quarta-feira, 29 de julho de 2009

LISBOA NO CAOS DO SODRÉ



António Costa e Santana Lopes - candidatos à presidência da Câmara Municipal de Lisboa foram dois advogados a falarem de finanças. Evidenciaram dois zeros - um à esquerda e outro à direita.

Esta foi a diferença - a posição dos zeros. Um potencial candidato a primeiro ministro, o outro ex-primeiro ministro por acidente, a "recibo verde".

Olhos postos no monstro político da bipolarização, exibiram a contabilidade dos números no primeiro debate televisivo.

Antes das eleições legislativas, a setenta e três dias das eleições autárquicas - o eleitorado - "óbviamente" o que mais domina, são os números. Admito mesmo que estivesse a contar pelos dedos nas esplanadas para saber das contas do município - o deve. o haver e o pagar das dívidas de cada um dos candidatos.

António Costa na ausência de uma coligação política credível com incidência partidária responsável, preferiu uma caldeirada sem ideologia.

Santana Lopes reabilitado a pedido de várias famílias, tenta de novo uma luz ao fundo do túnel.

Imagem/ sondagem/ sacanagem/ - um "versículo" de Manuel Alegre sugere-nos ( apenas sugere) que nem António Costa é Duarte Pacheco nem Santana Lopes é Pina Manique.

Melhor seria que um e outro recuperassem de uma gripe, que lamentávelmente não os bafejou.

Deste modo Lisboa vai estar em disputa
no caos do Sodré

quinta-feira, 23 de julho de 2009

NA HORA DO GADO



Os silêncios não são todos iguais. Este é o da vasta planície aloirada, mais longo que o espaço dos teus braços abertos. Um silêncio pontuado por rebanhos, azinhagas e azinheiras. Um silêncio de cal e casas rasteiras. Cânticos em grupo ao ar livre quando a lua está cheia e os homens se encontram para falar, cantando.
Neste silêncio de ventos brandos e quentes - que nem parecem ventos - os olhos do senhor Anastácio não se vergam.
Nunca foi maioral mas fazia milagres com o assobio. Cruzava a "estrada" com a bandeira nacional hasteada no cajado, para anunciar ao silêncio que o gado lento ía atravessar.
Pastor de sonhos, dormia com os animais. Só aparecia em casa aos fins de semana.
No Verão, quando o tempo fervia o sangue da planície e o silêncio se tornava insuportável, quando a vida se tornava palha - alugava um táxi na aldeia e levava a mulher e os filhos ao litoral, só para que vissem o mar.

Encharcava os moços de brilhantina e a mãe protestava.
- Tanta brilhantina Anastácio.
- É para os moços não se perderem na praia.

Sentados nas areias molhadas, enquanto os putos se perdiam de vista, o senhor Anastácio dizia baixinho.
- Maria, este não é o meu mar. Esta não é a minha gente. A minha gente são os teus olhos de mel.
- Não mintas.

De súbito o homem do táxi alertou em voz alta.
- Anastácio, está na hora do gado.

Um assobio silvestre e a canalha tresmalhada não apareceu. Teve de percorrer o rasto da brilhantina.

À chegada o gado à solta balia e o senhor Anastácio disse uma vez mais- baixinho.
- Meus filhos, só vocês não se perdem.

sábado, 18 de julho de 2009

NA CLARIDADE DAS ÁGUAS



Quem decide àcerca do curso
dos rios nem sempre
são as margens

Conheço rios que seguem loucos
as rotas das aves

Lembras-te
quando rasgámos
por uma fresta
os caminhos do mar?

O vento tinha nas veias
o ciclo das marés
e o teu corpo fluido
ainda hoje é um deus
à semelhança de um sopro
uma sombra linda

na claridade das águas

sexta-feira, 10 de julho de 2009

POR ENTRE OS DEDOS




Deixámos um rasto
fluorescente no escuro
para as aves se guiarem

Quase indecifráveis
marulhámos sussurros
sem preocupações de chamar
grandes nomes às coisas

No princípio éramos assim
polidos como seixos
tão perfeitos
que ainda hoje temos o rosto
esculpido na água

Com a noção clara das noites
brincávamos com as sombras
desenhávamos garatujas
em todos os mastros
soprávamos o vento

Quando demos mais um passo
para ultrapassar o tempo
obsessivos pela lonjura
recolhemos a outra dimensão
dos teus cabelos brancos
à solta
por entre os dedos

sábado, 4 de julho de 2009

PARA LÁ DO AZUL


Aqui tão perto dos infinitos
no ponto mais distante do deserto
presos por um fio
a meio da ponte
ainda hoje celebramos
as margens
para escrever no azul
metáforas trabalhadas na água
palavras brancas

Ainda hoje
temos o corpo dividido
em pequenos deuses
mas quando partimos
num barco em flor
sonâmbulos como potros
do chão firme das espumas
erguem-se aromas incríveis
na mais transparente verticalidade

Descobrimos
que para lá do azul
talvez ainda seja mar