domingo, 26 de abril de 2015

NÃO HÁ PÁSSARO QUE ATIRE UMA PEDRA







Na sombra das varandas
engalanadas
pelas ruas estreitas
desfilam ânforas
à vista dos barcos

relâmpagos contidos
na voragem do tempo

sempre que te ouvem
resgatam um cravo
inscrevem o teu nome
no mais íntimo da pele

mas não há pássaro
que atire uma pedra
contra o vento

 Eufrázio Filipe

quinta-feira, 23 de abril de 2015

FESTA DE BELOS VENDAVAIS


                                                         republicado



Estávamos num conflito de areias
desterrados no deserto
quando choveu
nas nossas bocas 
uma certa água
e os cravos povoaram 
as ruas

mas foi por uma fresta
escancarada 
que te descobri
silvestre e breve
a resistir
no chão onde se despem as pétalas
que voam
sem limites

ainda hoje chove nas nossas bocas
uma certa efusão de cores
perfumes tresmalhados
e areias

mas és tu ABRIL
no mais íntimo dos silêncios
a minha festa de belos vendavais


sexta-feira, 17 de abril de 2015

QUE FIZESTE DAS NOSSAS FLORES?



                                                           publicado em 2008



As árvores viajam
na sombra do verde
um sussurro de folhas
e tu foges dos ramos

amanheces tão distante
que nem os meus olhos
descobrem os teus gestos

as árvores viajam
onde acontece a flor do fruto
no chão
e os pássaros sem amos
deixam que a sombra se rebente

meu povo
que fizeste das nossas flores?


quarta-feira, 15 de abril de 2015

NOTÍCIAS DA BABILÓNIA






A Babilónia, os babilónicos, Hammurabi, recriados com o olhar atento do Manuel Veiga, conduzem os seus textos de intervenção política e social, oferecem-nos uma prosa deliciosa, poética satírica, onde revemos da sua escarpa, um país que é o nosso, à beira-mar betonado. 

Democrata impoluto, sem verdades absolutas mas fortes convicções, o meu amigo tem motivos e chão para desbravar novos textos, nesta Babilónia que promete à saciedade, alternâncias conhecidas de poderes, até ser outro dia. 

Com talento, palavras em carne viva e outras metáforas - Manuel Veiga construiu e revelou um painel onde a ficção subscreve a realidade. 

Como não podemos mudar de babilónicos, só ajudar, fico na minha escarpa a aguardar o teu inesgotável e acutilante fio de meada. 
Nós merecemos. 

Abraço fraterno. 





domingo, 12 de abril de 2015

A VOZ ME DOEU

                                          publicado no PRESOS A UM SOPRO DE VENTO



Eu sei que tudo se move

até a sombra
em pleno voo

mas quando me sentei
na escarpa
para ouvir 
um concerto de pássaros

e os vi
tão debruçados

só de os ver

a voz me doeu


Eufrázio Filipe


terça-feira, 7 de abril de 2015

A FINGIR DE PÁSSAROS



                                        publicado no PRESOS A UM SOPRO DE VENTO



A minha escarpa
tem uma janela
escancarada para o mar

mesmo por sobre
barcos de passagem
latidos de cães
e metáforas

Neste sítio fustigado
onde nidificam
ventos e relâmpagos
ouvi um grito
em carne viva
mais real que os verdadeiros

soltei-o
e as palavras voaram
a fingir de pássaros



Eufrázio Filipe


quarta-feira, 1 de abril de 2015

PRIMAVERA





Abri janelas fechei portões
soltei os cães
mas lá no fundo
onde medra a oliveira
vi claramente despontar
não sei o quê
como se as palavras ocultas
fossem perfumes
de cores
em desordem
no chão que pisamos

Abri janelas
para ouvir a chuva
num sopro de vento

não sabia
que te chamavam Primavera


eufrázio filipe