sábado, 19 de julho de 2008

CHOREI COM OS CÃES




Conduzia na estrada do Barranco do Bebedouro - serpenteada, estreita, iluminada pela lua-cheia.

De repente um vulto na minha rota. Não pude evitar. Só o vi pelo retrovisor.

Ao contrário do que se diz as fotografias não substituem as palavras, mas esta sangrou-me.

Saí do carro e ajoelhei-me junto do animal, um rafeiro alentejano, lindo, que ainda me olhou nos olhos e disse baixinho
- É pá - mataste um cão sem dono.

A lua-cheia inundava o silêncio e eu levei-o ao colo para dentro do carro.

Quando cheguei a casa, só pude fazer o que fiz.

Chamei o Dique e encarreguei-o de convocar todos os cães da aldeia. O funeral foi marcado para a meia-noite.

Todos compareceram.

Solidários, quatro amigos mais corajosos ofereceram-se para escavar a sepultura, num canto da horta, onde espontâneas medram as hortelãs.

Todos reunidos no silêncio.

Um uivo comovido despoletou um choro coletivo.

Só o Dique não chorou. Trazia na boca uma papoila
que largou em cima da sepultura.

28 comentários:

jrd disse...

Lágrimas vermelhas as do Dique.
Comovente e belo.

Manuel Veiga disse...

há cães assim - que nunca choram
(ou choram para dentro...)

belo, Poeta!

abraços.

Donagata disse...

Belíssimo requien para um rafeiro alentejano. O Dique com a sensibilidade apurada do dono.

Um beijo

**Viver a Alma** disse...

Mar Arável!
Como eu amo os animais. O ano passado, sem nada poder fazer, senºao tê-lo por 48h quase poermanentemente ao cólo, o meu cão de 8 anos, morria não sei bem com o quê! Só chiava...encostava-se a mim, depois pendurava a língua ao canto da boca e tinha tinha dores penso nos abdominais, porque parecia uma pedra. Morreu deitado ao lado da minha cama na caminha dele. Pedi ao jardineiro que fizesse uma cova nas traseiras da minha casa. Olhei para o céu e perguntei porque razão os animais que não se podem queixar têm de passar por estes sofrimentos, sem que possamos fazer nada a não ser esperar que morram...e agonizantes!
Foi terrível...nunca tunha passado por nada idêntico. Por isso me comovi com o seu post. tudo o que nasce morre. Há no entanto outro tipo e explicação, que me acalmou passado alguns meses, mas não não vem agora ao caso.
Fique bem e agradecida pelo que esceveu.
Abraço
Mariz

Ana Paula Sena disse...

Lindíssima esta sua prosa-poética!

Os animais também sentem, talvez sintam mais que nós e sem poderem dizer-nos tudo. Deveríamos aprender com a sua valentia, coragem e dignidade.

Bom domingo!

São disse...

Há cães que merecem mais lágrimas do que algumas pessoas...
Feliz semana.

Anónimo disse...

Uns assumem as suas atitudes, outros não:- é pena!
abraço

Gabriela Rocha Martins disse...

guardo este teu post num lugar muito especial ... na passada segunda.feira fui forçada a mandar abater a minha cadela [Moka] em fase terminal com um tumor na traqueia ... foi horrível e doloroso para mim ... ela não sofreu ... morreu a olhar para mim

lembrei.me dela ao ler.te

por isso hoje deixo.te dois

.
beijos

hora tardia disse...

chamo o nome do tempo neste tempo de partidas.




abraço.


__________________

Caçadora de Emoções disse...

Adoro animais e em especial cães, apesar de ainda estar à espera que um amigo de quatro patas me escolha...
Achei este post delicioso.

Uma semana plena de emoções.
Abraço,

hfm disse...

Belo texto!

Mié disse...

...sem palavras.

fiquei mesmo sem palavras.

um beijo enorme

enorme.íssimo

Graça Pires disse...

Comovente. Também ofereço uma papoila...
Um abraço.

Teresa Durães disse...

belo!

d´Agolada disse...

Eu tamén me topei cun can morto o outro día na estrada, a verdade é que é unha mágoa que estes animais morran dese xeito. Por certo, acabo de coñecer o teu blogue, gústame moito, ei voltar. Saúdos

Licínia Quitério disse...

Sentido, comovido e comovente texto. Aquele choro colectivo que cães e homens partilham em noites de afrontamento.

Abraço.

C Valente disse...

Morte de um cão, morte de um amigo de alguem
Saudações amigas

Anónimo disse...

Que história... Olha que eu sou chorona sobretudo com os animais.
bjocas

Justine disse...

Lancinante, pungente, exaltante texto.Perturbante, pelas analogias.
Belíssimo!

CCF disse...

Este é um dos meus maiores medos, que isto me aconteça. Sentiria a mesma dor que se espelha neste post. Uma vez uma velhota completamente distraída avançou directo ao meu carro, nem viu o sinal vermelho para peões nem que estava a atravessar fora da passadeira, travei o mais que pude mas ainda assim o carro deu-lhe um toque ligeiro e ela caiu. Ficou bem dentro do mal que já estava, mas aquela imagem dela demorou muito a sair dos meus pesadelos.
Também acrescento para este cão uma papoila vermelha.
~CC~

Maria disse...

Tão belo...
... belíssimo....

beijos

Maria Laura disse...

Comovente. Belíssimo!

Mateso disse...

Uma mensagem, por demais tocante...
Lindo!
Bj.

SILÊNCIO CULPADO disse...

Este texto abalou-me.O cão e a dor. Sei o que é.

Abraço

sol poente disse...

O sofrimento dum cão é sempre autêntico.
Dói.

Abraço

Anónimo disse...

Que texto tão belo para retratar uma situação tão horrrível!
Também já chorei um cão, o meu cão!
Cão que jamais esquecerei. Seu olhar, seus gestos,...todo ele...!
Resta-me contemplar o jardim que seus restos continuam a adubar!
Lindas papoilas, rosmaninho, malmequeres, sardinheiras....

Parabéns Romeiro pela mensagem poética de um gesto tão humano!

princesa

pin gente disse...

que ternura num texto tão triste

já matei uma pomba e fiquei com um nó na garganta.

abraço
luísa

mariam [Maria Martins] disse...

lindo!
conseguiu que eu tivesse um aperto no estômago enquanto lia!

deixo um sorriso e
também deposito um seixo castanho-avermelhado na sepultura.