Estávamos no fresco trinado da Primavera quando uma ave desconhecida subiu mais alto que o mastro das bandeiras
e logo hoje choveu uma lágrima dos teus olhos
Estávamos no trinado da Primavera o vento quase não se movia mas nós carregávamos a serra às costas por esses mares desnavegados a decifrar azuis e outros destinos
Nós sabíamos que não existem destinos e as flores não se oferecem conquistam-se a partir do chão até as pétalas se desfolharem
Só não sabíamos porque choveu uma lágrima dos teus olhos
Conduzia na estrada do Barranco do Bebedouro - serpenteada, estreita, iluminada pela lua cheia. De repente, um vulto na minha rota. Não pude evitar. Só o vi pelo retrovisor. Saí do carro e ajoelhei-me junto do animal, um rafeiro alentejano, lindo, que ainda me olhou nos olhos e disse baixinho: - É pá, mataste um cão sem dono. A lua cheia inundava o silêncio e eu levei-o ao colo para dentro do carro. Quando cheguei a casa, só pude fazer o que fiz. Chamei o Dique e encarreguei-o de convocar todos os cães da aldeia. O funeral foi marcado para a meia noite. Todos compareceram. Solidários, quatro amigos mais corajosos ofereceram-se para cavar a sepultura, num canto da horta, onde espontâneas medravam hortelãs. Todos reunidos no silêncio. Um uivo comovido despoletou um choro colectivo. Só o Dique não chorou. Trazia na boca uma papoila que largou em cima da sepultura.