segunda-feira, 28 de março de 2011

SILÊNCIO VÃO CANTAR OS PÁSSAROS



Após o recolhimento dos belos relâmpagos

algo rebentou em flor

a partir do chão


Organizados para assistir ao parto

das glicínias

regressaram em bandos

com asas de fogo

povoaram o deserto de cores

mas só tu pousaste

na minha mão preferida

Agora já não sei

como voar nas palavras

que sempre desejei

mais leves que as cinzas

Abri as janelas da casa

e ordenei aos cães

Silêncio

vão cantar os pássaros

terça-feira, 22 de março de 2011

ANCORADA À SOMBRA DOS BARCOS

René Magritte

Talvez por excesso de sonhos
acordei-te na minha escarpa
com sussurros de Primavera

memórias vivas de praias distantes
onde nidificam marés

Sem repouso nem pressas
porque tudo deve ser lento
no teu corpo

acordei-te devagar
para voares mais alto
que as aves no apeadeiro dos mastros

Sem a paciência do vento
a esculpir pedras
nem o sangue da velha araucária
que se renova

quiseste permanecer no cais
ancorada à sombra dos barcos

quarta-feira, 16 de março de 2011

BARCOS QUE SAIAM A BARRA


Quando sereníssima repousas
os lábios no baloiço das marés
desvendas silêncios
indícios de asas
respiras por todos os póros
um sopro de chamas
a dardejar no cais

Quando os céus tresmalham na ria
trazes castelos de vento
e outras paragens
afagas a paisagem
como se olhasses pela primeira vez
a correria dos marnotos
no espelho das marinhas valentes

Quando repousas os lábios
nesta folha de papel
ficas assim
a preto e branco
mais indecifrável que as velas dos moliceiros
a colher destinos
na palma das mãos

desejos antigos
de construir barcos
que saiam a barra

domingo, 13 de março de 2011

CONTRA O JUGO E O JOGO DOS PREDADORES



Desejo que o protesto inter-geracional do dia 12 - reforce a ideia da luta democrática sem complexos nem tabus.

Fazer da vontade individual energia organizada para dar corpo ao descontentamento quase geral - é um desafio.

Dia 19 lá estarei por valores e direitos de cidadania partilhada
contra os ancorados, os agachados - mais ainda contra o jugo e o jogo dos predadores.

terça-feira, 8 de março de 2011

APENAS UM TRAÇO

João Cutileiro


No rasto de um risco
em pleno voo
com asas de vento
as pétalas
no chão
que os cães não pisam

No rasto de um risco
deixei no papel a caligrafia
de uma pestana
em forma de vírgula
um gesto de lágrima cansada

No rasto de um risco
em pleno voo
com asas de vento
a carvão
pássaros
cães
sombras amovíveis
no entardecer das paredes da casa
marés ao rubro
nas fogueiras e nos mastros

Que fiz eu?

Nada.

Apenas um traço.

terça-feira, 1 de março de 2011

COM POEMAS NO REGAÇO

Folha ante folha
eras um rio de mágoas
inclinada para o mar
um presságio de pátrias tresmalhadas
vertiginosa e bela
a içar neblinas
nos mastros mais altos
Só não sabia
que ainda estavas em desassossego
por outros inocentes horizontes
exausta da cidade
e dos pássaros às migalhas
no chão das esplanadas
Para espanto dos cães
começaram a levantar-se
as memórias da araucária
e eu lambi-te as lágrimas
os cabelos brancos
os vendavais
Folha ante folha
foi assim que te vi
no espelho das águas
desalinhada
com poemas no regaço