sexta-feira, 28 de março de 2014

A DARDEJAR POR SOBRE AS PEDRAS







Passo a passo
no desassossego das marés
inconformado
desde o primeiro grito

atravesso por um fio
a distancia que nos aproxima

trespasso
volvidos tantos mares
na presença límpida
de uma flor
este chão de náufragos

passo a passo
pétala a pétala
em pleno voo
a dardejar por sobre as pedras


 

sábado, 22 de março de 2014

NO CORAÇÃO DAS PEDRAS HÁ PÁSSAROS EM RISTE







Quando chegaste
sangravas de uma asa
menina dos meus olhos
pátria efémera
a rasgar palavras
despida de tudo

regressaste ao concerto
dos meus silêncios preferidos
vestiste a cal de branco
num véu de noiva
e escreveste uma frase
trinada nas paredes da casa
que ainda hoje conservo

no coração das pedras
há pássaros em riste


 

segunda-feira, 17 de março de 2014

UMA FLOR VERMELHA NAS PAREDES DO CAIS



                                                 Publicado no meu "Chão de Claridades"




Não sei quem és
mas pelos gestos vieste por bem
rasgar o vento com as mãos
a neve dos meus cabelos
e eu cansado de florestas apócrifas
das palavras em bando
comecei a plantar árvores
vi os pássaros regressarem
em acordes
a luz das noites que não dormem

na partilha de horizontes
o amor é revolucionário
voa nos mastros mais altos
garatuja búzios de sons
intervém por causas
muito para lá das utopias
e se levanta resiste
ao pôr do sol
mesmo que os barcos entristecidos
estilhacem
nos espelhos da água
algumas pedras com vida por dentro

registo por um instante
o ar que se move

pinto com a boca
na tua boca

uma flor vermelha
nas paredes do cais



 

quarta-feira, 12 de março de 2014

A MINHA JANELA








Subi todos os degraus
do teu olhar
só para te ver
na escarpa

enquanto subia
o teu olhar derramava-se
no meu chão

quando cheguei
ao mastro mais alto
onde só o vento
e algumas aves se atrevem
descobri um secreto rumor
a maresias

na verdade o teu olhar
rasgado por sobre o rio
era a minha janela

desmoronados os acessos
por lá ficámos a respirar
o silvo dos barcos

e as sombras


 

quinta-feira, 6 de março de 2014

TRANSUMANTE







Passo a passo com os cães
já fui à fala
até ao muro
decifrar garatujas

Ali fiquei
sentado numa pedra
na liturgia da luz
a confluir relâmpagos

Transumante
atravessei por um fio
rotas tresmalhadas

mas hoje
não sei porquê

apeteceu-me morrer
por um instante
nos teus braços


 

sábado, 1 de março de 2014

OLHOS REMOÇADOS



                                                    publicado no "Chão de Claridades"
                                                



No tempo em que crescíamos
a noite bramava tão parda
que nem parecia noite

de súbito um frémito de luz
pestanejou nos mastros do cais

o mar restolhou

e eu vi claramente
os teus olhos remoçados
alumiarem as águas

Após tantos relâmpagos vividos
julgavas estar preparada
para voar

mas os pássaros ainda aprendiam
a ter asas