um prazer ler as tuas palavras, Eufrázio.
Desejo-te um excelente ano de 2011... com palavras como estas.
Abraço
Chris

Sol no Coração disse...

Gostei de ler - pois ,o maior cego é aquele que não quer ver.


Bom Ano 2011*

Um beijo

Fê blue bird disse...

Vou comprar o teu livro, o Rogério e os teus textos despertaram a minha curiosidade.
Parabéns e muitos sucessos.

Justine disse...

São os dias virados do avesso, são os homens esquecidos de si e da dignidade.
É um texto magnífico que diz da ignomínia usando a poesia

Lídia Borges disse...

Palavras que nos tocam a alma de tão duras e reais.
A hipocrisia dos homens...


Um beijo

JB disse...

E onde habita a verdadeira cegueira?

Belíssimo texto!

Beijinho

SILÊNCIO CULPADO disse...

Excelente este texto que poeticamente mostra a condição do sem-abrigo.
O indigente vem da injustiça daqueles que se sentem mais gente perante quem está no chão. Daqueles que exibem as esmolas que dão ao sofrimento.
Um sofrimento que existe porque sobra a uns o que a outros falta.

Abraço

pianissima disse...

Mar....,
há muito que namoro este poema, pensava pedir-to para o natal época em que as palavras me esquecem mais que nunca, mas.........., parece-me que este ano sou eu que quero mesmo esquecer-me delas, pelo que to peço agora, porque, mais que nunca é preciso que este grito se faça ouvir todos os dias, parece-me [eu não quero ter a certeza] que por longo tempo....
sabes, é que eu perdi o jeito para dizer coisas importantes sem escandalizar, e tu sabes dizê-las tããão bem!
beijo.

Hanaé Pais disse...

Vidas tristes, o saco das bofetadas...